Le Pen: a extrema-direita de sempre tenta fazer-se ouvir

Ultrapassada como principal desafiadora do atual presidente, a líder da extrema-direita apostou nos temas de sempre da União Nacional nas legislativas, somou-lhe as críticas à idade de reforma e ao aumento da inflação e fez parte ativa do coro que achou por bem criar uma nova diabolização na vida política francesa: a do perigo da esquerda.

11 de junho 2022 - 16:51
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Cartaz eleitoral rasurado da campanha de Marine Le Pen. Foto de Mohammed Badra/EPA/Lusa.

Montanha russa, estilo Le Pen

Derrota nas eleições regionais do ano passado, fuga de quadros, perda da hegemonia mediática no seu campo político e ataques a propósito das suas simpatias para com Putin. O ambiente do início do calendário eleitoral de 2022 parecia comprometer as ambições de Marine Le Pen de se voltar a colocar como “a alternativa” ao campo político mainstream francês e sonhar assim com a conquista do Eliseu.

Depois, a campanha do seu rival Zemmour, que apostava na ideia de que ela se tinha tornado uma política igual aos outros, foi perdendo gás; o seu caminho de “desdiabolização” da extrema-direita continuou a dar frutos, muito devido a quem aceita a normalização do fenómeno e à deslocação do discurso de direita e do centro para posições que dificilmente se distinguem dela; a direita tradicional permaneceu incapaz de sair da sua crise. Acabou assim por conseguir por pouco o lugar na segunda volta das presidenciais.

À terceira não foi de vez e apesar de outra derrota nas presidenciais mostrar o impasse em que se encontrava o seu projeto, incapaz mais uma vez de aceder ao topo das instituições políticas, a situação parecia de algum modo recompor-se para a líder da União Nacional com uma consolidação eleitoral à volta de mais de 13 milhões de votos. Só que o processo unitário da esquerda roubou-lhe palco e esse estatuto de alternativa. E a equação para as legislativas passou a ser cada vez mais: ou Nova Unidade Popular Ecológica ou Macron.

Reta final: a falta de emoção que nem o ovo nem o futebol mudaram

Face a isto, a campanha eleitoral da União Nacional foi apagada. Nem o incidente de 3 de junho, em que Marine Le Pen foi atingida por um ovo numa deslocação de campanha a Saint-Amand-les-Eaux, nem a tentativa de capitalizar votos com os incidentes do final da Liga dos Campeões no Stade de France, com a inépcia organizativa e a brutalidade das cargas policiais, a animaram. A líder de extrema-direita ainda levantou a voz, exigiu a demissão do ministro do Interior devido às “mentiras gravíssimas” sobre o caso cujo “caos securitário” teria ilustrado o estado de um país “fora de controlo” e com um governo a conduzi-lo “para o abismo”. Isto para além de voltar à carga com a estigmatização das “hordas de menores migrantes ultra-violentos”. Mas não terá conseguido agitar as águas.

De resto, do seu menu discursivo fizeram parte alguns dos temas securitários de sempre: imigração, insegurança, “laxismo judiciário”, a que se juntaram a inflação descrita como “hidra económica que devora lares e pequenas empresas" e as críticas a Macron sobre aumento de impostos e aumento da idade da reforma.

Com um sistema político em que a eleição está espalhada por centenas de círculos uninominais a desdobrar presenças mediáticas, também foi notícia o fraco desempenho nos debates de vários dos candidatos da União Nacional, confessando-se alguns incapazes de explicar os eixos centrais do programa do partido, de expressar a sua opinião sobre o nuclear ou de compreender o que significaria a expressão “serviços públicos” numa pergunta.

Desdiabolização, rediabolização

Não é que o partido não tivesse feito um trabalho de preparação prévia dos seus 569 candidatos. O Mediapart divulgou o conteúdo de alguns dos documentos que fazia parte do “manual de sobrevivência” do candidato da UN.

Um deles, da autoria do conselheiro Philippe Olivier, escolhe o “perigo vermelho” da coligação de esquerda como o alvo principal, classificando a França Insubmissa como “um movimento contestatário, ambíguo sobre as violências de rua, islamo-esquerdista, indigenista e wokista”, a NUPES como “a esquerda que já não é a esquerda mas a extrema-esquerda com um projeto delirante de inspiração comunitária e totalitária” e Mélenchon como alguém que “não defende os trabalhadores mas os imigrantes”, “não defende a França mas impulsiona o separatismo, o comunitarismo, a “creolização”, ou seja a submersão migratória”.

A estratégia de comunicação passaria ainda por colar Mélenchon e Macron que estariam “juntos na sua vontade de desconstrução da França: um em nome da mundialização económica; o outro da mundialização demográfica”. O documento é claro: “convém diabolizar esta extrema-esquerda pró-islamista”.

À entrada da derradeira semana de campanha, na TF1, Le Pen sintetizava a ideia: “a verdadeira oposição a Macron” seria ela. Mas o que acrescentava deixava-a um patamar abaixo do líder da França Insubmissa: ao contrário do seu adversário que apontava para o cargo de primeiro-ministro e desafiava diretamente a maioria Macron, a dirigente ultra-direitista contentava-se com a ideia de disputar “qual oposição poderá combater Emmanuel Macron” porque “a lógica das instituições quer que o presidente da República tenha uma maioria”.

Toda esta dinâmica contava agitar medos e animar as hostes do seu partido, mas reforçou afinal a atenção em Mélenchon. E foi aproveitada por Macron para denunciar “ambos os extremos” e pedir uma maioria “forte e clara” para evitar “juntar crise à crise” e mostrar-se como a única via “responsável” entre eles. Por seu lado, Mélenchon ironizava sobre o pânico que está a gerar na extrema-direita e no macronismo: “tenham medo, Mélenchon é agressivo, vai comer as vossas crianças”.

Apesar de tudo isto, dos entraves à proporcionalidade do sistema eleitoral francês e da esperada desmobilização de parte do seu eleitorado, a extrema-direita não é uma força que se possa desdenhar, como mostrou mais uma vez o resultado das presidenciais. Está ao seu alcance um reforço significativo dos eleitos que daria lugar a um grupo parlamentar. Dois oito eleitos em 2017 já só sobram seis e são precisos 15 para poder formar um grupo parlamentar na Assembleia. E na sua mira está já a passagem de testemunho à frente do partido.

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