"A Europa e o euro caminham para o suicídio"

2011 foi o ano da crise do euro, que ameaça prolongar-se numa agonia em 2012. Na opinião do Prémio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, em entrevista ao jornal Página/12, a conceção geral da União Europeia foi errada.

25 de dezembro 2011 - 17:51
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Stiglitz: estão a colocar os lucros dos bancos acima das pessoas.

Por que a crise se instalou na Europa e não se vislumbra uma saída?

Creio que o problema fundamental é que a conceção geral da União Europeia foi errada. O Tratado de Maastricht estabeleceu que os países deveriam manter défices baixos e uma proporção reduzida da dívida em relação ao PIB. Os líderes da UE pensaram que isso seria suficiente para fazer o euro funcionar. No entanto, Espanha e Irlanda tinham superávit antes da crise e uma boa proporção de dívida em relação ao PIB e, mesmo assim, estão com problemas. Alguém poderia pensar que, em função dos acontecimentos recentes, a UE se teria dado conta de que essas regras não eram suficientes. Mas os seus líderes não aprenderam isso.

A que se refere?

Agora propõem o que chamam de uma “união fiscal”, o que, na verdade, é só a imposição de maior austeridade. Reclamar austeridade agora é uma forma de assegurar-se que as economias colapsem. Creio que o esquema que a Alemanha está a impor ao resto da Europa vai conduzir à mesma experiência que a Argentina teve com o FMI, com austeridade, PIB a cair, magras receitas fiscais e, por isso, a suposta necessidade de reduzir mais o défice.

Isso gera uma queda em espiral, que conduz a mais desemprego, pobreza e aprofunda as desigualdades. O défice fiscal não foi a origem da crise, mas sim foi a crise que acabou gerando o défice fiscal.

Que papel desempenha o Banco Central Europeu neste processo?

O BCE torna as coisas ainda mais complicadas, porque tem o mandato de se preocupar somente com a inflação, quando, em troca, o crescimento, o desemprego e a estabilidade financeira importam muito mais agora. Além disso, o BCE não é democrático. Pode decidir políticas que não estão de acordo com o que os cidadãos querem. Basicamente, representa os interesses dos bancos, não regula o sistema financeiro de forma adequada e há uma atitude de estímulo aos CDS (Credit Default Swaps) que são instrumentos muito envenenados. Isso também é uma prova de que os bancos centrais não são independentes, mas sim políticos.

Como explicar o facto de a Alemanha e a França estarem a empurrar os europeus para esse abismo?

Creio que eles querem fazer as coisas corretas, mas têm ideias económicas erradas.

Estão errados ou, na verdade, representam interesses de determinados setores?

Creio que ambas as coisas. Por exemplo, é claro que estão colocando os lucros dos bancos acima das pessoas. Isso é claro para o caso do BCE, mas não creio que seja claro para Nicolas Sarkozy ou Angela Merkel – presidente da França e chanceler de Alemanha, respetivamente. Creio que eles estão convencidos. Podem estar a proteger os bancos, mas fazem-no porque acreditam que, se os bancos caem, a economia cairá. Por isso digo que têm um olhar errado, além de que não creio que estejam a colocar os interesses dos gregos ou dos espanhóis no topo da agenda. Esse é outro problema, a falta de solidariedade. Eles dizem que não é uma “união de transferência de dinheiro”. De fato é, mas a transferência de dinheiro vai da Grécia para a Alemanha.

A união monetária é um problema em si mesmo?

Sim, é um problema. Não há suficiente similitude entre os países para que funcione. Com a união monetária eles ficaram sem um mecanismo de ajuste, como é a modificação dos tipos de câmbio. É como ter importado um padrão ouro nessa parte do mundo. Se tivessem um banco central com um mandato mais amplo que contemplasse, além da inflação, o crescimento e o desemprego, com uma cooperação fiscal real e assistência através das fronteiras, então seria concebível o funcionamento da união monetária, e ainda assim seria difícil. No atual esquema, pode funcionar, mas com um enorme sofrimento de muita gente

Que análise faz da aparição de governos tecnocráticos, como o de Mario Monti, na Itália, ou o de Lucas Papademus, na Grécia?

O principal problema é ter criado um marco económico a partir do qual a democracia ficou subordinada aos mercados financeiros. É algo que Merkel sabe muito bem. As pessoas votam, mas sentem-se chantageadas. Deveria reformular-se o marco económico para que as consequências de não seguir os mercados não sejam tão severas.

Em agosto, disse que o euro não tinha de desaparecer. Qual é sua posição agora?

Naquele momento eu era mais otimista. Pensava que os líderes iam dar-se conta de que o custo de dissolver o euro era muito alto. Mas, desde aquele momento, a confrontação com o mercado piorou e a incapacidade dos governos europeus tornou-se evidente. Em lugar de aprender com os erros, estão-nos repetindo. Creio que realmente querem sobreviver, mas demonstraram falta de entendimento de economia básica, o que me faz ter mais dúvidas.

É possível ter um euro a duas velocidades, como alguns economistas propõem?

Um euro a duas velocidades é uma das formas de rutura do euro. Isso pode ser possível, a solução pode ser a criação de duas moedas com mais solidariedade entre elas. A moeda única contribuiu para o problema. Não era inevitável o estouro, mas aconteceu. Quando se reconhece que os mercados têm quotas de irracionalidade, talvez seja melhor manter mais autonomia monetária.

Disse que a reestruturação da dívida é boa para as finanças públicas europeias e citou o exemplo da Argentina. Mas o nosso país também desvalorizou. Acredita que a Grécia precisa adotar essa medida?

Essa é a pergunta fundamental. A Grécia vai ter de reestruturar a sua dívida, isso é algo que todos aceitam agora, ao contrário do que ocorria há um ano. Se tivessem encaminhado as coisas de outra maneira há dois anos, a reestruturação poderia ter sido evitada. Em troca, impuseram a austeridade. Agora, a pergunta é: dada a reestruturação, isso será suficiente para recompor o crescimento económico? Acredito que a resposta, para a Grécia, é não. A menos que tenham algum tipo de ajuda externa, inclusive depois da reestruturação, estarão sob um regime de austeridade. Por isso o PIB vai cair ainda mais. Não há competitividade e há duas maneiras de consegui-la.

Uma é através de uma desvalorização interna, mas se os salários caem, a procura cai mais ainda e torna mais fraca a economia. Por outro lado, se a Grécia sai do euro e desvaloriza, a transição será difícil e complexa, mas uma vez que o processo tenha acabado, o fato de a Grécia fazer limite com a União Europeia será um impulso para a recuperação. Novos bancos instalar-se-iam e haveria mais comércio.

Entrevista por Tomás Lukin e Javier Lewkowicz, Página/12.

Tradução de Katarina Peixoto para Carta Maior.

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