Em tempos de crise, uma nova abordagem das temáticas da água

Texto de apoio à intervenção de João Bau no painel do Fórum Socialismo 2018 "Como evitar o dia em que a água deixe de correr nas torneiras?"

02 de setembro 2018 - 0:05
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1- TEMPOS DE CRISE

O tema proposto para este painel “Como evitar o dia em que a água deixe de correr nas torneiras?” ou, de forma mais realista e genérica, “Como evitar o dia em que a água deixe de ser suficiente para satisfazer as nossas necessidades (quer do ponto de vista quantitativo quer qualitativo)?” é muito provavelmente uma interrogação que ocorre cada vez mais a muitos portugueses.  De facto no último ano os portugueses foram confrontados com situações (que deram origem a múltiplas e prolongadas reportagens nas TVs) que estariam relacionadas com as alterações climáticas, em especial com a alteração significativa do regime de precipitação, das quais refiro:

a) num ano de seca severa, a trágica sucessão de incêndios que varreu tantos municípios do interior do país e que originou 130 mortes,

b) a necessidade, durante a época estival, de transporte por camiões-tanque de água bruta (ou seja, não tratada) da albufeira de Aguieira para a pequena albufeira da barragem de Fagilde, que permite abastecer Viseu, objecto de transmissão de imagens diárias nas TVs, 

c) a impressionante poluição ocorrida no verão (em períodos de caudal extremamente reduzido) em troços do Rio Tejo motivada por descargas de unidades fabris localizadas nas margens do curso de água, também objecto de reportagens em dias consecutivos nas TVs,

d) a ocorrência mais frequente de chuvadas muito intensas e com duração relativamente curta, que originam cheias em zonas urbanas e, por vezes, destruições de culturas em zonas agrícolas.

A situação vivida neste ano, quer em Portugal quer noutras partes do mundo, mais não faz do que aumentar as nossas preocupações.

A temática das alterações climáticas (e da correspondente alteração do regime de precipitação) ganhou pois, na generalidade da opinião pública, uma visibilidade que não teria tido até então. O que seria um tema que chegava às populações através de declarações de cientistas e de alguns (poucos) comentadores na comunicação social, terá sido então percebido por muitos como uma ameaça efectiva para a vida e o bem-estar de cada um de nós. 

A generalidade dos cidadãos portugueses estava então plenamente consciente de que o país estava enfrentando uma grave situação de crise (de que estava, e está, lentamente procurando sair), mas valorizava as dimensões financeira, económica e social da mesma. Mas (com tudo o que se passou no ano passado) para a opinião pública tornou-se cada vez mais evidente que a crise tem também uma significativa dimensão ambiental. No entanto a problemática das alterações climáticas é apenas uma (mas importante) dimensão da grave crise ambiental e social que enfrentamos à escala planetária. É insustentável a manutenção de um estilo de vida assente na sobre exploração dos recursos naturais, na intensificação do consumo de energia e na explosão da produção de resíduos. A necessidade de um novo paradigma ambiental, de um outro modelo de desenvolvimento, é sentida cada vez com maior premência.

Encontramo-nos de facto numa incontornável e inegável situação de crise. De crise financeira, de crise económica (ou seja, de crise da economia real, da economia produtiva), de crise social, mas também de crise ambiental, de crise energética, de crise alimentar. Crise essa que reflecte e expressa também a crise de um modelo cultural (ou ideológico), que tem como seu principal pilar o fundamentalismo do livre mercado. Estamos pois num momento de construção de novas alternativas, de concepção de soluções inovadoras e criativas, que façam emergir novas estruturas e formas organizativas da vida colectiva. Estamos num momento de escolhas e do necessário empenhamento na construção do futuro com base nessas escolhas e nos princípios e valores que as enformam.

2- QUE ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO DA ÁGUA?

É hoje claro que a existência de alterações climáticas antropogénicas deixou de ser uma mera hipótese teórica, que tem uma base científica reconhecida internacionalmente, e que terá impactos significativos nos vários sistemas naturais e sociais. Pelo que a sua consideração tem que estar presente nos processos de decisão, nomeadamente nos que respeitam à definição das grandes opções de política no mundo de hoje, designadamente no que respeita aos recursos naturais e, em especial, à água. 

É conhecido que no mundo se vive uma crise da água. Nos últimos 100 anos, o utilização da água à escala planetária foi multiplicada por seis e continua a aumentar progressivamente cerca de 1% ao ano. Em paralelo constatou-se a existência de uma crise ecológica dos ecossistemas aquáticos, verificou-se uma exploração insustentável de muitos aquíferos, ocorreram problemas por vezes muito graves de degradação da qualidade das águas (sendo a poluição difusa provocada pela agricultura o principal problema neste domínio no mundo inteiro), constatou-se a existência na gestão das águas de ineficiências e de irracionalidades do ponto de vista económico, e tornaram-se patentes problemas de governabilidade, por falta de transparência e de participação dos cidadãos. Ora os impactos previsíveis das alterações climáticas nos recursos hídricos tenderão a agravar fortemente, em tantas regiões do nosso planeta, muitos desses problemas. Em suma, torna-se evidente a crise dos princípios e dos modelos de gestão da água predominantes no século passado, não só para enfrentar as necessidades actuais mas, sobretudo, para responder aos desafios do futuro.

Mas se a crise é global, e se há respostas que inevitavelmente têm que ser dadas à escala global, também não é menos verdade que é necessário agir à escala local. É portanto indispensável a definição de uma estratégia de longo prazo para a gestão das águas (à escala mundial, à escala europeia, à escala ibérica, à escala nacional e à escala regional e local). Que promova a sustentabilidade dos ecossistemas, a conservação da água, o seu uso eficiente, a gestão da procura. 

Mas, a verdade é que, estranhamente e por razões diversas, esta questão não está na agenda política, ou seja, não ganhou ainda a centralidade política que efectivamente merece. A definição de novas estratégias e políticas para a gestão da água em Portugal adquire, pois, uma urgência e uma importância acrescidas.

3- UMA NOVA ABORDAGEM PARA AS QUESTÕES DA ÁGUA

O debate sobre a gestão e planeamento das águas é um dos temas que maiores desafios colocam, nos tempos de hoje, à comunidade científica e técnica, aos governos e à sociedade em geral. Várias instituições e personalidades têm dado contribuições significativas nesse âmbito e dentre elas destaco três, cuja actividade tenho acompanhado mais de perto. Em primeiro lugar refiro Pedro Arrojo e todos aqueles que vêm trabalhando na (e com) a Fundação para a Nova Cultura da Água (FNCA), que têm apresentado a perspectiva porventura mais elaborada, estruturada e consistente para as novas alternativas neste domínio. Em segundo lugar aponto Riccardo Petrella, principal animador da Associação para o Contrato Mundial da Água, com a sua radicalidade crítica articulada com a formulação e apresentação de propostas de novos paradigmas. E, por último, refiro David Hall e a sua equipa do PSIRU (Public Services International Research Unit), com um notável e persistente trabalho crítico de âmbito internacional de muitos anos sobre os serviços públicos e, nomeadamente, sobre a mercantilização dos serviços de água e saneamento. A minha contribuição para este debate sobre as novas abordagens para as temáticas da água muito deve a esses autores.  

Em minha opinião, para assumir o desafio de encontrar uma resposta à crise que enfrentamos na dimensão ambiental e em particular a relativa à água, torna-se necessário passar do plano puramente técnico, ou tecnicista, para o plano das escalas de valores, da nossa concepção da natureza, dos nossos princípios éticos, dos nossos estilos de vida. Ou seja, existe a necessidade de uma mudança cultural, de uma “Nova Cultura da Água”, que seja expressão de uma Nova Cultura de Sustentabilidade. Que tenha em conta que a água representa a nossa herança natural, que marca a identidade de territórios e povos, que desempenha funções sociais chave, tanto para a vida na biosfera como para a organização e coesão social das comunidades. É esta a perspectiva que venho defender. 

A Declaração Europeia para a Nova Cultura da Água, aprovada em 2004 após um processo de debate com participação de mais de cem peritos de muitos países europeus, e dinamizado pela FNCA, aponta em meu entender o caminho a prosseguir, ou seja, apresenta os principais valores, paradigmas e estratégias que devem conformar a formulação de uma nova política para a água. Irei citá-la repetidas vezes nesta minha intervenção. Refiro ainda que a perspectiva que essa Declaração apresenta é compatível e convergente com o quadro legal vigente na Europa e em Portugal. A Directiva Quadro da Água (DQA) de 2000, considerada por muitos como uma das legislações ambientais mais avançadas do Mundo, e transposta para a legislação nacional pela Lei nº 58/2005 de 29 de Dezembro, apresenta de facto perspectivas e objectivos em muitos pontos compatíveis, e até convergentes, com os preconizados pela citada Nova Cultura da Água.  

Nesta minha intervenção optei por não seguir o caminho de propor, desde já, medidas concretas para resolver questões ou problemas concretos aqui e agora. Em alternativa, optei por uma abordagem de natureza conceptual, por centrar a minha atenção na apresentação de propostas de valores, princípios, opções, estratégias que permitam fundamentar, enquadrar e dar consistência à definição de políticas que incorporem as tais acções e medidas concretas para a resolução dos problemas concretos. Abordarei no  entanto no tempo que tenho disponível apenas um pequeno número de questões porventura mais relevantes e que considero importante serem discutidas neste momento em Portugal. 

3.1- Da água “recurso produtivo” à água “activo eco-social”

Quando queremos falar da água, de discutir que políticas, que estratégias, que medidas adoptar para a sua gestão, é útil começarmos por analisar “para que é que queremos a água” e “a que é que damos valor na sua utilização”. Ramón Vargas e Nidia Piñeyro referem aliás que “el agua nunca es el agua”. “É o uso que fazemos dela que define, em última instância, o seu significado. O para que é que eu a quero é o que define o que é a água para mim”.

Todos estamos conscientes da importância da utilizações da água no abastecimento das populações (condição necessária da nossa sobrevivência) e conhecemos a sua importância para o conforto da nossa vida doméstica. Também todos reconhecemos a relevância das utilizações da água nas actividades económicas (na agricultura, na indústria, na produção de energia eléctrica, etc.). Mas também sabemos que a água dos rios é um referencial da identidade das povoações e das suas gentes e tem um inegável valor patrimonial. Ver fluir a água é um valor em si mesmo e em todas as culturas e religiões a água tem sido considerada como um símbolo de pureza e fertilidade, e é sempre portadora de um rico significado teológico. Mas, para além de tudo isso, não podemos esquecer que a água desempenha um papel vital na biosfera, tanto no que se refere à vida em terra como no mar. Nenhuma forma de vida se pode manter sem água.

Mas se é importante referirmos qual é a relação do homem com a água, é igualmente fundamental apercebermo-nos das relações que se estabelecem entre os homens relativamente à água. E, a este respeito, será interessante referir uma questão sempre controversa que é a de saber se a água deve ser, ou não, considerada primordialmente como um bem económico.

De um lado estão os que defendem que a água deve ser considerada como uma mercadoria. Segundo eles, o valor de um bem é definido principalmente pelo seu valor económico, ou seja, pelo seu valor de mercado, de troca. É o valor de troca que determina o valor de uso. E, portanto, como qualquer outro bem, a água deve ser considerada como um bem que tem um valor económico. 

A consagração da aceitação deste conceito (pela primeira vez de uma maneira formal ao nível intergovernamental) teve lugar na “Conferência Internacional sobre a Água e o Desenvolvimento”, organizada pelas Nações Unidas, em Dublin, em 1992. De facto um dos quatro princípios (especificamente o quarto) apresentados na Declaração de Dublin estabeleceu que “A água tem um valor económico em todas as suas diversas utilizações competitivas e deverá ser reconhecida como um bem económico”.  

Esta é a posição ainda hoje dos que defendem e promovem a mercantilização, privatização e financeirização da vida. 

Em defesa desta concepção pode argumentar-se até que ela seria um instrumento útil para, em situações de escassez de água, fazer  a sua repartição entre demandas alternativas que não teriam possibilidade de serem satisfeitas  na sua globalidade. O recurso aos mecanismos de preço e de mercado poderia permitir gerir eficazmente a escassez, recorrendo a uma gestão economicamente racional, óptima, de um recurso limitado cuja acessibilidade seria regulada pela solvabilidade dos utentes em competição por usos concorrenciais ou alternativos. De facto o recurso a tais mecanismos de mercado permitiria certamente atingir um equilíbrio entre a oferta e a procura. O que não permitiria era garantir o acesso à água a todos os seres humanos, a todas as comunidades. Ou seja, isso levaria, em situações de escassez, a excluir do acesso à água quem não tivesse dinheiro para a pagar.

Ora de facto a água tem uma dimensão económica mas tem também outras importantes dimensões, como a social, a ambiental, a cultural, a patrimonial, a simbólica, etc. Ou seja, a água é outra coisa que um mero bem económico. Considerar que a água deve ser considerada como um bem económico, traduz uma opção de natureza puramente ideológica, que consiste em privilegiar, de entre as múltiplas dimensões específicas da água, o valor relativo à dimensão económica em detrimento de todos os outros valores. Mas até os defensores de tal opção não podem negar que não há, no ecossistema Terra, outras “fontes de vida” como a água. E que a água é um recurso único, particular, de natureza diferente de todos os outros recursos aos quais os seres humanos recorrem para satisfazer as suas necessidades básicas. A água desempenha funções sociais que são garantia de direitos do homem, nomeadamente do direito à vida.

Existem evidentemente outras perspectivas sobre esta questão, e merece destaque a posição assumida pela ONU. Reconhecendo exactamente que a água “é essencial à vida e á saúde”, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em 26/07/2010, uma Resolução que “declara o direito à água potável e ao saneamento como um direito fundamental para o pleno disfrute da vida e de todos os direitos humanos”. A posterior aprovação, em 30/09/2010, pelo Comité dos Direitos Humanos da sua própria Resolução sobre a mesma temática, significou, que “para a ONU o direito à água e ao saneamento está contido nos tratados relativos aos direitos do homem e por consequência é legalmente obrigatório”. Aliás já um documento do já referido Comité dos Direitos Humanos de 2003 (o primeiro aprovado em matéria de direito  à água) referia que “a água deverá ser considerada como um bem social e cultural e não principalmente como um bem económico”.

Na mesma linha está a DQA que (no seu primeiro considerando) refere que “a água não é um produto comercial como outro qualquer, mas um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal”. 

Mas a água não tem apenas as dimensões de bem económico e de bem social e cultural. Como já foi referido a água desempenha um papel vital na biosfera, tanto no que se refere à vida em terra como no mar. O direito à sustentabilidade dos ecossistemas, de que depende a nossa existência, é uma questão fundamental da nossa época. E à sustentabilidade dos sistemas aquáticos não pode deixar de se atribuir a prioridade máxima. Tal como se afirma na “Carta da Terra”, “a humanidade é parte de um vasto universo evolutivo, a Terra o nosso lar (…). A capacidade de recuperação da comunidade da vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera saudável, com todos os seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo…”.

Tal como admitimos maioritariamente que as florestas não podem ser geridas como simples armazéns de madeira, devemos também chegar a entender que os rios são muito mais que meros canais de água. E esta é a razão pela qual as legislações mais avançadas em matéria de água exigem passar das tradicionais abordagens baseadas na “gestão do recurso”, em que a água é considerada como um simples recurso produtivo, para os modernos enfoques da “gestão ecossistémica”.

É necessário conceptualizar e valorar a água não como um simples recurso produtivo, mas sim como um activo eco-social, onde a raiz “eco” exprime simultaneamente valores económicos e ecológicos” (DENCA 2004). A nova DQA, vigente na União Europeia, assume esta nova perspectiva. Recuperar o bom estado ecológico das águas, preocupação central da DQA, exige preservar a qualidade físico-química das águas e cuidar da saúde dos habitats. ”Um rio vivo, com a sua biodiversidade, assegura um ciclo natural de autodepuração e regeneração activo e eficiente. Nesta perspectiva, o princípio poluidor-pagador resulta insuficiente. É preciso desenvolver novas abordagens de prevenção da contaminação na fonte: resulta muito mais barato evitar a contaminação do que descontaminar” (DENCA 2004).  

E “na medida em que as águas doces continentais são uma chave essencial para a vida, tanto dos seres humanos como da natureza no seu conjunto, a gestão dos rios, lagos, zonas húmidas e aquíferos deve ser da responsabilidade das comunidades e das instituições públicas, locais, regionais, nacionais e internacionais, a fim de garantir uma gestão participativa, equitativa, e sustentável dos mesmos” (DENCA 2004).

3.2- De uma “política de oferta de água”, assente na construção de grandes obras hidráulicas, a uma “política de gestão da procura e de conservação de água”

O papel que a água e os ecossistema aquáticos  têm assumido ao longo das diferentes civilizações esteve sempre numa estreita dependência da forma como foi entendida a relação do homem com a natureza. A emergência do pensamento científico no final do século XVI instaurou nessa relação o paradigma do domínio. E foi essa concepção de domínio, com o recurso à ciência e à técnica como ferramentas ao serviço do homem, que se tornou a base do conceito e do modelo de desenvolvimento do século XX.

Hoje, na medida em que este modelo de desenvolvimento entrou em crise, o mesmo ocorreu com o princípio do domínio da natureza, O repto da ciência já não é tanto o domínio, mas o melhor conhecimento da ordem natural, com o objectivo de conseguir uma integração harmoniosa do nosso processo de desenvolvimento económico e social nessa ordem natural. A chave da transição para o novo princípio é a de passar do conceito de domínio para o conceito de “governo sábio e prudente”, à noção de sustentabilidade, respeitando os princípios éticos de equidade e respeito dos direitos das gerações futuras.

O princípio do domínio da natureza levou-nos a visões produtivistas na gestão da água. As estratégias predominantes de “oferta”, baseadas em grandes obras hidráulicas pagas com dinheiros públicos, conduziram a um uso irreflectido dos recursos, enquanto a visão individualista das águas subterrâneas levou a uma falta de racionalidade colectiva.

As grandes obras hidráulicas, construídas ao longo do século passado, trouxeram valiosas oportunidades de desenvolvimento económico e de melhoria nas condições de vida das pessoas. Contudo, com o decorrer do tempo, os actuais sistemas de gestão, encorajando o aumento das demandas de água, vêm exaurindo os ecossistemas.

Os principais problemas que vamos enfrentando podem ser agrupados sinteticamente da seguinte forma:

     - crise ecológica dos ecossistemas de água;

     - insustentabilidade na exploração de aquíferos;

     - problemas crescentes com a qualidade das águas;

     - ineficiências e irracionalidades económicas:

     - problemas do modelo de decisão: falta de transparência e de participação das populações.

Ora a estes problemas decorrentes das políticas até agora dominantes, somam-se agora os derivados das alterações climáticas, com a alteração progressiva do regime de precipitações no nosso país, ou seja, com menos água, com precipitações concentradas em períodos de tempo mais curtos, e com a ocorrência mais frequente e de maior gravidade dos fenómenos extremos - cheias e secas.

Uma Nova Culura da Água exige uma mudança das estratégias tradicionais de oferta para um novo paradigma, para uma estratégia de gestão da procura e de conservação da água. Priorizando a poupança de água, a melhoria da eficácia nas utilizações, a introdução de novas tecnologias, bem como, no que respeita às águas subterrâneas, uma visão mais integradora e sustentável.

Esta estratégia de conservação de água não se limita pois à preocupação com a utilização eficiente da água, muito embora, e como é evidente, incorpore e se preocupe com tal temática. Mas, e para além dessa importante questão, incorpora preocupações de poupança e reserva de água e de conservação dos ecossistemas. “Uma chave essencial desta nova cultura está em reconhecer e assumir os limites de sustentabilidade dos ecossistemas, pelo que as estratégias de gestão da procura passam a ser as ferramentas decisivas” (DENCA 2004).

No quadro actual das alterações climáticas a ocorrência de secas (ou de cheias) tem cada vez menos o carácter de evento excepcional e passará a ser cada vez mais frequente. E, por isso, é cada vez mais recomendável assegurar que mesmo nos “anos normais” se reduzam os consumos de água. Isso permitiria, em períodos de seca, minimizar os seus impactos, porque poderíamos mobilizar, nas albufeiras ou nos aquíferos, as reservas de água que teria sido possível acumular. 

É necessário adequar as utilizações das águas às disponibilidades existentes. Esta deve ser uma das principais metas estratégicas de uma política de gestão da água a longo prazo. É indispensável ter em conta que a evolução da procura de água não é algo que  e processe totalmente fora do controlo da vontade dos responsáveis políticos. Essa evolução da procura está condicionada, de certa maneira e dentro de certos limites, pelas opções e estratégias adoptadas pelos responsáveis pelas políticas ambientais e pelas políticas de desenvolvimento. O recurso a medidas “não estruturais”, em detrimento de uma óptica “construtivista”, é pois uma perspectiva que não pode deixar de ser adoptada. 

Pode-se perguntar como se operacionaliza esta estratégia. Ora o conceito de conservação da água pode ter diferentes significados para diferentes pessoas em diferentes contextos. Poderia interpretar-se, por exemplo, como a possibilidade de recorrer a recipientes para captar água das chuvas para usos domésticos, de fazer a recarga de aquíferos subterrâneos, em utilizar água de menor qualidade para usos compatíveis (como por exemplo a rega de jardins públicos e a limpeza de ruas, ou em circuitos de refrigeração em unidades industriais). Conservar a água é também promover a austeridade nos hábitos de utilização da água, evitando desperdícios, diminuindo consumos, cobrando a água com tarifas adequadas. É tirar partido da evolução da tecnologia, seja nos processos utilizados nas unidades industriais, seja privilegiando as máquinas de lavar roupa ou louça com baixos consumo nas utilizações domésticas. É escolher adequadamente os tipos de rega e melhorar a eficiência dos sistemas de rega utilizados na agricultura, é optar por espécies adaptadas às nossas condições climáticas e às disponibilidades de água. É dispor de normas e regulamentos novos ou actualizados. O campo da conservação de água pode ser tudo isto. Em resumo, a conservação da água é a optimização do seu uso.

3.3- Da política da água como “política sectorial” a “política transversal”

Como referem ESTEVAN e NAREDO 2006, a mudança atrás referida (a passagem de uma política tradicional de promoção de obras hidráulicas de oferta, para a promoção da economia e da ecologia da água, no quadro de uma nova cultura), na sua essência, é o câmbio de uma política da água com carácter de política sectorial para uma política com um carácter, primeiro, de política ambiental, e, posteriormente, de política territorial.

A política tradicional da água era, com efeito, uma política sectorial, escassamente distinta, nesse aspecto, da política mineira ou pesqueira, para dar exemplos característicos. Tratava-se de uma política extractiva, submetida a determinadas regulações administrativas, cuja gestão estava confiada, como é lógico, a um corpo técnico especializado, adequadamente capacitado para organizar a extracção e o transporte dos recursos até aos locais de utilização e, em certas ocasiões, a sua evacuação uma vez utilizados”.

“À medida que a sociedade tem vindo a valorizar cada vez mais a importância das questões ecológicas, e em particular neste caso da conservação dos ecossistemas aquáticos, a política da água foi adquirindo um carácter crescentemente ambiental”, “deixando para trás a sua origem estritamente sectorial”. “Mas o processo de horizontalização da política da água não acaba com a incorporação da sua dimensão ambiental. A influência que tem a política da água na definição do uso do solo e de ordenamento territorial e urbanístico é cada vez mais visível e relevante”. “A política da água vai ganhando cada vez mais um carácter de política territorial e adquirindo a transversalidade própria desse tipo de políticas”.

A água tem pois de ser considerada não depois de tomadas as decisões no quadro das políticas sectoriais, do ordenamento do território ou urbanístico, mas antes de tomadas essas decisões. A política da água não pode ter características de política reactiva, tantas vezes pela negativa. Mas (como enfatiza FERNANDES 2002) pelo contrário, tem de ser considerada de forma construtiva e antecipada, com a busca de soluções ambientalmente mais adequadas no quadro dos projectos em questão,. Os valores e condicionantes decorrentes da consideração da água como um “activo eco-social” têm de ser considerados em todos os domínios da decisão política e administrativa, com a mesma profundidade técnica e relevância valorativa que qualquer outro critério de decisão.

Como referem ESTEVAN e NAREDO 2006, “os interesses que tradicionalmente se têm movido em torno da água têm um compreensível empenho em manter a concepção da água como uma política sectorial, tratando de prolongar a perspectiva basicamente extractiva que caracteriza o sector”. E continuam a defender “a figura de Plano de Bacia Hidrográfica entendida como uma repartição dos recursos entre os utilizadores económicos da água, em detrimento do conceito de plano de gestão ambiental e territorial preconizado pela Directiva”. Convém ter consciência de que a renovação da política da água não vai ser fácil de implementar, dada a força que conservam os interesses tradicionalmente dominantes do sector. E por isso a participação social será sem dúvida um factor essencial para a viabilizar.

3.4- De um modelo de gestão pouco transparente a uma filosofia de promoção da participação cidadã 

Como acertadamente refere a DENCA, “assistimos a um complexo processo de globalização em que as instituições públicas se debilitam, se questionam as conquistas do Estado de Bem-estar (aliás relativamente incipiente em Portugal), cresce a desigualdade e parecem debilitar-se as bases e os princípios democráticos face aos grandes poderes económicos transnacionais e as leis do mercado. Neste contexto cresce a desconfiança cidadã, colocando sérios problemas de governabilidade. A percepção de que o poder real se solidifica em torno das grandes companhias transnacionais, por cima dos Governos e Parlamentos, põe em risco a confiança nas instituições democráticas”. 

É pois cada vez mais necessário garantir a nível nacional, e também a nível planetário, a existência de instituições que permitam garantir a governabilidade em domínios chave, como o da gestão das águas. Que tem de assentar num conceito de participação cidadã activa, entendida como participação pró-activa e não apenas re-activa. Em matéria de águas, uma agenda de progresso tem que reconhecer que é preciso dar a palavra a novos actores sociais, que já vêm intervindo nos últimos anos, mas que é necessário que se fortaleçam quer do ponto de vista quantitativo quer do ponto de vista qualitativo. E que são os movimentos ecologistas, as associações de beneficiários, as associações de utentes e consumidores, sindicatos, associações da carácter local, etc. Por outro lado “este repto de governabilidade, associado ao repto de assumir novas perspectivas de gestão sustentável a nível das bacias hidrográficas, exigem importantes reformas institucionais que garantam transparência, participação cidadã pró-activa e um trabalho de gestão interdisciplinar”.

Este é um domínio onde muito está por fazer aqui em Portugal. A chamada reforma de 2012 da Ministra Assunção Cristas da estrutura de gestão da água representou mais um passo na política de promoção de um “Estado Mínimo”, ou seja, de enfraquecimento e redução da administração pública e portanto da capacidade de intervenção do Estado neste caso num domínio tão crucial como é o da água. A extinção do Instituto da Água e a integração atrabiliária dos seus serviços na Agência Portuguesa do Ambiente, representou de facto um enorme passo à rectaguarda. Deixámos de ter uma Autoridade Nacional da Água com autoridade, competência e meios para intervir, e ficámos com as administrações de região hidrográfica (órgãos nucleares de uma estrutura de gestão das águas) quase paralisadas, sem capacidade de intervenção e autonomia. 

Com os problemas relativos à água que já hoje enfrentamos e com a perspectiva inexorável do seu agravamento progressivo com as alterações climáticas, ou seja, quando mais carecemos de recentrar o sistema de governabilidade com o reconhecimento do papel director que tem de caber ao Estado (e portanto à democracia), é quando estamos sem os instrumentos de intervenção que uma administração pública capaz, tecnicamente competente, transparente, participada e dotada da indispensável autoridade democrática teria que assegurar. Toda esta situação enfraquece obviamente a nossa capacidade de conhecer a realidade, de equacionar os problemas existentes, e de identificar e levar à prática as soluções adequadas para tais problemas. Isto enfraquece o “peso” que o sector das águas tem que ter para que a problemática das águas seja considerada no âmbito das políticas de desenvolvimento, sectoriais e territoriais. E , no que respeita à importantíssima questão das bacias hidrográficas luso-espanholas, esta situação debilita a nossa capacidade para dialogar, discutir e negociar com Espanha. 

É uma questão importantíssima para o presente e para o futuro do país, que estranhamente tem passado sem a denúncia pública que se impõe (com a honrosa excepção do Presidente da APDA, eng. Rui Godinho com a sua entrevista ao Público de 4 de Junho último). E sem que da parte do actual governo se conheça qualquer intenção de tomar as medidas que se impõem e sem que no debate político seja objecto por parte das forças da esquerda da atenção que indiscutivelmente merece. 

4- UMA NOVA ÉTICA NA GESTÃO DA ÁGUA: VALORES EM JOGO, DIREITOS E PRIORIDADES

Um dos pontos centrais da “Nova Cultura da Água” é a proposta de uma nova ética na gestão da água, que tenha em conta os valores em jogo, os direitos e as prioridades.

Pedro Arrojo defende que é indispensável discernir com clareza as funções da água, e estabelecer uma ordem clara de prioridades com base em critérios éticos, pelo que distingue os seguintes níveis: 

a água-vida, em funções de vida, que dizem respeito a direitos humanos individuais (o acesso à água potável, condição de vida e saúde) e colectivos (o direito das comunidades ao território e seus ecossistemas);

 a água-cidadania, em funções de serviço público ou de interesse geral, que dizem respeito a direitos sociais, tais como os relacionados com a saúde pública, a coesão social e a equidade;

 a água-negócio, em funções de negócios legítimos, que dizem respeito a direitos privados e individuais a melhorar o nível de riqueza e bem estar;

 a água-negócio, em funções de negócios ilegítimos, que devem ser combatidos por lei.

Cada uma destas funções respeita a direitos que se encontram em níveis qualitativos diferentes, que implicam prioridades diferenciadas, assim como critérios de gestão claramente diferentes. Não é a mesma coisa a utilização da água para beber e a utilização da água para produzir pasta de papel, energia ou para fins turísticos; e no âmbito das actividades produtivas não é a mesma coisa a água de que necessita um pequeno agricultor para cultivar a pequena horta que lhe permite sobreviver, ou a água de que necessita uma grande empresa agrícola nas suas actividades de agronegócio (agro-business). 

No que respeita às utilizações da água, é necessário pois distinguir o que são funções básicas de vida do que se deve considerar como usos económicos lícitos, mas de interesse particular ou privado. A água-vida, a água para a vida, em funções básicas de sobrevivência, tanto dos seres humanos (individual e colectivamente), como dos demais seres vivos na natureza, deve ser reconhecida como prioritária e garantida efectivamente na perspectiva dos direitos humanos. Quanto à água-cidadania, a relativa aos direitos sociais  de cidadania ao bem-estar e à coesão social, tem de ter prioridade sobre a água-negócio. 

Pedro Arrojo explicita, ainda, que mesmo a necessária racionalidade económica, que é necessário assumir urgentemente na gestão das águas-negócio (e estas correspondem, sem dúvida a mais de 60% das utilizações da água), não exige a introdução de mecanismos de livre mercado. Não se deve confundir racionalidade económica com introdução de mercados. Por exemplo, a recuperação de custos, referida na DQA, pode certamente ser obtida com critérios privatizadores, por intermédio do mercado. Mas pode também ser obtida com adequadas políticas tarifárias, que permitam gerir objectivos de equidade social ou interterritorial. 

Numa sessão que tem como tema central a preocupação com a escassez de água será interessante referir a recente entrevista do eng. Carlos Pimenta ao Público (22/082018), na qual manifesta a sua preocupação pelo facto de o Alentejo, que com as alterações climáticas na ultima década terá perdido um terço da água da chuva, estar a ser povoado com culturas superintensivas. Estaremos longe de uma situação exemplar (ou sequer aceitável) de gestão da procura e de conservação da água, antes pelo contrário. 

É conhecido que para parte do sector agrário, principalmente nas zonas com menor precipitação do sul do país, a reconversão de culturas de sequeiro para o regadio possibilita um aumento de rentabilidade significativo, viabiliza novas explorações agrícolas e, na perspectiva desse sector, representa a única possibilidade de garantir uma renovação geracional nessa actividade. Mas, de acordo com as conclusões de debates que a FNCA tem efectuado sobre esta temática, os efeitos desse modelo produtivista quer na esfera social (nas comunidades rurais) quer no domínio da sustentabilidade ambiental têm que ser avaliados e, ponderados. O regadio que se poderia considerar como sustentável em cada território não depende de um único factor limitante. O primeiro, e mais óbvio, é a quantidade de água que está (e que virá a estar...) disponível , mas existem outros factores limitantes que apontam para a existência de uma certa “capacidade de carga” de um território em relação com o regadio máximo sustentável, bem como os impactos derivados da ocupação do território, os impactos ambientais gerados pelo regadio e outros factores da carácter socio-económico.

Sabendo que a agricultura é a principal utilizadora da água disponível em Portugal, será de lançar uma série de questões:

- Que políticas temos neste domínio em Portugal? Para onde caminhamos?

- A albufeira da barragem do Alqueva, construída com dinheiros públicos, é considerada como uma reserva estratégica de água, de grande importância para o país. Como se estão a gerir as suas águas? O que é que se está a cultivar nas zonas regadas? Culturas adaptadas às nossas condições climáticas? Ou culturas forçadas, com padrões de alto consumo de água, certamente com aumentos interessantes de produção mas em certos casos até com efeitos na diminuição de qualidade dos produtos produzidos e do seu valor? Que fertilizantes estão a ser utilizados e qual a sua influência na qualidades das águas, tendo até em conta que as zonas regadas no Alqueva estão a montante da barragem?

- E noutras bacias hidrográficas, como as do Tejo ou do Douro, confirma-se (ou não) que mais culturas intensivas estão a ser introduzidas, ou vão ser introduzidas, mesmo no quadro que é conhecido de alteração do nosso regime de precipitações? Está assegurada a sustentabilidade dessas utilizações quer do ponto de vista quantitativo quer no que respeita ao bom estado ecológico das águas?

Será útil referir que a Nova Cultura da Água nos pode ajudar, do ponto de vista conceptual, a lidar com a complexa problemática dos regadios, classificando como água-vida, água-cidadania ou água-negócio a água utilizada em diferentes tipos de regadio, o que implica que lhes sejam atribuídas prioridades diferenciadas, assim como aplicados critérios de gestão claramente diferentes. De facto a DENCA aponta para que não se deveria considerar o regadio como uma actividade de interesse geral (a que corresponderia uma utilização de água-cidadania, com os correspondentes direitos e  prioridade) sem analisar previamente o modelo de exploração que esteja em causa ou os impactos ambientais originados:

a) “As hortas tradicionais que servem de sustento básico a comunidades rurais, especialmente em países empobrecidos, podem e devem considerar-se como usos-vida, ligados a direitos humanos colectivos ou individuais nessas comunidades”. 

b) “Em países como os da UE, boa parte das explorações familiares podem chegar a considerar-se como geradoras de valores de interesse geral, sob adequadas medidas de eco-condicionalidade”, (podendo então considerar-se como estando no âmbito da água-cidadania). “Mas isso não deve implicar a tradicional subvenção massiva da água que hoje incentiva a ineficiência na rega, mas sim outras medidas da apoio económico que incentivem boas práticas”. 

c) Mas já relativamente à água utilizada nas actividades do agro-negócio (agro-business) ela não pode deixar de ser catalogada como água-negócio e tem de merecer a atenção dos responsáveis públicos pela gestão da água, introduzindo regras (como a da não subsidiação das tarifas) que imponham o princípio da racionalidade económica na sua utilização e, sempre que adequado e necessário, restrições que garantam o respeito do princípio da sustentabilidade e o bom estado ecológico dos rios. Há que ter em conta que o agronegócio em muitos casos provoca graves impactos ambientais e é portador de escassos valores de articulação social do meio rural, e que representa já uma percentagem crescente da produção agrária e em particular do regadio.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para terminar, acentuaria que os impactos previsíveis das alterações climáticas nos recursos hídricos tenderão a agravar fortemente, em tantas regiões do nosso planeta, muitos dos problemas com que já se defrontam no domínio da água. Em Portugal a água passará a ser um bem ainda mais escasso e mais precioso do que o é actualmente. Torna-se mais evidente a crise dos princípios e dos modelos de gestão da água predominantes no século passado, não só para enfrentar as necessidades actuais mas, sobretudo, para responder aos desafios do futuro. Já não basta voltar a “fazer mais do mesmo”.

Conforme aponta muito justamente Esteban Castro, pode dizer-se que as transformações introduzidas, a partir da década de oitenta, no domínio da gestão dos recursos naturais e dos serviços públicos essenciais (especialmente mediante as políticas de desregulação, liberalização e privatização) têm a intenção de descentrar o sistema de governabilidade tradicionalmente fundado sobre a premissa do papel director do Estado e de recentrá-lo sobre a base dos princípios do livre mercado. Isto implica, por sua vez, uma reformulação das finalidades e dos valores que orientam o desenvolvimento social, bem como dos sistemas institucionais e de poder envolvidos na prossecução de tais finalidades. Ora não é este o caminho que interessa trilhar.

Permitam-me para terminar que volte ao tema proposto para este painel: “Como evitar o dia em que a água deixe de correr nas torneiras?” ou, mais genericamente, “Como evitar o dia em que a água deixe de ser suficiente para satisfazer as nossas necessidades (quer do ponto de vista quantitativo quer qualitativo)?”. Defendo, em síntese, que para assumir este desafio de encontrar uma resposta à crise que já atravessamos e aos novos problemas que irão resultar das alterações climáticas, é necessário passar do plano puramente técnico para o plano dos valores, da concepção da natureza, dos princípios éticos, dos estilos de vida, ou seja, para o plano da política. Em meu entender existe a necessidade de uma mudança cultural, de uma “Nova Cultura da Água”, que seja expressão de uma Nova Cultura de Sustentabilidade. De uma nova perspectiva política, que conceptualiza e valora a água não como um simples recurso produtivo, mas sim como um activo eco-social. Que defende uma gestão da água mais focada na sustentabilidade ambiental, na conservação da água e na gestão da procura, na transparência e na participação cidadã. E que reconhece expressamente que a água desempenha funções de natureza económica, ambiental e social que são garantia de direitos do homem, nomeadamente do “direito à água”.

É necessário e urgente colocar estes temas na agenda política, dar-lhes centralidade política. É que, como nos recorda o teólogo brasileiro Leonardo Boff, “Quem controla a água controla a vida e quem controla a vida tem o poder”.

BIBLIOGRAFIA

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PETRELLA, Riccardo 2018 – “Água: 27 teses subversivas”, (https://outraspalavras.net/posts/agua-as-27-teses-subversivas) 

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VARGAS, Ramón e PIÑEYRO, Nidia 2005 – “ El hidroscopio”, Serie Manuales de Educación y Capacitación Ambiental, México, PNUMA 2005  (ISBN 968-7913-30-4)   

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