Está aqui

Birmânia: nas ruas contra a ditadura

Já foi chamada de Revolução de Açafrão, da cor das roupas dos monges budistas que estiveram no centro de muitas das mobilizações deste Verão. Infelizmente, os protestos contra o regime que governa a Birmânia (também chamada Myanmar), duramente reprimidos, não tiveram sucesso: apesar de abalada, a ditadura militar que reina no país desde 1962 aguentou-se de pé. Iniciados em Agosto, os protestos contra a decisão do governo, de 15 de Agosto, de extinguir os subsídios aos combustíveis - provocando uma disparada dos preços dos artigos de primeira necessidade - ganharam grande dimensão mas foram esmagados por uma reacção repressiva do regime, que começou a 26 de Setembro.

O fim dos subsídios aos combustíveis, cuja venda é monopólio do Estado, duplicou o preço da gasolina, ao mesmo tempo que o preço do gás subia 500%. A consequência foi o aumento dos preços dos bens de primeira necessidade, num dos 20 países mais pobres do mundo, onde uma em cada três crianças sofre de desnutrição e os gastos do governo em saúde e educação são dos mais baixos do mundo. Em contrapartida, os gastos militares levam cerca de metade do Orçamento de Estado, e os militares enriquecem desmedidamente, ostentando a sua riqueza como aconteceu no casamento da filha do general Than Shwe, o chefe da ditadura, que ostentava um colar de diamantes valendo milhões de dólares.

Os primeiros protestos ocorreram em 19 de Agosto, tendo o governo reagido com a prisão de 13 importantes membros da oposição, o que provocou uma reacção do Departamento de Estado dos EUA.

Monges budistas aderem ao movimento

As manifestações foram em crescendo em Agosto e Setembro. Em 5 de Setembro, militares atacaram uma manifestação pacífica na cidade de Pakokku e feriram três monges. Em resposta, no dia seguinte um grupo de monges ocupou repartições públicas, exigindo que o governo apresentasse um pedido de desculpas pelas agressões. Os militares recusaram-se a pedir desculpas, e o incidente de Pakokku funcionou como o rastilho que levou os monges a aderir aos protestos.

No dia 24 de Setembro, pelo menos 300 mil pessoas manifestaram-se pacificamente em várias cidades, no maior protesto de rua ocorrido no país nos últimos 20 anos. Monges budistas e civis marcharam pelas ruas de Rangun, Pakokku e Mandalay, protestando contra a ditadura militar. Na capital, Rangun, a manifestação juntou mais de 100 mil pessoas, e nela participaram membros da Liga Nacional para a Democracia (LND), o partido político da oposição liderado por Aung Sang Suu Kyi, que recebeu o prémio Nobel da Paz em 1991 e se encontra em prisão domiciliar.

O contra-ataque da Junta militar

No dia seguinte, a Junta decretou o recolher obrigatório e a proibição de concentrações de mais de cinco pessoas em Rangun, e na cidade de Mandalay, a segunda maior do país. No dia 26, a polícia dispersou uma concentração junto ao Pagode Shwedagon, à bastonada e com gás lacrimogénio. Durante a madrugada, soldados e tropas de elite tinham chegado à capital e tomado posições junto aos principais mosteiros e templos.

No dia seguinte, começaram a circular informações de que, durante a noite, a polícia invadira diversos mosteiros, prendendo um número indeterminado de pessoas.

As repercussões internacionais começaram a surgir: o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão disse que Tóquio responsabilizava estritamente o regime birmanês pela morte de um repórter de vídeo japonês, de 50 anos. Mas a China vetava a imposição de sanções contra a Birmânia, apenas concordando com uma declaração do Conselho de Segurança da ONU a expressar preocupação em relação à repressão, e pedindo que fosse recebido um enviado das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, a Casa Branca impunha sanções económicas contra 14 membros do governo.

A 3 de Novembro, a Junta Militar ordenou a expulsão do chefe da missão das Nações Unidas naquele país, Charles Petrie, como reacção ao comunicado emitido por ele em 24 de Outubro, no qual considerava que as preocupações do povo birmanês "foram expressas de forma clara pelas recentes manifestações pacíficas".

(...)

Neste dossier:

Mundo em 2007

Da França à Venezuela, da Palestina ao Irão, passando pela questão ambiental, por Timor ou pela Polónia, aqui fica uma possível memória do Mundo em 2007.

Venezuela: Chávez derrotado pela primeira vez nas urnas

O "não" venceu o referendo à reforma constitucional realizado no dia 2 de Dezembro na Venezuela com 51%, contra 49% do "sim" defendido pelo presidente Hugo Chávez. O resultado apanhou muitos desprevenidos, como os jornais Estado de S. Paulo, do Brasil, ou o Público, de Portugal, que optaram por acreditar nas pesquisas à boca da urna e antecipar uma vitória do "sim" que não ocorreu.

Palestina dividida

No dia 13 de Junho, o Hamas hasteou as bandeiras verdes do movimento num dos últimos bastiões da Fatah na Cidade de Gaza, o Quartel General de Segurança Preventiva, concluindo a operação militar que o levou a assumir o controlo total da Faixa de Gaza e a expulsar as forças fiéis ao presidente palestiniano Mahmud Abbas e à Fatah do território. Entretanto, a Fatah tentava assegurar o controlo da Cisjordânia, iniciando uma campanha de detenção de cerca de 1500 militantes do Hamas.

Dois passos cruciais contra o vírus da SIDA

Em Fevereiro e Abril de 2007 foram publicados dois estudos que trazem novas esperanças no combate ao vírus da SIDA. Ambas as descobertas, uma publicada na revista Nature e a outra na revista Cell, centram-se na identificação de proteínas, presentes no sangue humano, capazes de bloquear a ligação do HIV às células do sistema imunitário, em vez das investigações mais clássicas que apenas incidiam na inibição da replicação do vírus, e a partir de substâncias não originárias do sangue humano. Artigo no dossier Balanço Internacional 2007

Líbano: crise sem fim à vista

Beirute amanheceu no dia 23 de Janeiro completamente paralisada por barricadas de pneus em chamas e confrontos entre apoiantes e opositores do primeiro-ministro Fouad Siniora, do Líbano. Uma greve geral foi convocada pelos líderes da oposição, entre eles Hassan Nasrallah, do Hezbollah, com o apoio dos sindicatos, para pedir um novo governo de unidade nacional que tivesse um terço mais um do número de pastas para a oposição, o que lhe daria o poder de veto sobre as decisões governamentais.

Howard, o grande aliado de Bush, é derrotado na Austrália

A derrota do primeiro-ministro John Howard nas eleições da Austrália de 24 de Novembro foi também uma derrota do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e uma demonstração do seu isolamento internacional. Com efeito, Howard era um dos últimos aliados ferrenhos de Bush na guerra do Iraque, e acompanhava até o presidente norte-americano na recusa a assinar o Protocolo de Quioto.

A ameaça das alterações climáticas

O ano de 2006 fez soar o alarme, com o Relatório Stern, mas foi em 2007 que o mundo começou a conviver plenamente com a ameaça das alterações climáticas. Lentamente, a população planetária foi tomando consciência de que a situação é muito grave. Os dados alarmantes foram-se acumulando e as medidas para tentar evitar a catástrofe parecem lentas, demasiado lentas, e ineficazes, demasiado ineficazes.

França: greve nos transportes enfrenta Sarkozy

No dia 12 de Novembro, os transportes paralisaram em França, numa greve convocada pelos sindicatos do sector contra a intenção do governo Sarkozy de aumentar o período de descontos necessário para a reforma dos trabalhadores abrangidos por regimes especiais, cerca 1,6 milhão de pessoas. A 18 de Outubro já ocorrera uma primeira greve de 24 horas. A greve, que duraria 10 dias, foi o primeiro confronto social com que se defrontou Sarkozy desde que foi eleito Presidente da República. 

França: Sarkozy eleito presidente

Nicolas Sarkozy, o candidato da União por um Movimento Popular (UMP), de direita, foi eleito Presidente da República francesa com 53,06% dos votos no dia 6 de Maio, data do segundo turno das eleições presidenciais. Ségolène Royal, a candidata do PS que disputava com ele, obteve 46,94%. A participação nas eleições rondou os 85%.

Paquistão: a sublevação dos advogados

A 9 de Março, o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, suspendeu o chefe do Supremo Tribunal, Iftikhar Chaudhry. O magistrado não era conhecido por activismo judicial, mas tornara-se muito incómodo pelas sentenças contra o governo num grande número de questões importantes, incluindo a apressada privatização da Karachi Steel Mills, a aceitação de que fosse levada a tribunal a questão dos activistas políticos "desaparecidos" e a atitude de levar a sério as vítimas de violação.

O passeio interminável de Putin

A 2 de Dezembro, o partido de Vladimir Putin voltou a vencer de forma categórica as eleições legislativas russas. Dada a popularidade deste ex-chefe do KGB, nem sequer teriam sido necessárias as inúmeras irregularidades que marcaram o processo eleitoral para conquistar a vitória. O ano na Rússia ficou também marcado pelos ataques à liberdade de expressão, a prisão de membros da oposição, e a proibição de manifestações. Nada que tenha afectado Putin, que se prepara para continuar no poder, deixando a Presidência - já cumpriu dois mandatos, o máximo permitido - e assumindo o cargo de Primeiro Ministro. 

A Austrália vence em Timor

Em Timor, 2007 foi o ano da "consolidação democrática" do golpe de Estado iniciado em 2006 com a conivência da Austrália e contra o "nacionalismo económico" de Mário Alkatiri. Ramos Horta e Xanana Gusmão, os principais aliados da política australiana, conquistaram os lugares de Presidente da República e Primeiro-Ministro. Horta venceu as eleições claramente impondo a primeira derrota nas urnas à Fretilin. A 30 de Junho, Xanana não precisou de ganhar as legislativas para mesmo assim se sentar na cadeira do poder. Entretanto, o criminoso Alfredo Reinado continua a monte, recebendo salário do Estado. 

Grécia: das catástofres naturais à Greve Geral

Manifestações massivas de estudantes, incêndios, eleições, cheias, greve geral. Sem dúvida que a Grécia viveu um ano conturbado. A direita, no poder desde 200 - depois de 11 anos de governos "socialistas" - resisitiu ao desgaste provocado pelos incêndios que vitimaram 66 pessoas e a 16 de Setembro voltou a vencer as eleições legislativas com maioria absoluta. Mas os protestos sociais continuam fortes, e exemplo disso é a greve geral que a 12 de Dezembro paralisou todos os sectores vitais do país. 

Polónia: do obscurantismo ao neoliberalismo feroz

Há muitos anos que a Polónia não tinha tanto destaque internacional. Pena que tenha sido pelos piores motivos: as medidas ultra conservadoras e moralistas dos gémeos Kaczynski povoaram com frequência os jornais no ano de 2007. Frenesim que parece ter terminado com a vitória do partido de centro-direita Plataforma Cívica, a 21 de Outubro. O novo primeiro-ministro, que sucede a Jaroslaw Kaczynski, anunciou a boa nova da retirada das tropas polacas do Iraque, embora a nível económico e social se prepare para uma campanha de privatizações. 

Birmânia: nas ruas contra a ditadura

Já foi chamada de Revolução de Açafrão, da cor das roupas dos monges budistas que estiveram no centro de muitas das mobilizações deste Verão. Infelizmente, os protestos contra o regime que governa a Birmânia (também chamada Myanmar), duramente reprimidos, não tiveram sucesso: apesar de abalada, a ditadura militar que reina no país desde 1962 aguentou-se de pé. Iniciados em Agosto, os protestos contra a decisão do governo, de 15 de Agosto, de extinguir os subsídios aos combustíveis - provocando uma disparada dos preços dos artigos de primeira necessidade - ganharam grande dimensão mas foram esmagados por uma reacção repressiva do regime, que começou a 26 de Setembro.

O Irão e o nuclear

No dia 23 de Março, as forças iranianas capturaram 15 fuzileiros navais britânicos no canal do Shatt al-Arab, na entrada do Golfo Pérsico, provocando uma crise diplomática num momento em que o Conselho de Segurança da ONU se preparava para avaliar novas sanções contra o Irão, devido à sua decisão de manter o programa de enriquecimento de urânio. Teerão afirmou que os fuzileiros confessaram ter violado as suas águas territoriais, mas o governo britânico afirmava que os seus marines estavam em águas territoriais do Iraque.