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A Educação Visual e Tecnológica "dá mais vida à vida nas escolas"

Não se vislumbra argumentos pedagógicos que justifiquem esta proposta que configura um desmembramento de uma disciplina de sucesso nas escolas, integradora dos saberes e que articula o saber e o saber fazer, tornando as aprendizagens dos alunos significativas. Artigo de Carlos Gomes.
Foto de Paulete Matos

Apesar da legitimidade democrática do governo em tomar medidas educativas, não posso deixar de salientar que nenhumas destas “soluções curriculares” estavam plasmadas nos textos eleitorais e no programa do governo. Bem pelo contrário, tudo levava a querer pelas declarações dos líderes dos partidos que sustentam o governo, que a revisão curricular seguiria um caminho bem diferente ao do anterior governo. Sentimo-nos por isso enganados. Por outro lado, afigura-se-nos democraticamente ilegítima a ideia que existe um consenso social e profissional sobre os objectivos da revisão curricular; que propostas diferentes se configuram como imposições; que a discussão pública não visa uma concertação em que prevaleça a análise estratégica e que nada será mudado, mesmo havendo propostas que visam os objectivos idênticos mas que apresentam outro tipo de soluções ou propõem correcções conceptuais.

A revisão curricular é fundamental num contexto mais global de reorganização do sistema, em que as mudanças são assumidas por todos os intervenientes quando previamente suscitada construída e participada pela sociedade, (esta não solicitou esta revisão e muito menos este tipo de soluções). “A revisão curricular é a principal âncora do sistema de ensino, exigia-se por isso um forte acordo político e social de natureza estratégica, pois aquela requer estabilidade e continuidade nas políticas. A reforma curricular não pode estar ao sabor de mudanças políticas conjunturais resultantes dos ciclos políticas eleitorais”.

A análise detalhada do documento do Ministério da Educação e Ciência “Revisão da Estrutura Curricular” coloca múltiplas questões, de carácter científico e pedagógico, de operacionalização e, também, de carácter socioprofissional:

(i) Omissão de estratégias e calendários da uma revisão curricular “que abre caminhos a reformas curriculares mais profundas…”;

(ii) Total ausência de propostas para o 1º ciclo - coadjuvação ao professor generalista;

(iii) A única menção ao 1º ciclo refere a continuidade do apoio ao estudo pretendendo justificar por igualdade de critérios a atribuição de apoio ao estudo nos 2º e 3º ciclo na Componente Não Lectiva;

(iv) Não é coerente o desaparecimento em definitivo das Áreas Curriculares Não Disciplinares da estrutura curricular, um espaço de autonomia da escola, sem que haja referências às mesmas no 1º ciclo, onde se vão manter;

(v) A eliminação da Formação Cívica que vem penalizar o trabalho dos directores de turma, com repercussões na leccionação dos conteúdos das suas disciplinas;

(vi) Dissolvência da área artística no 2º Ciclo do Ensino Básico”: A solução encontrada de disciplinas em blocos de 90 minutos subestima o princípio de acompanhamento da turma pelo professor ao longo da semana e aumento de número de turmas por professor o que necessariamente prejudicará o desempenho pedagógico – didáctico dos professores. Este princípio não é tão irrelevante pois, foi considerado como objectivo primordial na Restruturação Curricular da Reforma 1989;

(vii) A solução encontrada de modelos semestrais no 2º ciclo não são adequados para alunos deste nível etário pois introduz uma quebra de continuidade, momentos de avaliação distintos, ineficiência na progressão na aprendizagem;

(viii) Inadequação do tempo previsto para desenvolver as finalidades que cabem à Educação Tecnológica no 3º ciclo, agravada sem opção no 9º ano;

(xi) A eliminação da disciplina de EVT e a criação de duas novas disciplinas, juntando-se uma outra área curricular aumentando a dispersão curricular.

Efectivamente a proposta de revisão da estrutura curricular do Ensino Básico e Secundário, configura a eliminação da disciplina de Educação Visual e Tecnológica (EVT) do elenco curricular do 2º Ciclo do Ensino Básico (CEB) propondo a sua substituição pelas disciplinas de Educação Visual (EV), Educação Tecnológica (ET)/Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Esta proposta, caso seja posta em prática tal como é apresentada, atinge com grande impacto, o lugar e papel desta área educativa.

Não se vislumbra argumentos pedagógicos que justifiquem esta proposta que configura um desmembramento de uma disciplina de sucesso nas escolas, integradora dos saberes e que articula o saber e o saber fazer, tornando as aprendizagens dos alunos significativas. Ignora a importância desta área curricular na escola, da sua ligação à comunidade educativa, sendo que a “EVT dá mais vida à vida das escolas”.

Vinte anos após a sua integração no currículo, com a disciplina finalmente estabilizada com professores do grupo 240, como se pode pretender justificar a sua separação com base na ideia de formações específicas em função das componentes da disciplina, sendo isso um esbanjamento e uma depreciação à formação inicial ministrada pelas Escolas Superiores de Educação durante todos estes anos.

Ao desconsiderar os recursos humanos e materiais existentes, como a formação de docentes nesta área curricular; o investimento nessa formação e mesmo os trabalhos de investigação académica e científica que nos últimos anos têm sido produzidos e alguns ainda a decorrerem; os recursos físicos e materiais que foram investidos durante duas décadas para agora serem esquecidos nas nossas escolas, o ME não pretende economizar pois desperdiça o que existe e cria despesas desnecessárias na reformulação de novos programas, desmembramento de espaços físicos, para além da instabilidade escolar e profissional de custos incalculáveis?

Se em vez de um simulacro de discussão pública tivesse existido um verdadeiro debate sobre o futuro da educação em Portugal, o ME seria obrigado a novas soluções atendendo aos problemas enunciados. Menos dispersão curricular? Mais Língua Portuguesa e Matemática? Porque não logo no 1ºciclo, libertando o professor generalista da área das expressões a professores coadjuvantes podendo dedicar mais tempo às áreas de Língua Portuguesa e Matemática e desta forma, aliviar o currículo do 2º ciclo e possibilitar uma EVT indivisível e integradora? Por que razão se estabelece em primeiro lugar a carga horária na proposta? Quais serão os programas/conteúdos programáticos a abordar e quais as metas educativas que os alunos devem alcançar em cada uma destas disciplinas? Etc.

Num sistema onde o insucesso, a indisciplina e o abandono escolar dos alunos é preocupante, não é legítimo desvalorizar a disciplina que tanto motiva, estimula e promove o sucesso e as aprendizagens transversais nos alunos. “As medidas propostas da Revisão da Estrutura Curricular, condena os alunos de hoje a serem no futuro adultos criativamente estéreis, conservadores, destituídos de agilidade e plasticidade mental tão necessários para o desenvolvimento e o domínio de todas as áreas do conhecimento/profissionais”.


Carlos Gomes é Coordenador Departamento de Expressões; Formador certificado pelo CCPFC para as Didácticas Especificas Expressões, EVT e ET; Autor de programas curriculares e de manuais escolares.

(...)

Neste dossier:

Reforma Curricular no Básico e Secundário

A proposta de Nuno Crato tem apenas duas páginas de texto e deixa muitas perguntas sem resposta. Mas a falta de debate prévio e a urgência do ministro têm uma razão: é preciso tirar dinheiro à escola pública e despedir professores, à custa da amputação de áreas curriculares fundamentais para o desenvolvimento dos estudantes. Dossier coordenado por Luís Branco

A escola minguada de Nuno Crato

Os cortes desta reforma curricular não são aleatórios, têm alvo certo – as áreas de trabalho do pensamento crítico, da articulação de saberes, e de ensino artístico e de trabalho das competências criativas. Para Nuno Crato, tudo isso é desperdício.

Mais insucesso escolar à vista

As reformas curriculares da última década têm, sob a batuta das decisões de gabinete e quantas vezes a toque de caixa de uma espécie de senso comum, um forte travo ideológico e legitimam-se na arrogância: a decisão de gabinete é mais ajustada do que a dos que vivem e fazem a escola, dos que estudam o desenvolvimento das crianças e dos jovens, dos que investigam as tendências internacionais e se questionam sobre as melhores opções para o país.

P&R: Reforma curricular

A proposta do Governo vem transformar a vida nas escolas, embora não se conheçam as justificações para a mudança, à exceção da necessidade de cortar nas despesas. Eis algumas Perguntas e Respostas sobre a Reforma Curricular, baseadas no parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Educação.

Estudantes exigem direito a ter voz

Enquanto estudantes exigimos um programa curricular adequado à nossa aprendizagem e desenvolvimento enquanto indivíduos construtores de uma sociedade em constante evolução. Artigo de Inês Ribeiro.

Quem tem medo de melhores cidadãos e cidadãs?

A disciplina de Formação Cívica vai ser excluída do curriculum escolar, sem que o ministério da educação tenha pedido opinião aos interessados, alunos e professores, sem se fazer um balanço dos anos em que funcionou. Elimina-se uma janela para a democracia e a participação estudantil.

A Educação Visual e Tecnológica "dá mais vida à vida nas escolas"

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CNE arrasa reforma curricular

O parecer do Conselho Nacional de Educação diz que a proposta de Nuno Crato "não só restringe o âmbito do currículo, como altera o seu equilíbrio interno, afeta a extensão e contradiz alguns dos seus próprios pressupostos". Para os conselheiros, o Governo não explica nem as razões nem a oportunidade desta revisão, feita "num prazo tão curto em relação à revisão anterior".

Vem aí o currículo “Não Mexas Aí!”

O Movimento Escola Pública condenou a ausência de uma discussão alargada do projeto de Reforma Curricular proposto por Nuno Crato e apresentou ao Ministério a sua posição durante o mês em que decorreu a discussão pública da proposta.

Regresso ao passado

Com esta reforma curricular, desenha-se um modelo de escola teórico, livresco e com apelo privilegiado à memorização. É a primazia do saber recitar em detrimento do saber fazer. É, de facto, um ensino mais pobre, mais barato, com menos professores, e mais conforme as necessidades e os desejos de quem vai mandando no país e no mundo.