As Forças Armadas portuguesas foram alvo de diversos processos de transformação ao longo do último meio século. Sem dúvida, o processo mais radical e estruturante operou-se com a Revolução de abril e durante o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC).
No início do ano de 1974 e no auge da guerra colonial serviam nos três ramos das Forças Armadas, no Continente, nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira e nas ex-colónias cerca de 240 000 militares, os quais sofreram uma redução para cerca de 100 000 passado pouco mais de um ano depois. Uma inevitabilidade, após o fim da guerra colonial, a declaração da independência das antigas colónias e com o 25 de novembro de 1975.
Após o 25 de abril e até aos dias de hoje, as Forças Armadas passaram por diversos períodos e fases. Durante o período revolucionário há a destacar a indisciplina militar, a descolonização e a desmobilização das forças.
Após 1976 e durante o período do enquadramento há a relevar o poder do Conselho da Revolução, as tentativas de reestruturação da Defesa Nacional e a institucionalização das FFAA relegando-as para os quartéis e submetendo-as ao poder político, com a revisão constitucional de 1982. Há uma adaptação à NATO e o restabelecimento das missões das FFAA, a que não é alheio o novo conceito estratégico dessa organização militarista, decorrente do final da Guerra Fria.
A partir de 1991 e até 2015, durante o chamado período da reforma, as Forças Armadas portuguesas também sentem os efeitos dos acontecimentos e mudanças a nível internacional: dissolução da União Soviética, alargamento da NATO a Leste, fragmentação da ex-Jugoslávia, os ataques do 11 de setembro e as novas abordagens perante o terrorismo internacional, a invasão do Afeganistão e do Iraque, a reafirmação das políticas de Defesa e Segurança na Europa, a criação de forças de reação rápida na NATO e na UE, a crise financeira e económica de 2008, e o novo conceito estratégico da NATO de 2010.
No mesmo período e a nível interno as FFAA atravessam várias reestruturações, com redução de efetivos e dos orçamentos da Defesa, para “a defesa militar da República e como instrumento da política externa do Estado”, o fim do Serviço Militar Obrigatório em 2004, a profissionalização das forças, a definição das prioridades das suas missões, consideradas de “interesse público”. Foi durante o período da crise e do governo PSD/CDS que as FFAA, (Defesa 2020), sofreram uma redução significativa dos seus efetivos, assim como uma contração das operações multinacionais, embora como uma maior subserviência em relação à NATO. Verificou-se uma nítida degradação da condição militar.
Curiosamente, é com o atual governo que se tem acentuado a tendência para o chamado duplo uso e para o reforço militar e intervencionista das Forças Armadas. A pretexto do combate aos incêndios florestais e das ameaças de natureza terrorista, o país está a caminhar numa via perigosa para a militarização da sociedade, à semelhança do que está a acontecer em diversos países da União Europeia, para não ir mais longe. O que no nosso país colide com a Constituição da República, pondo em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
O caminho também está a orientar-se para um reforço das chamadas Forças Nacionais Destacadas em missões externas, ao serviço da NATO e de outras organizações internacionais. NATO que é uma organização militar imperialista de guerra e não de paz. São bem um exemplo as missões destacadas para a República Centro-Africana e para a Lituânia.
Portugal também passou a fazer parte de outras organizações militaristas europeias que surgiram recentemente – como a Cooperação Estruturada Permanente e a Iniciativa Europeia de Intervenção – que estão a funcionar como o ponto de partida e o núcleo duro do futuro exército europeu. Todas estas iniciativas e movimentações militares vão exigir um reforço acrescido de verbas para os orçamentos da Defesa e que o governo está na disposição e satisfazer.
Também paira no ar a ameaça de reintrodução do SMO, seguindo o exemplo do que se passa em alguns países da Europa. Se acontecesse, tal constituiria um retrocesso civilizacional de muitas décadas para o país.
Nos tempos de hoje, Portugal necessita de uma Proteção Civil forte e de uma Forças Armadas adequadas à realidade e às novas circunstâncias, eficientes, modernizadas, efetivamente democratizadas, sem Serviço Militar Obrigatório, melhorando a condição militar, sem intervenções externas e independentes da NATO e dos senhores da guerra dos EUA e da Europa, ao serviço do povo e do país, respeitando a ordem constitucional vigente.