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2019: o ano nacional em revista
Com duas eleições nacionais, o ano político ficou marcado pelo ciclo eleitoral que confirmou a derrota da direita após quatro anos de governo apoiado em acordos à esquerda.
Por isso mesmo, a grande novidade política foi a decisão do PS em pôr fim à geringonça, ao recusar a proposta do Bloco para negociar um novo acordo a quatro anos e a preferir governar na base de acordos pontuais com outros partidos.
2019 foi também o ano em que se concretizaram mudanças importantes impulsionadas pela relação de forças saída das eleições de 2015. É o caso da redução do preço dos passes sociais, que significou um alívio na carteira de centenas de milhares de pessoas e um incentivo à utilização dos transportes públicos, ainda debilitados por anos sucessivos de desinvestimento com vista à privatização, como pretendia o governo da direita com o apoio da troika.
Outra medida emblemática da maioria parlamentar cessante foi a aprovação da nova Lei de Bases da Saúde no 40º aniversário do SNS. A proposta de João Semedo e António Arnaut lançou o debate e atravessou todo o processo negocial, que chegou a ser ameaçado por um recuo do PS face ao que tinha acordado com o Bloco, na sequência de pressões dos grupos privados de saúde e do próprio Presidente da República em defesa das PPP nos hospitais públicos e da garantia de uma fatia para os privados no bolo do negócio da saúde.
Entre as dificuldades mais sentidas pela sociedade, destaca-se a crise da habitação com a subida do preço das casas e das rendas nas principais cidades, alvos do apetite imobiliário dos promotores de vistos gold, dos residentes não habituais e dos fundos imobiliários em busca de benefícios fiscais, mas também da pressão do aumento do turismo através do negócio do alojamento local. A aprovação de uma Lei de Bases da Habitação e as promessas de campanha eleitoral do PS parecem insuficientes para reverter a situação a curto prazo, com cada vez mais casas fora do alcance de famílias com rendimentos médios, como comprova o fracasso inicial do programa de rendas acessíveis lançado pelo governo.
Pelo lado positivo da conquista de direitos, o destaque do ano vai para o reconhecimento ao fim de três décadas de luta de um estatuto para os cuidadores informais, que prestam assistência a familiares dependentes sem obter qualquer proteção social. O novo estatuto aprovado no fim da legislatura vem garantir-lhes tempo de descanso, um subsídio de apoio e mais proteção na carreira contributiva, embora deixe ainda de fora algumas das reivindicações dos cuidadores, como o reconhecimento da carreira contributiva passada ou a concessão de direitos no trabalho.
Ainda na atividade parlamentar, destacamos também o trabalho da Comissão de Inquérito às Rendas da Energia, uma iniciativa do Bloco que produziu pela primeira vez um relatório que quantifica os benefícios obtidos sobretudo pela EDP com as mudanças legislativas e regulatórias das últimas décadas, mas também desvenda a opacidade e as portas giratórias entre consultores privados e assessores governamentais responsáveis pela elaboração dessas leis e regulamentos, sempre em benefício dos mesmos.
Como em anos anteriores, a trajetória de recuperação de rendimentos não fez esmorecer as lutas sociais em defesa de melhores salários e condições de trabalho, com o PS a acabar a legislatura a aprovar com a direita normas laborais negociadas com os patrões e a UGT que aumentam a precariedade. Mas a luta que concentrou as atenções do país foi a dos motoristas de matérias perigosas. Reclamaram o reconhecimento da sua categoria profissional e o pagamento dos salários completos em vez de ajudas de custo que só servem para fugir às contribuições e ameaçar as reformas futuras. Por duas vezes estes motoristas mostraram que uma atividade tão sensível para o normal funcionamento do país não pode ser sujeita às condições laborais impostas pelos patrões das transportadoras. A resposta do governo, colocando-se ao lado dos patrões para decretar a requisição civil em agosto, acabou por fazer regressar as partes à mesa das negociações.
Ainda no campo das lutas sociais, merece destaque a mobilização inédita da greve feminista do 8 de março, que juntou dezenas de milhares de pessoas em manifestações por todo o país contra a violência sobre as mulheres e a justiça machista que continua a proteger os agressores.
Na área da Cultura, o ano terminou com o desaparecimento de uma das figuras maiores da música portuguesa desde os anos 1970, José Mário Branco, a quem o esquerda.net dedicou um dossier com testemunhos de quem o acompanhou ao longo de várias fases de uma vida cheia de inquietação.
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