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Vila Galé: grupo hoteleiro português quer construir hotel de luxo em terras indígenas

O segundo maior grupo hoteleiro português já anuncia no seu site o hotel de luxo que quer construir do sul da Bahia, Brasil. Só que a terra pertence aos índios Tupinambá. O Intercept mostra como um organismo de Estado, a Embratur, pressiona a Fundação Nacional do Índio para parar processo de demarcação da reserva indígena.
Índios Tupinambá de Olivença. Foto Funai.
Índios Tupinambá de Olivença. Foto Funai.

Os mais de 4600 índios Tupinambá de Olivença lutam há anos pela constituição de uma reserva no seu território tradicional. O processo seguia uma tramitação demasiado lenta, do ponto de vista deste povo com a primeira fase a concluída desde 2009. Tinham já sido aprovados os estudos antropológicos, históricos, cartográficos e ambientais que provam a pertença daquela terra aos indígenas. Travou a partir de 2016 e dependia agora de uma assinatura de Sérgio Moro, ministro da Justiça brasileiro.

Tudo se complicou ainda mais com os interesses da indústria turística sobre as terras do índios. Segundo o The Intercept revelou esta segunda-feira, em julho último um organismo pertencente ao Ministério do Turismo, a Embratur, tratou de fazer pressão junto da Funai, Fundação Nacional do Índio de modo a travar a constituição da reserva, em nome da construção de um hotel luxo. O grupo português Vila Galé mostrou-se interessado em ocupar o território indígena para fazer um resorte de 476 apartamentos e mais de mil camas e o governo brasileiro pressiona em nome do seu interesse.

A reporter Amanda Audi escreve que “é a primeira vez, pelo menos desde a Constituição de 1988, que um órgão federal faz 'lobby' sobre outro – e o regista num documento oficial do Governo – para entregar à iniciativa privada uma área indígena, também ela registada num documento oficial do executivo”. Uma vez que neste se lê claramente “Desta forma, a Embratur vem à presença de vossa Senhoria [Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai] manifestar o seu interesse no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de Una e Ilhéus, Estado da Bahia. (…) Rogamos o fundamental e imprescindível apoio para a viabilização deste importante polo turístico”.

Para além do pedido escrito, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, descrito como amigo de Jair Bolsonaro, sublinhou num vídeo publicado no facebook que o projeto “conta com o apoio do governo federal.”

O Grupo Vila Galé terá assinado como o Estado da Bahia e a Prefeitura de Una um protocolo de investimento que ronda os 45 milhões de euros.

Pelo menos desde 1680, quando os missionários jesuítas fundaram uma aldeia perto de Olivença que este povo habita nos 470 quilómetros em causa. Agora esta área poderá passar a integrar o projeto Revive, um programa do governo brasileiro que pretende concessionar zonas públicas a empresas privadas.

Resistência indígena

O Vila Galé anuncia já no seu site que o empreendimento estará pronto em 2012. Segundo o Intercept, apesar de ainda nada ter sido decidido oficialmente, elementos ligados à empresa terão estado na zona para marcar a área onde pretende fazer o empreendimento. Mas os índios resistem na defesa da sua terra e trataram de ocupar a zona onde estes trabalhos estava a acontecer, parando as obras.

O Cacique Valdenilson Oliveira, um dos líderes locais, explicou ao Intercept as pressões a que estão ser sujeitos: “eles falam “aqui é área do hotel, você vai ter que sair daqui”, “vocês não pertencem a esse lugar”, “vocês não são índios, vocês ficam se pintando pra dizer que são índios.” Para além disso já ofereceram empregos aos índios tentando aliciá-los para o seu lado e tentam virar a comunidade contra eles.

Outro dos líderes da contestação conta uma história ainda mais grave. Em fevereiro passado, o Cacique Babau pediu proteção policial alegando ter tido conhecimento de um plano de fazendeiros para o assassinar e incriminarem os índios de tráfico de droga. Nos últimos anos, este líder foi preso quatro vezes acusado de invasão de terras que os tupinambás não vêm reconhecidas como suas.

Os Tupinambá de Olivença sobrevivem da terra que é agora cobiçada pelo grupo Vila Galé. Para além disso, esta é também local sagrado. Nele residem os “encantados”, seres que fazem parte da sua religião.

Uma história de sofrimento

A janeiro deste ano, alguns dos índios escreveram uma carta a explicar a sua história e a reivindicar medidas para defender o seu povo. Aí contam como foram declarados inimigos da coroa portuguesa quando os portugueses chegaram a São Jorge dos Ilhéus, como foram escravizados para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar, como se rebelaram e sofreram um massacre em 1559 e como foram depois aprisionados no aldeamento dos jesuítas de Nossa Senhora da Escada.

Contam ainda como brevemente tiveram direitos em 1758 quando foi criada a Câmara de Olivença que foi até presidida por um indígena mas esta foi terminada e uma revolta estalou. A história de perseguições e de retirada de terras continua com os fazendeiros a apropriarem-se das zonas dos índios. E a violência não é só história antiga: em 2008, denunciam, a sua aldeia foi atacada por 180 policias altamente armados. Em 2009, cinco índios torturados pela polícia com choque elétricos. Entre 2013 e 2014, o governo ocupa zonas dos índios e cria “bases militares dentro de nossa terra, para tentar nos coagir”. E “de lá para cá, mais de 30 índios foram assassinados e ninguém foi preso”.

Dizendo que nunca foram de outro lugar e que “ninguém nunca governou e nem vai governar os Tupinambá da Serra do Padeiro” exijiam então direitos e manifestavam-se contra Bolsonaro que dizia que não iria “demarcar nenhum centímetro de terra indígena” e “que as terras indígenas demarcadas serão revistas e abertas para exploração de terceiros”. O que consideraram ser um decreto de morte sobre o seu povo.

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