EUA: presidenciais de alta tensão num país em crise

Os EUA vão a votos num cenário de crise generalizada. As presidenciais acontecem após as mobilizações massivas contra a violência policial racista e com os números da covid-19 a baterem recordes mundiais. O voto não presencial será um campo de batalha. Trump ameaça não reconhecer a derrota. Dossier organizado por Carlos Carujo.

01 de novembro 2020 - 18:16
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As próximas eleições norte-americanas não são apenas mais umas eleições. Não só porque, por mais que o resultado fosse dado como certo, nenhumas presidenciais na super-potência o serão e porque estas em particular, sendo disputadas, podem ter efeitos em importantes escolhas de política internacional, decidindo sobre as tonalidades do protecionismo económico ou do intervencionismo político-militar dos EUA. Mas sobretudo porque acontecem numa encruzilhada de crises sem precedentes e num clima de alta tensão.

Algumas destas crises estão a maturar há algum tempo. Nos EUA, a crise ambiental causa já fenómenos extremos e desastres de dimensão sem paralelo: secas, ondas de calor, cheias, incêndios. Apesar do fracking ter sido tema de campanha, terá sido a crise ambiental terá sido a grande ausente desta eleições.

A crise de legitimidade e de funcionamento de um sistema político que nos é explicado por Jorge Martins também não é de hoje. O seu bipartidarismo anquilosado alimenta-se diretamente do dinheiro dos mais ricos nas campanhas como nos mostra Richard Briffault e está estruturalmente construído desde o início com intuitos classistas como avança Lance Selfa. Ao mesmo tempo, a direita deste sistema esforça-se denodadamente por afastar os mais pobres até do direito de votar. Sobre isso escreve Michel Gevers.

Num país altamente desigual e com a ausência de um Estado Social como o conhecemos (ainda) na Europa ocidental, a crise social era também já uma realidade gritante. Assim como a violência policial estrutural e a discriminação racista sistemática de que Francisco Louçã nos traça a história. Foi jogando com esse racismo e com o medo, aliás, que Trump conseguiu vencer a eleição de 2016 e é ele que continua a ser um dos seus trunfos em 2020, defende Sylvie Laurent.

Mas também há circunstâncias absolutamente excecionais que envolvem estas eleições, a começar pela resposta a este racismo dada pela revolta do Black Lives Matter 2.0 que as precedeu e que irrompeu pelo próprio período de campanha. Do outro lado do espetro político, a agressividade da extrema-direita armada também se reforça. Alicia Garza, uma das co-fundadoras do Black Lives Matter conta-nos o que é ser ameaçado pelas milícias e analisa-as.

Igualmente absolutamente excecional e determinante para o desfecho eleitoral é a crise sanitária provocada pandemia da covid-19. Trump geriu desastrosamente o surto, desvalorizou-o e mentiu. E a sua administração revelou uma incompetência desmesurada. A prioridade não eram as vidas mas “a economia”. Agora, é também com a defesa de manter a economia aberta que tenta minimizar perdas, insistindo que ele o irá fazer e apresentar uma vacina a curtíssimo prazo, ao passo que o seu rival iria fechar a economia e atrasar a vacina, uma história contada por Carlos Carujo.

Outro facto absolutamente excecional é a existência de um presidente em funções que ameaça não aceitar a derrota eleitoral e manter-se no poder através de um golpe eleitoral: podendo ter maioria na contagem de votos presenciais, o que é provável porque a sua base de apoio desconfia, desconfiança para a qual ele foi uma peça central, dos votos antecipados e por correspondência, tentaria declarar-se vencedor e procuraria anular o máximo de votos não presenciais por serem tardios ou não cumprirem certos requisitos. Anne E. Deysine detalha os vários cenários que se poderão seguir a uma noite eleitoral complicada. E também Jorge Martins perspetiva resultados eleitorais e suas consequências.

Neste dossier, apresentamos ainda o perfil de Joe Biden que Branko Marcetic revela como um político neoliberal, que fez a sua carreira através de acordos permanentes com o “outro lado da barricada” e que, face a estes, muitas vezes foi “mais papista que o Papa”.

Damos ainda palavra à esquerda norte-americana através de uma entrevista de Miguel Heleno ao sociólogo Michael Burawoy e das análises de Ashley Smith, Dan La Botz e Micah Uetricht que argumentam as suas posições diferentes sobre o que fazer nas eleições e qual o futuro da esquerda no país.

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