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Habitação em Lisboa: um problema coletivo

Os tempos de incerteza que vivemos só reforçam a ideia de que a habitação será o grande problema do país nas próximas décadas. A especulação imobiliária instalou-se, beneficiou dos louvores de quem não sabe o que é turismo a mais e de quem acredita, ainda hoje, que há uma cidade para habitação e outra para o negócio. A previsível crise financeira demonstrará a fragilidade desta forma de pensar a cidade que escolhe o negócio em detrimento dos direitos.
Em Lisboa, a luta pela procura de uma casa para comprar ou arrendar é sempre uma frustração: nem é possível pagar aquilo que o mercado exige, nem há garantia de permanência na casa onde vivemos.
Recentemente, um estudo da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) deixou claro que é mais difícil arrendar casa em Lisboa do que em Berlim ou Barcelona. Este estudo demonstra que nas três cidades a taxa de esforço de referência de 30% foi ultrapassada. Em Berlim é de 40% e em Barcelona é de 45%. Mas, no caso de Lisboa, aquele valor limite é praticamente duplicado e chega aos 58%. Os números falam por si.
As respostas do executivo do Partido Socialista na Câmara Municipal de Lisboa têm sido insuficientes. Planear e executar políticas de habitação reativas - e não de antecipação – é, como veremos, um erro. E quais são esses instrumentos de resposta aos problemas habitacionais existentes na cidade?
- O programa de arrendamento apoiado destina-se a responder às necessidades da população com mais baixos rendimentos. Portanto, casas que são disponibilizadas em bairros sociais da cidade, geridos pela empresa municipal Gebalis.
- O subsídio municipal de arrendamento a agregados que tenham arrendado ou pretendam arrendar uma habitação em Lisboa, sem rendas em atraso.
- O programa de Renda Acessível, criado em 2017, tentou responder à classe média que não consegue viver em Lisboa, através de uma política de promoção de arrendamentos a custos acessíveis.
- O programa Habitar o centro histórico, de 2018, consiste num concurso excecional e transitório para atribuição de fogos municipais no centro histórico da cidade.
- O Programa Renda Segura, recentemente anunciado, através do qual o Município irá recorrer ao mercado de arrendamento privado, concedendo benefícios fiscais aos proprietários para posteriormente subarrendar a preços acessíveis através do Programa Renda Acessível.
Por motivos diferentes, todos estes programas são respostas à flor da pele. Não é criando vários programas que tentam – sem conseguir – responder de forma casuística, que se resolve a crise na habitação. Precisamos, isso sim, de políticas públicas de habitação e de uma estratégia municipal de habitação, ambas assentes nos princípios da Lei de Bases da Habitação.
A oferta pública habitacional tem de existir, tem de ser ela a ditar as regras e a dar resposta a quem mais necessita. É para o desenvolvimento de um parque público habitacional que o investimento público deve ser direcionado. Se calhar, a websumit não é assim tão importante. Se este investimento público (cerca de 11 milhões de euris ao longo dos anos) fosse utilizado para o efetivo exercício de políticas públicas, que diferença não faria para quem quer (continuar) viver em Lisboa?
A Área Metropolitana de Lisboa não é Lisboa. E muitas famílias, professores, estudantes foram obrigados a fazer esse caminho. Continuar a isolar famílias inteiras, como acontece nos bairros sociais, não é solução. Mas essa é a “solução” que o programa renda apoiada apresenta. Também não é solução entregar milhões de euros de investimento público ao mercado de arrendamento privado ou a concessões público-privadas. Não sendo igualmente solução a criação de concursos excecionais, já que estes, apesar de responderem a casos concretos importantes, ficam aquém de uma necessidade que é permanente.
A crise que vivemos na habitação é um problema coletivo. Como tal, precisa de respostas coletivas, políticas públicas. Lisboa é das cidades que concentra um maior número de imóveis do património público – pertencentes a várias entidades públicas – que não estão a ser utilizados para responder às carências habitacionais. É, por isso, urgente proceder a um levantamento destes imóveis, para garantir um aumento da tão necessária resposta pública. Estes e outros instrumentos, como o uso efetivo do direito legal de preferência por parte do Município, ou a posse administrativa, devem ser tidos em conta por quem queira garantir habitação para todas as pessoas.
Estamos a iniciar, tudo indica, uma nova crise financeira. No entanto, esta não pode ser uma crise novamente paga pelos de sempre. O acesso a uma habitação é a garantia de um direito fundamental. Cabe aos poderes públicos não deixar ninguém para trás.
Catarina Silva é advogada.
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