Conforme explica o Coronel Aniceto Afonso no prefácio da obra, a autora e dois membros da sua equipa abordaram, em 2002, o então diretor do Arquivo Histórico Militar no sentido de proporem a constituição de uma Liga dos Amigos do Arquivo Histórico Militar (LAAHM). Joana Pontes tinha realizado recentemente o documentário A Hora da Liberdade, sobre o dia 25 de Abril de 1974, e a série de 13 episódios O Século XX Português, ambos exibidos na SIC, tendo constatado, durante as entrevistas que realizou no âmbito destes trabalhos, que era fundamental reunir os espólios e acervos documentais que muitos ex-combatentes e seus familiares guardavam em casa.
Constituída a LAAHM, o Coronel Aniceto Afonso e a equipa de Joana Pontes desenvolveram o Projecto Recolha. Da análise da correspondência trocada em 13 anos de Guerra Colonial, acabou por surgir o projeto de tese de doutoramento de Joana Pontes, que agora se consubstancia nesta obra, através da qual somos transportados para “as histórias dentro da História, neste caso escrita por quem a viveu”. Em causa estão 16 acervos, com cerca de 4400 cartas e aerogramas que militares enviaram ou receberam entre 1961 e 1974.
Antes da publicação da primeira edição de Sinais de Vida - Cartas da Guerra 1961-1974, datada de novembro de 2019, Joana Pontes realizou, com António Barreto, a série televisiva Portugal, um Retrato Social, os documentários Nós e a Televisão e A Televisão e o Poder, emitidos pela RTP, bem como o documentário O Escritor Prodigioso, dedicado a Jorge de Sena.
“Assumir responsabilidades históricas que o tempo nos exige”
Durante a apresentação da obra, o Coronel Aniceto Afonso destacou a importância de “assumir responsabilidades históricas que o tempo nos exige”.
Para tal, é necessário “regressar a esse período, dando testemunho do que aconteceu. Incentivar e apoiar a investigação sobre a guerra como acontecimento marcante da nossa contemporaneidade. Tornar visível a questão, discutindo-a com argumentos e explicações convincentes”. E foi isso que, de acordo com o ex-diretor do Arquivo Histórico Militar, a Joana Pontes fez.
“Traz-nos ainda mais assuntos de reflexão em cada página, em cada transcrição resultante da leitura atenta destas 4400 cartas. Um incentivo, um desafio a irmos mais longe”, afirmou o Coronel Aniceto Afonso.
Na sua opinião, “um livro destes não pode deixar de causar impacto e consequências”: “Não sendo o primeiro livro sobre cartas de guerra, não pode ser o último. A história deste conflito continua em nossas casas, onde guardamos essas memórias. Se estes estudos e estes livros servirem para recolhermos esses pedaços da nossa vida comum de um período tão marcante, terá valido a pena”, frisou.
O Oficial do Exército reforçou ainda que “é bom que possamos continuar ou retomar este esforço de recolha destas histórias desconhecidas que moldaram o nosso passado recente. Conhecê-lo faz-nos entender quem somos e de onde vimos”.
A evolução no pensamento dos militares
Joana Pontes explicou que, à partida, se propôs aferir se existiu ou não uma evolução no pensamento dos militares envolvidos, seja dentro de cada comissão como no que respeita ao tempo geral da guerra. Em causa estão “dois movimentos: dentro de cada comissão militar e o grande movimento de 61 a 74”.
“Houve, de facto, uma evolução. Não é política no sentido que atribuímos à palavra hoje. Estas pessoas não eram politizadas. Mas há uma evolução no pensamento que começa a incorporar reflexões a partir daquilo que cada militar vai vendo, nos sítios onde vai estando, nas realidades que vai encontrando e depois no contacto que tem com aqueles que já foram e que, entretanto, disseram como é que era, e com os que vão chegando”, sinalizou a autora.
Segundo Joana Pontes, a partir de certo momento, também se sente muito a presença de oficiais milicianos que chegam e que começam a falar da situação do país noutros termos. “Há uma espécie de contaminação em que vão chegando ideias, aparecem livros, aparecem jornais e vão chegando cada vez mais outras maneiras de ver”, destacou.
A escritora deu o exemplo da correspondência de um oficial do quadro que chega a Angola e começa a escrever sobre os documentos que vai lendo e sobre as coisas de que se vai apercebendo. Esse oficial acaba por cumprir duas comissões, uma em Angola e outra em Moçambique, e é manifesta a evolução do seu pensamento entre uma comissão e outra.
Conforme avançou Joana Pontes, nesse questionamento vislumbramos o início do movimento dos capitães.
“No início da guerra há uma maneira um pouco estereotipada de ver os acontecimentos, até nos próprios livros das unidades, mas, à medida que o tempo vai passando, apercebemo-nos de uma alteração na compreensão geral da guerra, que eu tomaria a liberdade de dizer que é política num sentido muito lato”, salientou a autora.
Joana Pontes referiu ainda que, através da análise desta correspondência, foi possível perceber o que era o regime e a maneira como as pessoas viviam: “Se estas cartas, de alguma maneira, dão a ver alguma coisa, é a espessura do Estado Novo naquele tempo, de 61 a 74”, vincou.
A escritora defendeu que a forma “como as pessoas comuns são envolvidas e vivem estes acontecimentos muito marcantes tem de ser mais estudada e tem de aparecer na grande história”.
Durante a apresentação foi ainda referido, quer pela autora e pelo Coronel Aniceto Afonso, como por algumas das pessoas presentes, que ainda persistem dificuldades no acesso a arquivos e documentação oficial, e que o estado de tratamento dos acervos e fundos documentais respeitantes à guerra deve ser uma preocupação a ter em conta.