Escravatura e tráfico humano – mais vale prevenir…

“A noite de ontem foi melhor do que as anteriores para os 23 nepaleses que o SEF resgatou em Almeirim, em estufas de morangos. Dormiram em casas de abrigo onde lhes foi devolvido o estatuto de pessoas que lhes fora negado pelos traficantes que os trouxeram para Portugal”. Por Alberto Matos, que estará no Fórum Socialismo 2018, que se realiza no primeiro fim de semana de setembro na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria.

28 de agosto 2018 - 10:35
PARTILHAR
Fotografia: Pedro Soares

O artigo que publiquei, em 15/07/2016, no Esquerda.Net começava com esta citação do Editorial do “Diário de Notícias” de 6 de Julho, assinado por Ana Sousa Dias e coincidente no essencial da argumentação com o artigo “Trabalho escravo não é força de expressão” por mim assinado, em Fevereiro do mesmo ano, no blogue “A Contradição”.

Traficantes. Não há outra designação para gente que trafica pessoas em condições de escravatura. Segundo a ONU, “no final de 2015 calculava-se em 21 milhões o número global de vítimas de trabalho escravo a nível mundial; todos os anos 2,4 milhões são apanhados por redes de tráfico, em grande parte para exploração laboral.”

Passada a exposição mediática deste e outros casos, sempre apresentados como “excepcionais”, a dura realidade persiste. É o amargo “pão nosso de cada dia” de milhares de imigrantes privados/as do direito de ser gente, sem documentos e explorados/as até à medula em olivais, estufas, matas e vacarias, nas obras ou agrilhoados/as pelas redes de prostituição.

Mesmo quando esta realidade é aflorada na comunicação social, é preciso ver para além da superfície: o SEF, aqui apresentado como libertador de vítimas de tráfico humano – posso testemunhar a abnegação e a coragem dalguns agentes envolvidos nestas operações – é em larga medida responsável pelo alastramento deste fenómeno, enquanto instrumento das políticas migratórias erradas e desumanas praticadas em Portugal e na Europa. A crise dos refugiados é a ponta do iceberg, ou melhor, da vala comum do Sahara, do Mediterrâneo e do Atlântico, das Canárias e ainda além do Bojador…

O Despacho do SEF 7/2016, de 21 de Março, por exemplo, remeteu para a clandestinidade cerca de 30 mil imigrantes que vivem e trabalham em Portugal e de boa fé tinham requerido Autorização de Residência. Este Despacho, a par dos entraves da Segurança Social à inscrição de novos imigrantes, estiveram na mira das grandes manifestações de imigrantes que têm percorrido as ruas de Lisboa e frente ao parlamento, exigindo “Nem menos, nem mais, direitos iguais”.

Não aceitámos as promessas de “reapreciações casuísticas”, batemo-nos pela limitação do poder discricionário do SEF através de alterações cirúrgicas aos artigos 88 e 89 da Lei de Imigração, plasmadas na plasmada na Lei 59/2017 que veio transformar um “procedimento excecional e oficioso” num processo regular de requerimento e concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional, como consta da exposição de motivos do Projeto de Lei 264/XIII do Bloco de Esquerda que lhe deu origem.

Bem podem (e devem) o SEF e outras polícias multiplicar as suas intervenções. Mas, por cada porta que fecham à regularização dos imigrantes – a primeira etapa de acesso à cidadania – abrem-se mil janelas de oportunidade para os traficantes de carne humana. Quem semeia clandestinos arrisca-se a colher escravos.

Mais importante do que combater a jusante o tráfico humano e a moderna escravatura, é atuar a montante destes fenómenos. Como diz a sabedoria popular, mais vale prevenir…

Este artigo, escrito há dois anos, terminava com uma boa notícia: o agendamento da votação final do Projeto de Lei n.º 55/XIII do Bloco de Esquerda que “combate o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral”, chumbado em 2015 ano pela velha maioria PSD/CDS. Este diploma, convertido em Lei 28/2016, de 23 de Agosto, veio responsabilizar toda a cadeia de contratação envolvida neste tipo de crimes, desde o mais pequeno engajador de mão-de-obra até ao dono da terra ou da obra, afinal os principais beneficiários dos esquemas de sobreexploração.

Apesar destas alterações legislativas positivas que estiveram na origem da demissão da Diretora Nacional do SEF, autora do famigerado Despacho 7/2016, os fautores e beneficiários do trabalho escravo não desarmam. O essencial do combate continua a decidir-se dia a dia, no terreno de luta dos imigrantes e das suas associações representativas.

Ou não fosse o trabalho escravo uma forma extremada de luta de classes entre o capital financeiro, SA e as camadas mais precárias e exploradas do proletariado, migrantes de todas as cores, origens e destinos…

Termos relacionados: Fórum Socialismo 2018