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“Dura Praxis, Sed Praxis”

“Sendo o caloiro um ser inferior, sem qualquer qualidades e de muitos defeitos, e sendo esta a mais baixa posição que pode um ser assumir, os direitos do caloiro resumem-se rápida, concisa e verdadeiramente a... nenhuns!”
A citação com que começo este texto foi retirada do “Código da Praxe - Academia Minhota”, seguido por alguns estudantes da Universidade do Minho. Este documento, chamemos-lhe assim, trata-se do regulamento respeitado por quem nela está. Desde o horrível caso do Meco, que a sociedade civil se debruçou sobre este fenómeno social com outros olhos. Mas o que é, ao certo, a praxe? Um grupo de estudantes? Uma “instituição” académica? Uma seita? Uma tradição?
Quem está dentro deste sistema considera-o uma “tradição”, com o argumento de que a praxe não é mais do que uma forma de conhecer novas pessoas e fazer amizades. Em suma, uma forma de integração. Assim que chegam à Universidade, os novos alunos, os “caloiros” são confrontados com uma pergunta – “O caloiro quer entrar na praxe?”. Como a probabilidade de ainda não conhecerem alguém é elevada, para além de que ouvem falar da praxe desde o ensino secundário, a chance de entrar é grande. São também influenciados pelo facto de que quem fala com eles são estudantes mais velhos, que tratam os primeiranistas de uma forma intimidante, falando na terceira pessoa, enquanto vestem uma espécie de cosplay de super-herói, o traje. Obviamente, a decisão é voluntária, cabendo à pessoa determinar se entra ou não na praxe. Contudo, existe coação. Não o podemos negar.
Aquando da primeira praxe, o “reles caloiro” é obrigado a olhar para o chão (nunca podendo levantar os olhos), obedecer aos “doutores” (que só o são porque estão dois anos à frente), tendo muitas vezes que se ajoelhar, berrar e até rastejar. Esta primeira “sessão” serve como forma de “filtrar” os mais “fracos” – só pertence verdadeiramente à praxe quem a continua e termina. São estes os mais “resistentes”.
Ora, o fenómeno da praxe estende-se durante alguns meses, culminando com a passagem dos “caloiros que resistiram” a “novilhos”, até que no ano seguinte se tornam “noviços”. Depois desse ano como “noviços”, sem grande envolvimento na praxe – apenas têm este estatuto, podendo assistir às “sessões de praxe” –, passam a “doutores”, podendo praxar.
Há quem afirme que “a praxe é tradição”, não obstante ter, nos moldes atuais, cerca de 40 anos de existência e, em algumas Instituições de Ensino Superior, desde o início do novo milénio. A praxe assenta, na sua essência, numa hierarquia, em que uns mandam e outros obedecem cegamente, tendo também como instrumento para garantia de subserviência a violência física, psicológica e social. Num Ensino Superior já bastante hierarquizado, faz sentido reproduzir o modelo ou combatê-lo? A praxe não é inofensiva? Ouvindo os cânticos que a caracterizam, ela é LGBTfóbica e machista, promovendo a objetificação da mulher, a exaltação da masculinidade tóxica e a homofobia.
Para aqueles que acreditam que a praxe serve como preparação para a vida laboral, deixo uma questão – Se uma entidade empregadora não proporcionar condições laborais e de dignidade a quem trabalha, devemos aceitar impávida e serenamente essa realidade? Ou devemos transformá-la?
Penso que a praxe é um retrocesso, atacando as pessoas e a própria democracia. Com a presença da praxe nas instituições de Ensino Superior, estamos a permitir que esta ameaça permaneça. Devemos lutar por um Ensino Superior com espaços de inclusão e de igualdade, promovendo o sentido crítico e a democracia. O Ensino Superior pode e deve ser sinónimo de inclusão, espírito crítico participação cidadã. Submissão não faz sentido. Questiona.
*Texto escrito com base no “Código da Praxe - Academia Minhota.”
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