Fascismo

A verdadeira face da juventude de Meloni

27 de junho 2024 - 17:10

Uma jornalista infiltrou-se na Juventude Nacional, o movimento de juventude do partido da primeira-ministra italiana, e mostra uma realidade de fascismo, antisemitismo e homofobia bem longe das tentativas de mostrar uma imagem de moderação.

PARTILHAR
Ilustração do Backstair do Fanpage.it.
Ilustração do Backstair do Fanpage.it.

Jornalistas da Backstair, a unidade de investigações da página Fanpage.it, infiltraram-se na Juventude Nacional, o movimento juvenil dos Irmãos de Itália, o partido da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni. Aí descobriram uma realidade de apoio sem meias tintas ao fascismo, longe da imagem de “moderação” que vários dos dirigentes do partido de extrema-direita no poder tentam agora transmitir a bem das aparências.

A primeira das video-reportagens, intitulada Juventude Meloniana revela como se forma “a futura classe dominante dos Irmãos da Itália”, no meio de “hinos ao fascismo, medo da imprensa, apologia ao terrorismo de extrema-direita e insultos a negros e homossexuais”. Encontram-se os dirigentes juvenis do partido de Meloni em concertos de extrema-direita, até nas próprias sedes da organização, de braço estendido, a fazer a “saudação romana” fascista, a saudar-se com o aperto de mão “gladiador”, outro símbolo do mesmo movimento, a gritar pelo “Duce” (Mussolini) e mesmo “Sieg Heil”, o apelo nazi. Nas conversas longe dos palcos da política oficial e dos microfones, admitem claramente serem fascistas.

Para conseguir acesso a tudo isto, uma jornalista juntou-se à Juventude Nacional, começando antes a participar de eventos do Nazione futura, um think tank ultra-conservador e passando a escrever para a revista deste. Depois aproximou-se do círculo dirigente da organização juvenil fundada em 2014 e que reivindica ter milhares de militantes e de elementos como Piermarco Silvestroni, filho de um senador histórico do partido, Andrea Piepoli, dirigente nacional, e Flaminia Pace, estrela em ascensão na organização.

Foi esta, fundadora da Casa Itália, conselheira nacional da juventude, que a jornalista acompanhou mais de perto. Em privado, diz querer votar “três vezes Duce” nas europeias e autoriza os militantes do grupo a escrever o tradicional slogan de extrema-direita “morte aos cobardes” para cobrir palavras de ordem antifascistas. Aos militantes do seu grupo explica como se usa o dinheiro público consignado ao “serviço cívico” que supostamente a Casa Itália prestaria: “o que precisamos fazer para fazer serviço público? Nada. Dos 500 euros, aprecia-se uma boa oferta” para os cofres da organização.

Nesta “comunidade militante” juntam-se dezenas de jovens que partilham insultos homofóbicos, comentários racistas e que de noite colam cartazes e autocolantes fascistas não assinados pela organização.

As diretrizes para mostrar “um rosto mais moderado quando participam em eventos institucionais” são claras mas, diz-se na reportagem, enfrentam resistência: “entre as recomendações que os jovens militantes não aceitam de bom grado está a de não responder às provocações com violência”.

Este rosto moderado e oficial mostra-se em eventos como o Atreju, o grande festival dos jovens dos Irmãos de Itália. Já o rosto verdadeiro não passa só pelos jovens exaltados recém-chegados ao partido, mas pela sua elite. A jornalista encontrou-o num evento secreto na secção de Colle Oppio, no qual entrou graças a um convite especial de Patrizio Silvestroni, o outro filho de Marco. É aí que, antes de entrar, lhe explicam as regras que passam pela proibição de fotografar ou gravar vídeos. Uma das razões é que aí tocará a banda de extrema-direita Aurora, cujas letras estão cheias de alusões fascistas. A outra é que aí os militantes da juventude partidária fazem a saudação romana. Não é uma vez sem exemplo, a mesma banda atuou na inauguração da Casa Itália onde participaram vários deputados do partido que trocam o “cumprimento do gladiador” e aí também se grita pelo Duce e se estende o braço no ar.

O mesmo é confirmado pelo acampamento comunitário dos jovens seguidores de Meloni: “ao cair da noite, o grupo de militantes com os seus líderes reúne-se em torno de uma fogueira, e canta músicas do tempo do regime de Mussolini em que se definem como “fascistas”, “camisas negras”, “camaradas de Mussolini” e gritam no topo de seus pulmões " Duce” e “Sieg Heil!”, sem medo de causar constrangimento, pois assim que retornarem a Roma, continuarão a manter a sua natureza sob controle”.

No seguimento desta reportagem, dirigentes do partido de extrema-direita multiplicaram-se em tentativas de mostrar que a realidade da sua juventude não era bem assim e houve demissões dentro da estrutura. Mas uma segunda parte, desencadeada pelo desejo de muitos ex-militantes de contarem aquilo que viveram dentro do movimento confirma o quadro. De acordo com os jornalistas, “insultos antissemitas, ódio racial e homofobia” são “os aspetos mais sombrios que emergem” e os protagonistas “são sempre os militantes mais destacados da Juventude Nacional, que ao longo dos anos colaboraram, ou ainda colaboram, com os principais dirigentes como o subsecretário da Saúde Marcello Gemmato, a deputada Ylenja Lucaselli e dirigente nacional da organização Giovanni Donzelli.

Ex-militantes contam que esperavam encontrar um espaço bem mais moderado, aquele do rosto oficial da organização, mas depararam-se com “um fechamento total” que faz as pessoas “conformarem-se com uma linguagem violenta se não quiserem ser marginalizadas” e “quanto mais nos adaptamos, mais radicalizados ficamos”, conta um deles.

Sempre à margem dos acontecimentos oficiais, os relatos de diversas testemunhas são confluentes. Falam de insultos antissemitas por parte de quem é oficialmente a favor de Israel mas depoiis diz que os judeus são uma raça que “vive à custa do Holocausto”. Uma dirigente de Bari fala nos “judeus infames”, definindo-os como deficientes.

Os relatos falam ainda em partilhas de imagens de Hitler e Mussolini, de selfies com as estátuas de cera do Duce e do Führer, de trocas de mensagens racistas por exemplo sobre “negros que fedem porque em África não estão acostumados com água”.

Os comentários ofensivos são descritos como “frequentes” como os de repulsa à comunidade LGBTQI+, referida como “nojenta”.

Outra das citadas é mais uma das jovens promessas do partido, Elisa Segnini Bocchia di San Lorenzo, membro da Aristocracia Europa, associação monárquica tradicionalista com posições pró-Rússia, e assessora parlamentar. Em privado afirma que “nunca deixei de ser racista ou fascista, por isso não se preocupe, os negros e os comunistas estão sempre no meu saco”.