Incorporar a Ucrânia na NATO, após forçar a Rússia a recuar para suas fronteiras anteriores a 2014. Este tem sido o único objetivo estratégico que os líderes da União Europeia (UE) conseguem contemplar desde a invasão russa há três anos. Infelizmente, bem antes da nova eleição de Donald Trump, esse objetivo entrou no reino da inviabilidade. Os sinais já eram evidentes há algum tempo.
Primeiro, a economia de guerra do presidente russo Vladimir Putin revelou-se uma bênção para o seu regime. Segundo, até mesmo o predecessor de Trump, Joe Biden, foi extremamente relutante em pressionar para a adesão da Ucrânia à Nato, preferindo conduzir o país por um caminho incerto com promessas vagas. E, terceiro, havia nos Estados Unidos uma forte oposição, bipartidária, à ideia de tropas da Nato lutarem ao lado dos ucranianos.
Assim, numa demonstração de hipocrisia impressionante, os muitos discursos de “Putin é o novo Hitler” nunca resultaram num compromisso de lutar ao lado dos ucranianos até que o exército de Putin fosse derrotado. Em vez disso, um Ocidente covarde continuou a enviar armas aos ucranianos exaustos, para que eles pudessem derrotar o “novo Hitler” em seu nome – mas sozinhos.
Como era inevitável, e apesar da corajosa luta dos soldados ucranianos cada vez mais ultrapassados em termos de armamento e em menor número, o único objetivo estratégico dos líderes europeus virou pó – uma realidade que se teria tornado inegável independentemente de quem tivesse vencido a presidência dos EUA em novembro passado. Trump apenas acelerou isso com uma brutalidade que reflete o seu desprezo de longa data não apenas pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, mas também pela própria UE. E assim, sem um Plano B, uma Europa enfraquecida por um declínio económico de duas décadas luta agora para responder à política ucraniana de Trump.
Após o Acordo de Munique em 1938, Winston Churchill proclamou que Neville Chamberlain, o então primeiro-ministro do Reino Unido, teve a oportunidade de fazer a escolha entre a guerra e a desonra. “Escolheu a desonra e terá guerra”. Na sua angústia para não cometer o mesmo erro, os líderes da UE estão prestes a repeti-lo, ao contrário: sua abordagem de guerra até a vitória dará lugar à paz humilhante que Trump lhes imporá a eles e ao governo de Zelensky com prazer, quando finalmente vierem a implorá-la.
Embora não haja dúvidas de que ou a Europa se ergue, ou se desintegra, a questão é: levantar-se como? O que realmente está errado com a Europa? O que mais lhe falta?
É difícil acreditar que os europeus não consigam reconhecer a resposta que os encara diretamente: à Europa está a faltar um Tesouro adequado, além do equivalente ao Departamento de Estado dos EUA e um Parlamento com o poder de decidir sobre como funciona o seu governo (o Conselho Europeu). Pior ainda, ainda não há discussão sobre como preencher essas lacunas na arquitetura institucional da Europa.
A União Europeia sempre temeu o início de qualquer processo de paz na Ucrânia exatamente porque isso exporia a nudez do bloco. Quem representaria a Europa na mesa de negociações, mesmo que Trump a convidasse a participar? Mesmo que a Comissão Europeia e o Conselho Europeu pudessem usar uma varinha mágica para criar um grande exército da UE bem armado, quem teria a autoridade democrática para enviá-lo à batalha para matar e morrer? Além disso, quem pode arrecadar impostos suficientes para garantir a prontidão permanente de combate do exército da UE? O sistema atual de tomada de decisões da UE significa que ninguém tem a legitimidade democrática para decidir nada.
Quando Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, anunciou recentemente sua nova iniciativa ReArm Europe, tristes memórias do Plano Juncker, do Pacto Verde e do Plano de Recuperação voltaram à tona. Grandes números foram mais uma vez lançados para as manchetes, mas depois de uma análise mais atenta, não passam de fumo e espelhos. Será que alguém espera seriamente que a França aumente o seu já insustentável défice das finanças públicas para financiar armamento?
Na ausência de instituições para implementar um keynesianismo militar, a única maneira pela qual a Europa pode se rearmar hoje é desviar fundos da sua infraestrutura social e física em ruínas – enfraquecendo ainda mais uma Europa que já colhe os frutos amargos do descontentamento popular que está a alimentar o crescimento de forças de extrema-direita em todo o continente. E para quê? Alguém acredita que Putin será dissuadido por uma Europa que pode ter mais alguns mísseis e canhões mas se está a afastar cada vez mais da perspetiva da governança federal necessária para decidir questões de guerra e paz?
O ReArm Europa não fará nada para vencer a guerra pela Ucrânia. No entanto, quase certamente levará a UE a um declínio económico ainda mais profundo – a causa essencial da fraqueza do continente. Para manter os europeus seguros diante dos desafios duplos representados por Trump e Putin, a UE deve embarcar num processo multifacetado de Paz Agora.
Primeiro, a UE deve rejeitar categoricamente o esforço predatório de Trump para se apoderar dos recursos naturais da Ucrânia. Em seguida, após sugerir a possibilidade de relaxar as sanções e devolver US$ 300 bilhões em ativos congelados (que não podem ser usados simultaneamente como moeda de troca e para a reconstrução da Ucrânia), a UE deve iniciar negociações com o Kremlin. Elas teriam como objetivo oferecer a perspetiva de um arranjo estratégico abrangente, no qual a Ucrânia se torne o que a Áustria foi durante a Guerra Fria: soberana, armada, neutra e tão integrada na Europa Ocidental quanto os seus cidadãos o desejem.
Terceiro, em vez de um impasse permanente entre dois grandes exércitos ao longo da fronteira a ser negociada na Ucrânia, a UE deve propor uma zona desmilitarizada de pelo menos 500 quilómetros de cada lado, o direito de retorno de todas as pessoas deslocadas, um acordo para a governo nas áreas disputadas ao estilo do Acordo de Sexta-feira Santa e um Green New Deal para as áreas devastadas pela guerra – financiado conjuntamente pela UE e pela Rússia. Todas as questões pendentes deviam ser tratadas em negociações realizadas sob a égide das Nações Unidas.
Por fim, a UE deve usar a perspetiva de relaxar as tarifas sobre os produtos chineses (especialmente tecnologia verde) e as sanções às exportações de tecnologia com o objetivo de abrir negociações com a China para um novo arranjo de segurança, que reduza as tensões e envolva os chineses no objetivo de salvaguardar a soberania da Ucrânia.
Se queremos realmente fortalecer a Europa, o primeiro passo não é rearmarmo-nos. É forjar a união democrática sem a qual a estagnação continuará a corroer as capacidades da Europa, tornando-a incapaz de reconstruir o que resta da Ucrânia quando Vladimir Putin tiver acabado com ela.
Texto publicado originalmente no Outras Palavras. Traduzido por Antonio Martins. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.