Os valores envolvidos no mercado de criptomoedas provocam uma certa vertigem pela sua dimensão face ao absurdo aparente da sua existência. A tecnologia blockchain, utilizada para a produção de criptomoedas, tem vários anos e usos, não começou sequer com a Bitcoin mas esta tornou-se o equivalente ao ouro, com uma força simbólica que pretende rivalizar com o dólar, sugando milhares de milhões diariamente num rodopio especulativo de uma volatilidade que ultrapassa qualquer mercado acionista.
O problema desta vertigem é que distrai de uma análise ao cerne da questão e ofusca as razões pelas quais a tecnologia será, provavelmente, tão omnipresente quanto a própria internet dentro de poucos anos.
O verdadeiro valor da blockchain e distributed ledgers não está no mecanismo de transação de valores mas sim na sua capacidade de verificação de autenticidade de informação sem ninguém, teoricamente, ter a possibilidade de alterar o registo da mesma. Ou seja, a capacidade para confirmar sem margem de dúvidas que, por exemplo, uma transação entre A e B foi realizada, como, quando e porque valor, e essa informação não estar sob controlo de um único agente, mas sim registada forma descentralizada por um mecanismo de verificação por blocos de transações consensualizadas por todos os agentes na rede, formando um encadeamento de informação inalterável a que se dá o nome de blockchain.
A tecnologia foi popularizada através do discurso libertário anti-bancos centrais ou controlo estatal, simbolizada pela Bitcoin, como um veículo de "uber finança" onde qualquer pessoa tem a possibilidade de realizar operações sem controle superior. O que é verdade e um problema em si mesmo, tornando-se o veículo de regressões sociais explosivas. Mas vários desenvolvimentos além da blockchain expandiram o leque de operações e utilidade que as criptomoedas fornecem a várias indústrias.
Um dos paradoxos deste setor é que a popularidade da Bitcoin está em relação inversa com a sua utilidade ou eficácia operativa. Cada operação na blockchain da Bitcoin - por exemplo, enviar bitcoin para outra carteira digital -, tem de passar por um processo de consensualização de todos os operadores na rede - proof of work - , obrigando ao registo da operação na blockchain (num processo a que se deu o nome de mining) que tem um custo específico que o autor da operação terá de pagar a quem a processa (são estes “mineradores” a origem do consumo extraordinário de energia). Este processo exige tanto mais tempo e poder de computação quanto mais operações na blockchain da Bitcoin forem realizadas.
Nos últimos meses deste ano, por exemplo, foram cobradas diariamente cerca de 700 mil dólares de taxas de mining a cerca de 2,5 dólares por transação. No entanto, estes valores facilmente atingem várias dezenas de dólares por transação em épocas de altíssima especulação no mercado e maior número de transações, como aconteceu entre dezembro de 2020 e maio de 2021, onde se chegou a cobrar 18 milhões de dólares em taxas num único dia. Acresce ainda que a verificação de cada transação pode chegar a demorar horas a ser concluída.
Considerando o salário mínimo do primeiro país que adotou a Bitcoin como moeda fiduciária, El Salvador (360 dólares), um trabalhador que queira levantar o seu salário em dólares numa caixa multibanco arrisca-se a ficar à partida sem 1/6 do seu salário como comissão de processamento. A Bitcoin é, em suma, uma criptomoeda incompatível com qualquer ideia de adoção em massa.
Então, porque razão assistimos a um interesse cada vez maior de vários agentes económicos mas também de vários Bancos Centrais ou mesmo países em utilizar criptomoedas ou tecnologias associadas ao setor?
A resposta tem duas vertentes. Primeiro, os saltos tecnológicos com as novas gerações de blockchain e distributed ledgers, que irão ser a norma em várias indústrias. Depois, a própria necessidade dos bancos centrais em entrarem no setor, seja por uma questão de atualização tecnológica, seja para garantirem a sua relevância numa economia digital.
Imagem: Launchpresso.com