Com uma área total de 11.080 ha contíguos, a Mata Nacional de Leiria (MNL) deteve ao longo de décadas as funções de produção de pinho de elevada qualidade e a proteção das dunas do litoral.
Designada outrora por Pinhal do Rei, e geradora da maior receia florestal pública do país, a MNL encerra uma história florestal com mais de 700 anos, que remonta à génese dos serviços florestais e ao ordenamento florestal português. Trata-se de uma área do centro litoral, em que cerca de 3.154 ha de floresta de proteção, são dunas fixadas pelo homem em finais do séc. XIX e início do séc. XX, o que permitiu plantar floresta até ao mar. Esta singular intervenção humana realizada há aproximadamente um século pelo Projecto Geral da Arborização dos Areais Móveis de Portugal, moldou a paisagem do centro litoral português, desde o concelho da Marinha Grande até aos pinhais de Mira, e proporcionou o surgimento de adaptações naturais no ecossistema florestal, que se traduziram, até aos nossos dias, pela existência de um número elevado de endemismos florísticos e de habitats seminaturais, prioritários para a conservação da natureza na União Europeia, e essenciais para assegurarem a sustentabilidade do pinhal interior e a qualidade de vida das populações limítrofes.
Após o incêndio de 2017 que consumiu 86% da área total da MNL, em zona maioritariamente produtiva e de recreio, a área de proteção costeira ficou reduzida a menos de metade. Para além da função produtiva (em 7.087 ha), a mata assumia as funções de proteção (em 3.540 ha) e de recreio (em 18 ha), que no seu conjunto se encontram, agora, gravemente comprometidas. Na área costeira, onde se localizam a maioria dos ecossistemas prestadores de serviços, sujeitos à forte erosão eólica, restam agora pequenas manchas de vegetação mediterrânica, que comprometem a viabilidade do pinhal interior, e que requerem a implementação de medidas urgentes de estabilização eólica, ecológica, e de restauração/gestão de habitats.
Depois do incêndio de 2017, quais os impactos, a curto prazo, na qualidade de vida das populações? Como mitigar o aumento dos ventos marítimos, a diminuição da humidade ao nível do solo e do ar, a destruição dos habitats seminaturais, a diminuição do turismo, e a menor capacidade de retenção de CO2, numa região fortemente industrializada?
Quais as consequências, ambientais, sociais e económicas, para a região, tendo em conta os cenários prováveis de avanço das dunas sob as áreas interiores, proliferação de espécies invasoras, agravamento das alterações climáticas, e desinvestimento público na floresta portuguesa?
Estaremos nós a vivenciar o “fim” do Pinhal do Rei, e o retrocesso para o ano de 1769, em que cerca de 1/3 da área do pinhal era um deserto de dunas móveis?
Estando esta fração de território, atualmente, sujeita a um grande número ameaças: pressão imobiliária sob a faixa costeira, projetos de agricultura intensiva, alteração da aptidão florestal com espécies de crescimento rápido, proliferação das espécies invasoras, e conceção da gestão a privados, o futuro da MNL parece incerto ao mesmo tempo que se agrava com a contínua “descapitalização” dos serviços florestais.
Torna-se assim imperativo para a população local e para a região, o reinvestimento do Estado Português na recuperação da MNL, através de uma ótica de requalificação integrada da floresta pública nacional e dos serviços de ecossistema que esta presta às populações e ao país.
Sónia Guerra é Bióloga e Mestre em Ciências das Zonas Costeiras pela Universidade de Aveiro; autora e coautora de diversas publicações[1] sobre a Mata Nacional de Leiria).
[1]
a) Pinho R., Guerra S., Lopes L. (2014). Guia da História e Natureza da Praia da Vieira. Plano de requalificação ambiental do estuário do Lis, candidatura ao programa operacional regional do centro, Município da Marinha Grande
b) S. Guerra, F. Martins, R. Pinho, L. Lopes (2012). Habitats Naturais da Orla Costeira da Mata Nacional de Leiria - Ameaças e Potencialidades. Libro de resúmenes. I Congreso Iberoamericano de Gestión Integrada de Áreas Litorales, Cádiz, 45. ISBN13: 978-84-695-1262-3
c) Guerra S. (2011). Flora e Habitats da Zona Costeira da Mata Nacional de Leiria. Dissertação de Mestrado em Ciências do Mar e das Zonas Costeiras, Universidade de Aveiro, 154 pp.
d) Guerra S. (2010). Guia da Natureza de São Pedro de Moel. Plano de valorização ambiental e turístico de São Pedro de Moel, candidatura ao programa mais centro, Município da Marinha Grande
e) Carvalho C., Guerra S., Vieira J., Ferreira O., Bessone S. (2010). Programa Museológico do Museu Nacional da Floresta. Comissão Instaladora do Museu Nacional da Floresta, Município da Marinha Grande, Autoridade Florestal e Instituto Português dos Museus I.P
f) Guerra S., Ferreira O. (2008). Pinhal do Rei – 700 Anos de Floresta. Catálogo de Exposição, Município da Marinha Grande & Autoridade Florestal Nacional