Está aqui
Mais habitação social: imprescindível, mais que nunca

Em Portugal a oferta de habitação social não é suficiente.
É esta a conclusão do relatório do Comité Europeu dos Direitos Sociais do Conselho da Europa, recentemente publicado. Embora o relatório não tenha ainda em conta legislação mais recente, como o 1º Direito (para o qual o BE deu o principal impulso), fica claro que a situação no nosso país não respeita, entre outros, o artigo 31º da Carta Social Europeia que o Estado português se comprometeu a cumprir, há quase 18 anos.
Não é novidade esta constatação por instituições internacionais da escassez de habitação social em Portugal. Na verdade, mesmo após a baixa significativa do investimento público nos países da UE na construção de novos alojamentos (a parte da despesa pública consagrada ao alojamento passou de 40 mil milhões a 27 mil milhões de euros entre 2007 e 2016), a proporção de habitação social no conjunto de todos os alojamentos representa 30% na Holanda, seguida da Áustria com 24%, Dinamarca com 20%, Suécia com 19%, França com 17% (State of Housing in the UE 2019).
Já o parque habitacional público em Portugal é escandalosamente exíguo, existem 1.157 fogos de habitação social por 100.000 habitantes. São cerca de 120.000 fogos, apenas 2% dos quase 6 milhões de alojamentos existentes em todo o país. Destas 120.000 habitações sociais, cerca de 100.000 fogos são propriedade dos municípios e outros 12.000 são ainda geridos pelo IHRU.
Se a comparação entre os 28 Estados da UE coloca Portugal entre os 6 países com menor quota de habitação social (inferior a 2,5%), então se avançarmos para uma análise mais fina, a nível de cidades, as diferenças são também expressivas. Linz (Austria) tem mais de 50% de fogos sociais no conjunto do parque habitacional, Roterdão tem 44%, Viena tem 43%, Amsterdam tem 42%, Haia tem 31% e em Manchester 30% dos alojamentos são habitação social. E se focarmos, a título de exemplo, cidades da França com população entre 400.000 e 800.000 habitantes (Toulouse, Lyon e Marselha), todas têm mais de 18% de alojamentos sociais. Aliás para os municípios franceses com mais de 3.500 habitantes, o artigo 55º da lei SRU (Solidariedade e Renovação Urbana) impõe desde 2000 uma meta de 20%, alargada em 2013 para 25% de alojamentos sociais no conjunto do parque habitacional. A cidade de Paris colocou até como objectivo habitacional alcançar 30% de alojamentos de iniciativa pública em 2030.
Estes números sobre o alojamento social em cidades europeias mostram como são completamente erradas as ideias que ainda persistem na sociedade portuguesa contra a habitação social, entendida por alguns como habitação “para os mais pobres”, “sem qualidade”, em vez de assumirem a definição da própria OCDE (Divisão de Política Social): habitação social é a que é disponibilizada com duas condições - 1) com rendas abaixo do mercado e 2) com regras específicas de atribuição, fora dos mecanismos de mercado.
As políticas neoliberais na UE têm vindo a reduzir o parque habitacional público nos diversos países, também pela privatização e consequente venda de milhares de fogos a fundos imobiliários. Cada vez mais pessoas, mesmo as que trabalham, não conseguem pagar uma habitação adequada. Em 2017, quase 16% da população da UE vivia em fogos sobrelotados e segundo números da FEANTSA, haverá quase 9 milhões de agregados familiares na Europa sem alojamento digno.
O brutal aumento das rendas habitacionais, o negócio do “alojamento local” e a expulsão de muitas famílias dos centros das cidades, situações que se agravaram nos últimos anos, vieram tornar ainda mais imprescindível a disponibilização pelos poderes públicos, incluindo os municípios, de milhares de habitações sociais. Não apenas para o realojamento das 25.762 famílias indicadas pelas Câmaras no inquérito realizado pelo IHRU, mas também para fornecer habitação a muitas outras pessoas, cuja indicação não foi abrangida pelos apertados critérios daquele inquérito. E ainda para, através de oferta pública, combater a ganância dos senhorios e a especulação imobiliária. E sobretudo, para dar satisfação ao artigo 65º da Constituição o qual, contrariamente à leitura enviesada de muitos autarcas, nunca deixou, nas suas diversas formulações após 1976, de atribuir aos municípios responsabilidades próprias na disponibilização de habitações sociais.
Para alcançar estes objectivos, com a urgência que se impõe, acabe-se com o monopólio privado da oferta de habitação e com o abuso que isso representa para milhares de famílias necessitadas. Aos municípios, que após a elaboração e aprovação das Estratégias Locais de Habitação podem ter acesso a comparticipações financeiras não-reembolsáveis e à bonificação da taxa de juro de empréstimos contraídos para a promoção de diversas soluções habitacionais (como a reabilitação, construção e aquisição de fracções ou prédios habitacionais, arrendamento de habitações para subarrendamento, aquisição de terrenos para construção habitacional, construção de prédios, etc.), impõe-se também que usem os supéravites das contas municipais.
E há também que lançar mão de todos os instrumentos legais e financeiros disponíveis. Atribuam-se adequadas verbas específicas nos próximos orçamentos do Estado e dê-se concretização ao Decreto-Lei nº 37/2018 de 4 de Junho que prevê a disponibilização, a quem delas necessite, de mais 170.000 habitações sociais até 2025. Como apontam os dados de março de 2020 do Comité Europeu dos Direitos Sociais, todas e todos temos que ser mais exigentes com os decisores públicos!
Adicionar novo comentário