Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou grandes alterações aos conteúdos permitidos nas plataformas de redes sociais da sua empresa, Facebook, Instagram e Threads, eliminando o sistema de verificadores de factos independentes em favor de “notas da comunidade” de utilizadores voluntários. Zuckerberg também atenuou as regras de moderação em torno do discurso ofensivo, o que permitirá conteúdos de ódio dirigidos a mulheres, pessoas LGBTQ e outros grupos. As alterações da Meta foram amplamente interpretadas como uma prenda para Donald Trump e outros republicanos, que há muito se opõem ao controlo do discurso de ódio e da desinformação online. A empresa também doou 1 milhão de dólares para a tomada de posse de Trump e recentemente adicionou o aliado de Trump Dana White, o CEO do Ultimate Fighting Championship, ao seu conselho corporativo - parte de uma mudança maior no Vale do Silício em direção a Trump e seu movimento MAGA. Para saber mais sobre estas mudanças, falamos com os académicos de comunicação social Siva Vaidhyanathan e Marc Owen Jones, bem como com a jornalista filipina Maria Ressa, cuja empresa de comunicação social Rappler tem estado na vanguarda da luta contra a desinformação e o discurso de ódio nas redes sociais. “Desde o ano passado, 71% do mundo está sob um regime autoritário. Estamos a eleger democraticamente líderes pouco liberais, em parte porque o nosso ecossistema de informação pública (...) está a corromper as nossas comunicações individuais”, afirma Ressa.
NERMEEN SHAIKH: Verificadores de factos, rua! Foi esta a mensagem transmitida pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg, ao anunciar mudanças radicais no Facebook, Instagram e Threads. Zuckerberg descreveu as novas mudanças num vídeo publicado online.
MARK ZUCKERBERG: As recentes eleições também parecem ser um ponto de viragem cultural no sentido de voltar a dar prioridade à palavra. Por isso, vamos voltar às nossas raízes e concentrar-nos em reduzir os erros, simplificar as nossas políticas e restaurar a liberdade de expressão nas nossas plataformas. ... Em primeiro lugar, vamos livrar-nos dos verificadores de factos e substituí-los por Notas da Comunidade, semelhantes ao X, a começar nos EUA. Depois de Trump ter sido eleito pela primeira vez em 2016, os meios de comunicação social tradicionais escreveram sem parar sobre como a desinformação era uma ameaça à democracia. Tentámos, de boa fé, responder a essas preocupações sem nos tornarmos os árbitros da verdade. Mas os verificadores de factos têm sido demasiado tendenciosos do ponto de vista político e têm destruído mais confiança do que a que criaram, especialmente nos EUA.
Nicole Gill, diretora da Accountable Tech, chamou à mudança da Meta um “presente para Donald Trump e para os extremistas de todo o mundo”. A decisão surge semanas depois de Zuckerberg ter jantado com Trump em Mar-a-Lago e depois de a Meta ter doado um milhão de dólares para a tomada de posse de Trump. Na terça-feira, a Meta também nomeou um aliado próximo de Trump, Dana White, para o conselho de administração da empresa. White é o diretor executivo do Ultimate Fighting Championship. Trump elogiou as novas políticas da Meta.
DONALD TRUMP: Sinceramente, acho que eles evoluíram muito, Meta, Facebook. Acho que eles evoluíram muito.
AMY GOODMAN: Mark Zuckerberg também anunciou outras mudanças, incluindo uma flexibilização das regras sobre o tipo de conteúdo que pode ser publicado no Facebook e noutros sítios. De acordo com as alterações, as mulheres podem ser referidas como “objetos do lar”. Os utilizadores do Meta podem voltar a dizer que os homossexuais e as pessoas trans têm doenças mentais e muito mais.
Para falar sobre o significado das novas políticas do Meta nos EUA e no mundo, juntamo-nos a três convidados.
Em Manila, Filipinas, estamos acompanhados por Maria Ressa, fundadora, CEO e editora executiva do site de notícias independente filipino Rappler. Ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2021 pelo seu trabalho em defesa da liberdade de expressão nas Filipinas. O seu livro é intitulado How to Stand Up to a Dictator: The Fight for Our Future [Como enfrentar um ditador: a luta pelo nosso futuro].
Siva Vaidhyanathan é o autor de Antisocial Media: How Facebook Disconnects Us and Undermines Democracy [Como o Facebook nos afasta e enfraquece a democracia]. É professor de estudos dos media e diretor do Centro para os Media e a Cidadania da Universidade da Virgínia. O seu artigo para o The Guardian acaba de ser publicado: “Mark Zuckerberg has gone full Maga [Mark Zuckerberg tornou-se totalmente Maga (acrónimo de Make America Great Again)]”.
Em Doha, Marc Owen Jones, professor associado de análise dos media na Northwestern University no Qatar e especialista em desinformação, junta-se a nós. É o autor de Digital Authoritarianism in the Middle East: Deception, Disinformation and Social Media (Autoritarismo Digital no Médio Oriente: Engano, Desinformação e Redes Sociais).
Comecemos por si, Professor Jones. Autoritarismo digital. Pode falar-nos da forma como o anúncio de Mark Zuckerberg, pouco depois de se ter encontrado com Donald Trump, de ter dado mais de um milhão de dólares para a tomada de posse e de ter colocado um dos aliados mais próximos de Trump no seu conselho de administração, se enquadra nesse conceito e no que ele significa, o autoritarismo digital?
MARC OWEN JONES: O autoritarismo digital, em termos gerais, é a utilização da tecnologia digital para fins autoritários. É fundamentalmente anti-democrático. E penso que a atitude de Zuckerberg é indicativa da direção autoritária que os Estados Unidos estão a tomar. Ele está essencialmente a dizer que a empresa de comunicação social Meta é subserviente aos caprichos da elite política.
E penso que uma parte fundamental do autoritarismo digital que é realmente importante é esta noção de pós-verdade. O autoritarismo prospera na ausência de factos. Prospera numa guerra contra a realidade. Porque é que isso acontece? Bem, porque os líderes autoritários não estão interessados na verdade, porque a verdade pode ser usada para os atacar, para os desacreditar. Sabemos que Trump foi considerado como sendo um dos presidentes e políticos mais mentirosos da história. Mas eles querem uma realidade alternativa, factos alternativos. E a ideia de uma guerra contra os verificadores de factos enquadra-se realmente nisto, porque o que significa é que os líderes autoritários querem que as pessoas os respeitem, querem que as pessoas os temam. Querem fundamentalmente que as pessoas vejam o mundo através dos seus olhos e sejam submissas aos seus desejos. Mark Zuckerberg está claramente a ajoelhar-se perante Trump, não só a cumprir as suas ordens, mas também a criar esta doação gigantesca.
O que temos de compreender sobre o autoritarismo digital é que estamos num espaço em que comunicamos cada vez mais através de tecnologias digitais. A medida de Zuckerberg não se destina apenas a, entre aspas, “evitar a censura”. Neste caso, “censura” é um eufemismo para, de facto, fazer mal às minorias. Alguns dos exemplos que mencionou são mulheres, mas também pessoas transgénero. Mas também imigrantes foram mencionados pelo próprio Zuckerberg. Tudo isto são chavões da direita. Essencialmente, o que isto significa é que está aberta a porta nestas plataformas digitais para que as pessoas ataquem as minorias e as prejudiquem. Não se trata de reduzir a censura. Trata-se, de facto, de aumentar a violência digital contra as minorias, o que faz parte da nova América, diria eu, cada vez mais autocrática.
NERMEEN SHAIKH: Maria Ressa, pode dar-nos a sua resposta às novas políticas da Meta? Disse que a decisão de Zuckerberg conduziria a “um mundo sem factos” e que esse era “um mundo adequado a um ditador”. Poderia responder ao que Marc disse agora e o que pensa que isto significa, em particular, para as Filipinas, para as redes sociais e para os sites de redes sociais nas Filipinas?
MARIA RESSA: Bem, em primeiro lugar, nas Filipinas, tivemos uma luta contra o nosso próprio ditador a partir de 2016. E eu diria que estávamos no inferno com o nosso anterior presidente e agora estamos no purgatório, enquanto os Estados Unidos estão a ir para o inferno, parece.
Permitam-me que diga rapidamente que não se trata de uma questão de liberdade de expressão, que é o que ele afirma. É uma questão de segurança. E exatamente o que acabámos de ouvir, o que estamos a ver é que agora esta plataforma, que une mais de 3,2 mil milhões de pessoas em todo o mundo, declarou a abertura da temporada de caça às minorias. Na verdade, já não é seguro para ninguém, porque uma das coisas que aprendemos nas Filipinas é que a manipulação insidiosa desta plataforma retira a vontade. Certo? Por isso, já sabemos em todo o mundo que se tornou uma plataforma que permitiu o genocídio. Isto passa-se em Myanmar, no Sudeste Asiático. O próprio Meta enviou uma equipa, que concordou com as Nações Unidas em duas conclusões distintas. A segunda é que esta é uma plataforma que pirateia a nossa biologia, que altera a forma como sentimos o medo, a raiva e o ódio, para mudar a forma como vemos o mundo e a forma como agimos.
Interferência eleitoral. O que se viu agora foi que, já em 2016, por ocasião do Brexit, o Reino Unido aplicou uma multa ao Facebook, a maior até então, devido ao que seria equivalente a uma interferência eleitoral. Nada mais foi feito para além disso. Mas, mais uma vez, parte da razão pela qual o mundo está onde está, onde, a partir do ano passado, 71% do mundo está sob um regime autoritário, estamos a eleger democraticamente líderes iliberais, em parte porque o nosso ecossistema de informação pública, as redes sociais, o Facebook, está a corromper as nossas comunicações individuais uns com os outros, tirando-nos o poder de decisão.
NERMEEN SHAIKH: Quase 90% da população das Filipinas está no Facebook. Como é que o Facebook é utilizado, não só em termos de publicação de informação, mas também como meio de comunicação, e a forma como a desinformação se espalhou no Facebook no passado, não só, claro, em Myanmar, que é o exemplo que citou, mas também nas Filipinas e noutros locais?
MARIA RESSA: O nosso ex-presidente, Rodrigo Duterte, utilizou o design do que era uma plataforma de publicidade e marketing do Facebook para fazer operações de informação. Eu estava a receber uma média de 90 mensagens de ódio por hora, liberdade de expressão usada para sufocar a liberdade de expressão. Mas, para além disso, estas redes de guerra de informação, redes de desinformação mudaram literalmente a nossa história diante dos nossos olhos, preparando o terreno para a eleição de Ferdinand Marcos Jr., o único filho do nosso ditador que esteve no poder durante 21 anos, Ferdinand Marcos. Lembrar-se-ão de Imelda Marcos e dos seus sapatos. O seu filho, Ferdinand Marcos Jr., ganhou esmagadoramente as nossas eleições presidenciais, porque, literalmente, os filipinos foram informados através de operações de informação - YouTube, Meta e Facebook - que Marcos não era um ditador que em 1986 deposto pelo poder popular; em vez disso, era o maior líder que as Filipinas alguma vez conheceram.
AMY GOODMAN: Em 2021, os refugiados Rohingya processaram a empresa-mãe do Facebook, a Meta, por esta não ter impedido o discurso de ódio violento na sua plataforma, o que contribuiu para a sangrenta repressão militar da comunidade muçulmana Rohingya pelos militares em 2017 na Birmânia, também conhecida como Myanmar. Gabinetes de advocacia nos EUA e no Reino Unido lançaram o processo judicial em nome dos Rohingya em todo o mundo, incluindo nos campos de refugiados do Bangladesh. Os queixosos exigiram mais de 150 mil milhões de dólares em indemnizações. A ONU concluiu que cerca de 10 000 rohingyas foram mortos pelas forças birmanesas durante o genocídio de 2017, embora algumas estimativas apontem para o dobro do número de mortos. Mais de 730.000 pessoas foram forçadas a fugir do país. Quero apenas mostrar um vídeo rápido, parte de um vídeo, produzido pela Amnistia, com um sobrevivente do genocídio Rohingya.
SAWYEDDOLLAH: O meu nome é Sawyeddollah. Sou de Myanmar, mas agora estou a viver no Bangladesh, em Cox's Bazar, como cidadão de Myanmar deslocado à força. Vivi pessoalmente a experiência de que o discurso de ódio online se transformou em ódio offline para nós. Havia muitos conteúdos diferentes no Facebook contra nós, o que virou o povo de Myanmar contra nós. Vi muitas publicações diferentes contra os Rohingya no Facebook. Por exemplo, ainda me lembro de uma publicação que dizia: “A taxa de natalidade deste povo bengali [Rohingya] é muito elevada. Se continuar a ser assim, tornar-nos-emos seus escravos. Agora eles são nossos escravos. Vamos passar à ação”. Eu conhecia a opção de denunciar discursos de ódio ao Facebook. Já denunciei alguns discursos de ódio ao Facebook, mas só me disseram: “Obrigado por denunciar. Esta publicação não vai contra as normas da nossa comunidade”.
AMY GOODMAN: Gostaria de trazer para esta conversa Siva Vaidhyanathan, autor de Antisocial Media: How Facebook Disconnects Us and Undermines Democracy [Media antissocial: “Como o Facebook nos afasta e enfraquece a democracia”], professor na Universidade da Virgínia. E queria abordar esta questão do ódio e de como pode ser mortal, quer estejamos a falar da Birmânia, Myanmar, quer estejamos a falar dos Estados Unidos. Quer dizer, dando apenas alguns exemplos, cerca de sete em cada 10 adultos lésbicas, gays e bissexuais já foram vítimas de assédio online. Cerca de 51% foram alvo de formas mais graves de abuso online. Cerca de um terço das mulheres com menos de 35 anos pode ter sido assediada sexualmente online. Um estudo realizado em 51 países revela que 38% das mulheres já foram vítimas de assédio online. Professor Vaidhyanathan, pode falar-nos da ligação ao ódio e da forma como isso se relaciona com o título do seu artigo no Guardian: “Mark Zuckerberg tornou-se totalmente Maga”?
SIVA VAIDHYANATHAN: Bem, vamos ser claros quanto a esta mudança. E estou realmente entusiasmado por ter iniciado esta conversa indo para além dos Estados Unidos. O que Mark Zuckerberg anunciou no outro dia claramente só se aplica aos Estados Unidos em termos de especificidade. Nos Estados Unidos, desde 2017, a Meta tem tentado, pelo menos, parecer que está a levar a sério a moderação de conteúdos. E lembremos que a expressão correta para descrever o que estamos a falar é “moderação de conteúdos”. A verificação de factos nunca fez parte da fórmula. Não se trata de factos. Trata-se de proteger os utilizadores. Trata-se de proteger as pessoas de coisas como o assédio, de proteger grupos de pessoas de campanhas e movimentos, pessoas como os cidadãos da minha cidade, Charlottesville, Virgínia, que se depararam com uma enxurrada de direitistas violentos no verão de 2017 através de um movimento que foi em grande parte organizado através do Facebook. Portanto, a ideia aqui - e a razão pela qual Zuckerberg apareceu várias vezes perante o Congresso a jurar que está a fazer um bom trabalho - tem sido sobre os Estados Unidos.
As políticas, os procedimentos e as infraestruturas de moderação de conteúdos fora dos Estados Unidos nunca foram suficientes e nunca foram sérios, com exceção da Europa Ocidental. O Facebook, como qualquer outra empresa de media digital, presta especial atenção às exigências e às leis dos países em que opera. Por isso, não prestou muita atenção às exigências de moderação de conteúdos e de proteção dos utilizadores nas Filipinas. Nunca prestou atenção à proteção dos utilizadores na Índia ou no Paquistão, no Camboja, no Uzbequistão. Estes são locais onde uma tremenda propaganda flui através dos canais do Facebook sem ser mitigada.
No entanto, a questão dos Estados Unidos, neste sentido, é: O que é que Zuckerberg está a mudar? Zuckerberg está a desmantelar um sistema bastante elaborado e dispendioso, que funcionou para manter os nazis à distância e para limitar coisas como o assédio e garantir que a experiência do utilizador nos Estados Unidos não é horrível, da mesma forma que se encontra material horrível no X hoje, por exemplo. Ele foi contra isso.
E penso que é errado pensar nisto como uma cedência a Trump ou como um ajoelhar-se perante Trump. Na verdade, é exatamente o oposto. Nos Estados Unidos, o governo é subserviente às corporações, especialmente a esta corporação. Zuckerberg consegue sempre o que quer do governo dos Estados Unidos. Ele vê uma oportunidade de obter ainda mais do que quer da administração Trump, porque o que ele quer é ser capaz de ameaçar e vencer numa luta de poder contra Lula no Brasil, que propôs regulamentos muito fortes contra todas as empresas de redes sociais. Por isso, Zuckerberg preocupa-se mais com o Brasil do que com os Estados Unidos. O Brasil continua a ser um dos mercados de crescimento mais fervorosos e potencialmente importantes para o Meta. Zuckerberg está extremamente preocupado com o facto de os Estados Unidos poderem usar o seu poder para limitar a regulamentação também na Europa. Por isso, o que ele espera é que a política externa irascível, fora de controlo e imprevisível de Trump, que atira paus para todo o mundo, possa ajudar a limitar a vontade da Europa de regular o Facebook e a vontade do Brasil de regular o Facebook. O que está em causa é a oportunidade, não a subserviência. Ele está à espera que, mais uma vez, o governo dos EUA seja subserviente ao Facebook.
NERMEEN SHAIKH: Marc Owen Jones, se pudesse responder ao que a Meta disse que será a nova forma de moderação de conteúdos, esta ideia de notas da comunidade, que é o que está a funcionar no X de Elon Musk, e por que razão acha que esta decisão foi tomada agora, e qual será o efeito?
MARC OWEN JONES: Bem, penso que é muito claro que o sistema de Notas Comunitárias, que envolve basicamente um certo grupo de, no caso de X, uma espécie de verificadores de factos ungidos - não verificadores de factos, uma espécie de pessoas que comentam publicações virais para determinar se são verdadeiras ou não - é realmente problemático. Não funciona. E há uma série de razões pelas quais não funciona, porque, essencialmente, o resultado é que as pessoas não corrigem os factos, mas apenas publicam as suas opiniões como factos. Portanto, o que estamos a obter não é a verificação de factos ou, em teoria, a moderação de conteúdos; estamos a obter esta relativização da verdade, em que as pessoas simplesmente respondem a alguma informação de que discordam politicamente ou por qualquer outro motivo, e depois dizem o contrário. E assim, tudo o que se está a fazer é chegar a este tipo de situação em que já nem sequer se trata de factos verificáveis, mas apenas de apresentar uma opinião alternativa.
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Isto vai ser lançado, não sabemos bem ao certo, nas plataformas da Meta. Mas não vai funcionar. E, fundamentalmente, penso que há aqui outro ponto muito interessante. Em primeiro lugar, para Zuckerberg, o facto de abandonar o seu sistema de verificação de factos vai permitir-lhe poupar dinheiro. A ideia das Notas da Comunidade também vai, em teoria, aumentar o envolvimento, o que pode significar mais lucro para o Facebook.
Mas, fundamentalmente, o que vai fazer é criar um espaço no qual as pessoas se vão envolver em discussões cada vez mais controversas. E há um ponto muito importante que temos de ter em conta aqui, é que as Notas da Comunidade também implicam que há igualdade de condições no que diz respeito ao tipo de informação que é colocada no Facebook, certo? Não sabemos quais as mensagens que estão a ser promovidas, quais as mensagens que vão ser anotadas pela comunidade. Também sabemos que - e eu quero mesmo frisar este ponto - por vezes esta coisa das Notas da Comunidade é enquadrada como uma forma ascendente de liberdade de expressão que permite aos utilizadores participarem em debates. Não se trata de liberdade de expressão; trata-se do mercado livre da palavra. E a diferença é que o mercado livre da palavra permite que as pessoas com autoridade e influência tenham, de facto, uma voz mais alta do que outras, quer sejam anunciantes pagos ou os algoritmos do Facebook a decidir que informação é mais promovida e, por conseguinte, alvo de nota da comunidade.
E isso é muito importante, porque sabemos que, com o Facebook, toda esta conversa sobre liberdade de expressão é enganadora, porque o Facebook é conhecido, através dos seus testes, por promover conteúdos que são, entre aspas, “maus para o mundo”, o tipo de conteúdo que nos vai deixar zangados ou, potencialmente, a rir. Portanto, o Facebook está no negócio de modular as conversas públicas. E esta coisa das Notas da Comunidade é uma cortina de fumo para sugerir que o Facebook está realmente a permitir a liberdade de expressão e a verificação de factos pelos utilizadores. É um sistema que não vai funcionar e que só vai levar a uma maior polarização e ao enfraquecimento da democracia, poluindo o espaço de informação com desinformação ideológica.
AMY GOODMAN: Professor Vaidhyanathan, Zuckerberg disse no seu anúncio de quarta-feira que a Meta está a transferir as suas equipas de moderação de conteúdos de confiança e segurança da Califórnia para o Texas, uma medida que, segundo ele, “nos ajudará a ganhar confiança para fazer este trabalho em locais onde há menos preocupação com o preconceito das nossas equipas”. Isto acontece depois de as empresas Tesla e SpaceX, fundadas por Elon Musk, terem mudado o seu estado de constituição de Delaware para o Texas - gerido, claro, pela liderança republicana, do senador Ted Cruz ao governador do Texas. Falemos sobre o significado deste facto e, ao Meta estar cada vez mais MAGA.
SIVA VAIDHYANATHAN: É puramente simbólico. Não tem qualquer significado operacional. As pessoas que trabalham nesse domínio - e serão muito menos a partir daqui e isso é importante - não importa o sítio onde estão, são formadas da mesma maneira. Têm de seguir as mesmas regras. É um sistema muito estruturado de moderação de conteúdos.
A verdadeira questão aqui é que todos esses milhares de trabalhadores contratados, muitos dos quais estão em países de língua inglesa em todo o mundo, trabalhadores com baixos salários, em lugares como a Índia e as Filipinas, pessoas que foram submetidas a horas e horas de imagens e vídeos horríveis, mutilação de animais, abuso infantil, violência horrível, o seu destino é que, basicamente, ficarão sem empregos. Antes tinham empregos horríveis, mas esses contratos vão ser todos cancelados.
O pequeno grupo de trabalhadores nacionais do Facebook será transferido para o Texas - não sei exatamente o que ele quer dizer com isso. E é possível que nem chegue a concretizá-lo, não há razão para acreditar em nada do que ele disse. Ninguém o vai obrigar a isso. E não creio que signifique muito, exceto que foi um sinal simbólico para os republicanos de que isto é uma espécie de rebuçado para eles. Mas não creio que vá mudar a experiência do Facebook de forma significativa.
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O que realmente vai mudar a experiência do Facebook é o facto de as Notas da Comunidade falharem e de as nossas experiências no Facebook e no Instagram ficarem cheias de discurso de ódio quase imediatamente. Vai tornar-se profundamente desagradável. A verdadeira questão é: será que se vai tornar tão desagradável para os anunciantes que eles vão começar a insistir com a Meta? E se isso acontecer, porque esse é o único outro poder de compensação a funcionar neste sistema, então poderá haver outra correção a esta política. E não me surpreenderia que isso acontecesse. Zuckerberg não tem princípios sobre estes assuntos, exceto que o que é bom para o Facebook é bom para o mundo. E tudo o que ele faz decorre disso.
NERMEEN SHAIKH: Maria Ressa, como disse o Siva, podemos agora esperar que estas plataformas estejam cheias de discursos de ódio. Disse que vai fazer tudo o que for possível para, entre aspas, “garantir a integridade da informação”. Então, diga-nos, como é que acha que os indivíduos e as organizações noticiosas independentes como a sua podem garantir que há informação verdadeira e verificada disponível quando estes sites são inundados com desinformação?
MARIA RESSA: Bem, já está a acontecer, certo? Cory Doctorow cunhou a frase “a ‘merdificação’ [enshitification] da internet”. E, de facto, não sei se vocês viram o Jesus Camarão no Facebook, certo? Porcaria gerada por IA. E o Facebook diz que vai acrescentar mais disto.
Por isso, penso que o primeiro passo é fazer o que nós fizemos, que é colaborar, colaborar, colaborar. A forma como conseguimos assumir o centro do ecossistema de informação do Facebook foi criando algo a que chamámos #FactsFirstPH, uma colaboração de cerca de 150 grupos diferentes, uma pirâmide de quatro camadas. Na base estavam 60 organizações noticiosas a trabalhar em conjunto. As verificações de factos não se espalham tão depressa e tão longe como as mentiras misturadas com medo, raiva e ódio. Então, o que é que se faz? Bem, temos 60 grupos noticiosos a fazer verificações diárias dos factos. Mas a segunda camada é composta por grupos da sociedade civil, a igreja, grupos empresariais. Esse é o grupo que é essencialmente de distribuição. Chamámos-lhe a camada de rede. Organizámo-nos de modo a que cada pessoa destes grupos partilhe uma verificação de factos todos os dias, mas que a partilhe com emoção.
A terceira camada era constituída por parceiros académicos nossos. Demos-lhes um fluxo de verificação dos dados e, todas as semanas, os académicos - porque, mais uma vez, quem são os primeiros grupos a ser atacados? Tal como Mark Zuckerberg disse naquela citação, os jornalistas. Assim, como a credibilidade estava a recuar porque estamos sob constante ataque, a academia entrou em cena. E todas as semanas que antecederam as eleições de 2022, os académicos vieram e disseram às pessoas quais as narrativas Meta que estavam a ser semeadas, o que estava a tornar-se viral, qual o candidato que estava realmente a ganhar.
E, finalmente, a última camada é a dos advogados, seis grupos jurídicos diferentes - de esquerda, de direita e de centro - que protegiam o Estado de direito. Não se pode ter um Estado de direito sem integridade dos factos. E apenas três ou quatro dias antes das nossas eleições, tomámos conta do centro do ecossistema de informação do Facebook.
Mas aqui está o problema. É que para ter factos, é preciso trabalhar quatro vezes, cinco vezes mais e colaborar mais. Esta é uma solução provisória. A solução a longo prazo, claro, está nas mãos do outro grupo que abdicou da responsabilidade de proteger o público: os governos democráticos que não conseguiram construir uma estrutura tecnológica pública. Não se trata de uma questão de liberdade de expressão. No fim de contas, o Facebook anda atrás de poder e dinheiro. E o Presidente Trump deu a sua bênção. Mark Zuckerberg sente-se agora mais confortável. O capitalismo de vigilância, sem controlo, vai trazer mais dinheiro ao Facebook, uma empresa que faz mais de 300 mil milhões de dólares por ano à custa da segurança das pessoas na plataforma.
Transcrição da entrevista no programa Democracy Now de 9 de janeiro de 2025. Tradução de Luís Branco para o Esquerda.net.