Negacionismo das alterações climáticas, negacionismo da Covid, a mesma luta?

Nem todos os negacionistas da Covid são negacionistas climáticos. Mas muitos dos mais famosos negacionistas climáticos tornaram-se agora negacionistas da Covid. A mesma desconfiança da ciência, as mesmas temáticas conspirativas, às vezes os mesmos inimigos surgem nas suas narrativas. E os mesmos interesses.

16 de maio 2021 - 22:04
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Manifestantes do movimento Reopen America. Maio de 2020. Foto @SurrealSage/Twitter.
Manifestantes do movimento Reopen America. Maio de 2020. Foto @SurrealSage/Twitter.

Nos Estados Unidos, fundações, thinks tanks, grupos conservadores e ultra-liberais que promoveram as teorias negacionistas das alterações climáticas abraçaram recentemente o negacionismo da Covid. É bem conhecido o seu financiamento por várias das empresas da área dos combustíveis fósseis e outros grandes capitalistas. O mesmo caminho de inúmeros indivíduos: políticos, jornalistas, comentadores políticos, bloggers, influencers, etc. São sobretudo apoiantes de Trump e alguns, para além destes dois negacionismos, são também adeptos de outras teorias da conspiração. Entre a sofisticação e a simplificação, muitas vezes encontram-se temas decalcados uns dos outros.

A “sobreposição” de negacionismos

O grupo DeSmog, uma organização não-governamental que procura “limpar a poluição das Relações Públicas que nubla a ciência e as soluções para as alterações climáticas”, dedicou-se a fazer extensas listas que apresentam provas de como muitas das figuras-chave do movimento negacionista das alterações climáticas se juntaram ao negacionismo da Covid. Há listas de teóricos da conspiração, de defensores das indústrias fósseis, de promotores de curas alternativas para o novo coronavírus e de opositores do confinamento, por exemplo, centradas nos EUA mas também olhando para o Reino Unido. Para além de indivíduos, também várias organizações e alguns dos interesses que se escondem por detrás delas são citados.

Para o DeSmog, “a máquina de negação da ciência climática criada pela indústria dos combustíveis fósseis é agora uma fonte importante de desinformação sobre a Covid-19.” Os ambientalistas alegam que “os negacionistas empregam as mesmas táticas que usaram para atacar os cientistas do clima e atrasar ação para minimizar a gravidade do surto de coronavírus e semear desconfiança nos esforços de reposta de governos, cientistas e comunidade médica – com consequências mortais que estão a desenrolar-se ante os nossos olhos”. E considera-os “operacionais perigosos que trabalham espalhando todo o tipo de dúvidas e enganos para confundir o público”.

Um dos artigos mostra, por exemplo, que organizações financiadas pelas indústrias Koch passaram a atacar o confinamento e a participar na organização de protestos contra ele. Outro revela em detalhe como o “Michigan Freedom Fund” e a “Michigan Conservative Coalition” foram instrumentais nas manifestações contra o confinamento decretado pela governadora democrata Gretchen Whitmer e que deram o pontapé de saída para o movimento. O primeiro grupo recebe financiamento da família DeVos, notáveis do Partido Republicano, tendo Betsy DeVos sido Secretária da Educação de Trump. O “Mackinac Center”que também promoveu os protestos faz parte do State Policy Network (SPN), rede de think tanks de nível local ultra-conservadores que, para além da família Koch, recebem dinheiro da família DeVos e da Mercer. Estes organismos são conhecidos difusores de visões do mundo negacionistas das alterações climáticas. O SPN escrevia num relatório em 2010 que o planeta afinal estava a passar por um arrefecimento global e não um aquecimento global manifestando-se contra as medidas de combate às alterações climáticas em nome do mercado livre.

No Idaho, um papel semelhante foi assumido pela Idaho Freedom Foundation também parte do SPN e igualmente conhecida negacionista que defende que “a ciência não se decidiu” ainda sobre a matéria. Muitos outras mobilizações nos EUA podem ser ligadas a este tipo de instituições.

Outro exemplo apresentado é o de vários think-tanks neoliberais como o Manhattan Institute for Policy Research, o Competitive Enterprise Institute e o Heartland Institute. Este último foi um dos instigadores do movimento ultra-conservador Tea Party e é consideradi uma das forças motrizes do negacionismo das alterações climáticas nos EUA. O seu diretor de comunicações, Jim Lakely, disse no início da pandemia tratar-se apenas de uma gripe e que “o pânico é definitivamente mais perigoso que esta gripe”, sublinhando os estragos económicos causados.

O instituto é financiado por várias empresas. Um dos grupos económicos que o financiaram é a petrolífera ExxonMobil que em 2008, perante a pressão ambientalista, acabou por se distanciar da organização. Outro, nos anos 1990, era a tabaqueira Philip Morris, uma vez que outra das facetas da Heartland era questionar a ligação entre tabaco e cancro e opor-se às leis que restringem o seu acesso. Os irmãos Koch também fazem parte da lista de doadores.

O negacionismo das alterações climáticas abriu caminho ao negacionismo da Covid

David Hasemyer e Neela Banerjee, no Inside Climate News, também sublinham quer o papel do Heartland Institute quer “a sobreposição entre as comunidades que minimizaram a pandemia e as que negam as alterações climáticas provocadas pelos seres humanos”. Mas realçam sobretudo como o negacionismo das alterações climáticas com a sua crítica da ciência desbravou o caminho deste novo negacionismo: “Depois da indústria dos combustíveis fósseis ter gasto centenas de milhões de dólares a atacar os cientistas do clima e a acentuar uma suposta incerteza da ciência do clima, não é difícil compreender” como este se impôs.

Os mesmo padrões, as mesmas ideias

Há também quem vinque que ambos seguem o mesmo padrão. Naomi Oreskes, historiadora norte-americana da ciência explica-o, em declarações à revista Wired: “primeiro, nega-se o problema, depois nega-se a sua gravidade e depois diz-se que é demasiado difícil ou caro para resolver e/ou que a solução apresentada ameaça a nossa liberdade.” “Fases” que não são lineares.

Já Amanda Marcotte, redatora-senior de política do Salon, utiliza o exemplo de dois jornalistas da Fox News adeptos de Donald Trump para mostrar como o seu discurso sobre ambas as matérias é decalcado. Em setembro de 2019, Laura Ingraham acusava os jovens que lutam contra as alterações climáticas de pertencerem a uma conspiração que pretenderia controlar “a nossa economia, a nossa forma de vida, a nossa forma de nos transportarmos, quantas crianças queremos ter”; em maio de 2020, a sua preocupação era o uso de máscaras faciais que serviria para “controlar amplas populações”, o que seria “alcançado através do medo e da intimidação e da supressão do pensamento livre.” A jornalista da televisão ultra-conservadora explicava ainda: “vão dizer que toda esta coisa das máscaras é ciência certa, tal como fizeram com as alterações climáticas”.

Com ainda mais visibilidade pública, Tucker Carlson dizia em setembro de 2010 algo parecido sobre as greves climáticas: não “eram sobre o ambiente” mas um esquema esquerdista inventado para criar “uma emergência que seja grande o suficiente para justificar tomar mais poder”. Meses depois era já a transmissibilidade e perigosidade que estavam a ser exageradas por pessoas sedentas de “poder” de forma a colocar os americanos às suas “ordens”.

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