Negacionismo, uma pandemia?

O conceito não se tornou tão viral quanto a pandemia, mas esteve nas bocas do mundo. A desinformação a que se refere espalhou-se tanto que foi chamada de infodemia. Olhamos para os negócios, para alguns dos protagonismos, para as formas como se dissemina. Dossier organizado por Carlos Carujo.

16 de maio 2021 - 22:07
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A pandemia foi acompanhada pelo que foi chamado uma infodemia, a desinformação tornou-se viral. Da origem da Covid-19, à sua gravidade, às formas de a combater, as teorias da conspiração ganharam proporções inéditas.

Um destes fenómenos foi o negacionismo do novo coronavírus que se esforçou por defender que não havia pandemia ou que a doença não era grave ou que não era causada pelo vírus. Aproveitou-se do medo, da ansiedade, dos problemas económicos, da frustração do confinamento.

Este termo, negacionismo, foi cunhado para designar aqueles que negam a realidade histórica do Holocausto. Cresceu depois para designar acontecimentos históricos e evidências científicas negadas por franjas da população que parecem operar de forma semelhante.

Luisa Martín Rojo e Ángela Delgado explicam uma das suas facetas: são movimentos conservadores, retrógrados que utilizam a suspeita e que fingem ser anti-sistema para defender no fundo o sistema.

Ernesto Perini Santos preocupa-se não só com quem produz as teorias e notícias falsas e os negacionismos mas também com quem atacam, como as universidades e outros centros produtores de conhecimento, e quem a elas adere, perguntando-se o que faz com que as pessoas adiram a ideias implausíveis e como elas se espalham como se de uma epidemia se tratasse.

Nicolas Guilhot explica que a transmissão de teorias conspiratórias em tempo de pandemia não é novidade. Um sentido de “apocalipse iminente” alimenta-as. Ainda para mais quando “a cultura política dos últimos 50 anos falhou em oferecer à vasta maioria das pessoas um sentido do seu valor e em protegê-las contra o risco existencial de perderem os seus meios de subsistência”.

Por sua vez, Caitlín Doherty questiona se será uma estratégia útil enquadrar a resistência a temas específicos como parte dessa categoria mais ampla que é o negacionismo. Fá-lo em particular sobre as pessoas que têm hesitações acerca das vacinas. Para lidar com este ceticismo, é preciso bem mais do que descartar as suas ideias como irracionais. É preciso quer “um engajamento genuíno com a dúvida e a incerteza que é também os dos princípios fundamentais do método científico”, quer responder às questões que colocam sobre as farmacêuticas e a ciência comercialmente orientada.

Luís Leiria recorda a história de outro negacionismo, o do VIH/SIDA, hoje praticamente inexistente, para lembrar que os argumentos dos atuais negacionistas da Covid nem sequer são originais.

Outro negacionismo mais recente é o das alterações climáticas. Alexandre Araújo Costa considera-o “um produto de laboratório de corporações e think tanks que há mais de 20 anos mimetizaram a estratégia da indústria do tabaco, que sabotou por um longo tempo as medidas de restrição”.

Neste dossier, olhamos ainda para as ligações entre negacionistas da Covid e negacionistas climáticos: muitos dos mais famosos negacionistas climáticos militam agora no negacionismo da Covid.

Outra vertente que abordamos no dossier são os negócios à volta da desinformação. O “negocionismo” é uma viagem à volta do negócio das mentiras a três tempos. Olhamos em primeiro lugar para alguns dos interesses de negócios, de Estados, de “empreendedores políticos” e teóricos da conspiração que passam pela venda de curas, merchandising, filmes, livros e por páginas de notícias falsas, redes sociais e plataformas de crowdfunding.

Olhamos em segundo lugar, para dois casos particulares de desinformação sobre a Covid: a teoria do 5G e os anti-vacinas, uma conspiração antiga e uma nova que ganharam novo fôlego em contexto pandémico e que também são um negócio.

Em terceiro lugar, prestamos atenção a como o negacionismo se aproveitou de frustrações e problemas económicos causados pelos confinamentos para sair à rua através de dois casos, o britânico e o alemão, onde as manifestações chegaram a ter dezenas de milhares de pessoas. “Pensadores laterais” e teóricos da conspiração trabalham também no seu interesse económico. Com a extrema-direita sempre por perto.

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