À beira de uma recessão mais grave do que em 2009

porFrancisco Louçã

Os custos das emissões estão a disparar, a dívida das empresas é gigante, os juros na zona euro são negativos e o nível de coordenação internacional é menor.

25 de março 2020 - 21:34
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O crash financeiro já é comparável ao de 2008: quando escrevo, a bolsa norte-americana caiu 40% em relação ao seu ponto culminante (19 de fevereiro), a francesa, a alemã e a espanhola mais do que isso e a portuguesa aproxima-se. Vai continuar a cair e será provavelmente o maior colapso bolsista da história. Se houvesse sensatez, as bolsas teriam sido fechadas por vários meses. Entretanto, as projeções de recessão são graves para a zona euro e o Japão, ou mesmo para os EUA. Mas será pior do que estes números indicam.

Não faltaram avisos

Foram três os principais sinais precursores que referi aqui e no Tabu, na SIC Notícias, ao longo dos últimos dois anos. O primeiro, a bolha especulativa no mercado de obrigações, ou seja, na dívida das empresas. O segundo, a evidência de sobreprodução em sectores estratégicos: em 2019, as encomendas industriais na Alemanha estavam ao nível mais baixo dos últimos seis anos, o que acontecia também no Japão, França e Itália. Desde 2018, o automóvel está em crise (a produção alemã reduziu-se em 14%). O terceiro, o comércio mundial estagnou. Os fatores da crise económica estavam instalados antes da pandemia.

E, se olharmos para trás, verifica-se que as soluções são agora um problema, notado a seu tempo. A resposta europeia foi injetar liquidez com os programas de compra de ativos pelo BCE. Isso permitiu baixar as taxas dos juros soberanos, mas acentuou a bolha especulativa. O BCE pediu aos Governos que fizessem a sua parte, aumentando o investimento, mas encontrou a barreira das regras orçamentais. Alguém se lembra do orgulho pomposo dos ministros que anunciavam superávite, a obra culminante das suas carreiras? Pois foi isso que nos tramou.

Cada dia é um bico de obra

Ao contrário de 2008-2009, desta vez a dívida tóxica (as hipotecas incobráveis) é menor e os bancos centrais detêm parte importante das dívidas públicas. Isso é a parte boa. Mas os custos de futuras emissões estão a disparar e há uma montanha de dívida de empresas. Por outro lado, há fatores que prejudicam a resposta, é a parte má. Em primeiro lugar, os juros de referência na zona euro são negativos; o BCE não pode fazer mais nada nesse capítulo. O que devia fazer está fora do que acha ser o seu mundo: dar dois mil euros a cada cidadão europeu, abater parte da dívida soberana que tem no seu balanço, comprar as próximas emissões. Criaria alguma inflação? Ainda bem.

Em segundo lugar, o nível de coordenação internacional é menor do que em 2008-2009, Trump ocupa a Casa Branca e é o vizinho que não queremos ter. Vai ser o salve-se quem puder e, como Lagarde provou ao lançar um ataque pirómano contra a dívida italiana, o BCE está em estado de negação.

Dias de emergência

No meio deste caos, ao longo desta semana os Governos apresentaram planos de emergência. O da Alemanha é 15% do PIB, Espanha, 8%, Portugal, pouco menos de 5%, desesperadamente pouco. E há o jogo dos números: Centeno coloca 5.200 milhões de euros de deferimento de impostos na conta dos fundos para a recuperação (57% do programa). É uma medida importante, ajuda empresas a aguentar. Mas terão a conta para pagar. O que fica para reestruturar a economia é pouco. Mesmo sabendo que haverá mais de 3% de défice e um Orçamento Retificativo, é agora que se devem tomar as decisões que contam: subsídios a empresas, nacionalização de outras, proibição de despedimentos, apoio aos precários, investimento na saúde com muito mais médicos e enfermeiros em exclusividade, baixar as rendas das casas com o aluguer do alojamento local.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 21 de março de 2020

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