Novos modelos de resposta ao desafio dos cuidados: a co-habitação/co-housing 

O movimento co-housing, como o conhecemos atualmente, surgiu na Dinamarca no final dos anos 60, tendo, mais tarde, sido adaptado noutros países. Artigo de Conceição Nogueira.

09 de janeiro 2022 - 15:42
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Habitação de co-housing na Dinamarca. Fotografia: Wiki Commons

Neste artigo aborda-se um modelo habitacional alternativo que pode fornecer algumas pistas para pensar os cuidados necessários a populações heterogéneas, mas que, de uma forma ou de outra, partilham características que as tornam mais vulneráveis. Falamos de habitação colaborativa ou co-housing [1].

A literatura existente sobre estes modelos caracteriza-se por um certo grau de ambiguidade. Porém, parece existir consenso numa definição que refira uma forma de vida em comunidade que permita, ao mesmo tempo, a existência de espaços privados e independentes com a existência de espaços comunitários, instalações e atividades comuns. Os seus membros estarem conscientemente comprometidos com a convivência em comunidade, assumindo a responsabilidade dessa vivência em todos os aspectos, parece ser fulcral. Contudo, existem outras configurações menos consensuais no que toca à definição e à prática em projetos já implementados, conquanto considere essenciais quando se pensam cuidados e se pretende um modelo habitacional alternativo deveras emancipador. Falo, por exemplo, nas cooperativas (desejavelmente pensadas e concebidas com a participação dos seus futuros habitantes, que partilham entre si um conjunto de valores e/ou interesses) em regime de autogestão na definição das políticas de gestão dos espaços e da vida quotidiana que incluam serviços de cuidados mais ou menos formais. 

O movimento co-housing, como o conhecemos atualmente, surgiu na Dinamarca no final dos anos 60, tendo, mais tarde, sido adaptado noutros países. Este conceito buscava reestabelecer vantagens de comunidades tradicionais, adaptando características para o contexto de vida da época e tendo como influência visões utópicas e libertárias que se constituíram em contracorrente ao modo de viver baseado:
a) na unidade habitacional fechada e independente;
b) na esfera privada, totalmente desfasada e afastada da esfera pública, lugar onde todos os cuidados (realizados sobretudo por mulheres) se podiam e eram expectáveis realizar. 

Este surgimento em meados dos anos 60/70 foi, em grande parte, impulsionado por jovens que enfrentavam dificuldades no arrendamento de habitação, que não desejavam viver afastados da vida urbana e que partilhavam ideais revolucionários a proliferarem por quase toda a Europa. Ao ocupar edifícios abandonados, de forma legal ou, inclusive, ilegal, tais movimentos geraram comunidades baseadas nos novos ideais surgidos pós-protestos e dotados de liberdade individual e de características de auto governança participativa.

Em tempos mais recentes, os modelos de habitação coletiva ressurgiram nos EUA, na Europa, na Austrália, na Nova Zelândia e no Japão, tendo esta reemergência sido associada a um crescente desejo de construção de sentido de pertença, de experimentação de uma maior ligação à comunidade e/ou de uma rejeição crescente dos padrões de consumo dominantes.  Além disso, tem sido impulsionada não só pela falta de habitação acessível e pelas más condições de arrendamento, mas, também, como solução habitacional para o número crescente e exponencial de pessoas mais velhas que não desejam nem necessitam de cuidados formais contínuos ou intensivos (estruturas residenciais). Todavia, este viver solitário em apartamentos isolados da comunidade é, claramente, prejudicial à vida com saúde física e mental, à convivência ativa na vida pública e ao gozo de uma vida e de um envelhecimento ativo, ativista e transgressor. 

Contrariando todos os estereótipos, as pessoas mais velhas são o grupo etário mais heterógeno que existe. As diferentes pertenças de sexo, género, raça, classe social, orientação sexual, funcionalidade, saúde e, mesmo, de religião, aliadas aos anos de vida vividos, trazem à experiência do envelhecimento uma complexidade para a qual um único modelo de cuidado ou de soluções de apoio serão, claramente, insuficientes. Mas, pensar modelos habitacionais quando se fala em pessoas mais velhas, não representa, necessariamente, imaginar espaços de gente velha, a co-habitar com pessoas velhas, ou seja, estruturas pensadas por não-velhos e desenhadas sem a sua participação.

São, pois, possíveis modelos habitacionais, onde a diversidade de populações esteja no centro e que todas essas pessoas possam, de alguma forma, ganhar em termos de cuidados. Espaços habitacionais alternativos podem implicar espaços de convívio e partilha intergeracional nos diferentes modos de vida. Famílias jovens com crianças pequenas, pessoas LGBTI, mais velhas ou com diversidade funcional em vidas independentes podem, e devem,  partilhar um modo de vida de apoio mútuo que reduza a solidão e o peso da vida sem suporte social ou familiar e aumente a saúde e o bem-estar de todas as pessoas envolvidas.
 
Não sendo uma solução, isenta de problemas relacionais, para todas as pessoas, tão-pouco a última linha nos cuidados, viver deste modo em comunidade é, contudo, uma alternativa que pode, e deve, ser explorada e apoiada politicamente. 

Conceição Nogueira é doutorada em Psicologia Social e é professora associada com agregação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Nota:
[1] Distinto do termo recente de co-living, tal como foi recentemente avançado por arquitetos/as (alguns/mas bem-intencionados) que, em colaboração com investidores e promotores imobiliários em todo o mundo e sob a égide da moda de “habitação alternativa”, acabam por esquecer premissas básicas como a co-propriedade e a co-participação na gestão dos espaços ou na ausência de valores partilhados que permita a construção de um espírito de comunidade.

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