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Várias vozes da esquerda russa levantam-se contra a guerra

Um grupo juntando pessoas de organizações diferentes criou uma Mesa Anti-Guerra das Forças Russas de Esquerda e fez um manifesto conjunto. Vários outros movimentos tomaram posições independentemente. E no Partido Comunista russo as fissuras começaram a surgir.
Ativista do Movimento Socialista Russo em São Petersburgo. Foto de Facebook deste grupo.
Ativista do Movimento Socialista Russo em São Petersburgo. Foto de Facebook deste grupo.

Vários membros de diversos partidos e movimentos da esquerda russa responderam à invasão da Ucrânia com a apresentação de uma declaração em nome da Mesa Anti-Guerra das Forças Russas de Esquerda. Condenam a invasão “pois isso levará à morte de milhares de pessoas de ambos os lados” e porque “a situação económica dos trabalhadores de ambos os países se agravará”. Consideram que esta “é apenas uma satisfação das ambições pouco saudáveis de política externa de um círculo restrito de pessoas na liderança do país, bem como uma forma de distrair a atenção das falhas do governo russo na política interna”.

Exigem assim o fim da “agressão contra o povo irmão ucraniano" e dizem que “se o governo existente não for capaz de proporcionar paz aos povos, então o caminho para isso será através de uma mudança radical deste governo e de todo o sistema sócio-político”.

Os primeiros signatários são Evgeny Stupin (do Partido Comunista da Federação Russa), Boris Kagarlitsky (da Rabkor), o sociólogo Grigory Yudin, Mikhail Lobanov (Sindicato de Solidariedade Universitária), Kirill Medvedev (Movimento Socialista Russo), Alexey Sakhnin (jornalista, ex-membro da “Frente Esquerda”), Nikita Arkin (Movimento Socialista de Esquerda), V. Avramchuk (Partido Revolucionário dos Trabalhadores), Sergey Tsukasov (Mundep Ostankino) e Elmar Rustamov (Labor Russia).

Outras posições da esquerda anti-guerra

Para além desta iniciativa conjunta, tem havido outras posições independentes de organizações da esquerda russa contra a guerra. Lutz Brangsch, na página da Fundação Rosa Luxemburgo, identifica algumas delas. O Bloco de Esquerda russo afirma claramente que a Federação Russa é o agressor e que não há lados bons nas guerras imperialistas. O que se passa é a instrumentalização do sofrimento humano como ferramenta política das oligarquias.

Já a plataforma Esquerda Alternativa apela a uma “Ucrânia independente e a uma Rússia livre” sendo que, para a organização, apenas “uma mobilização nacional russa anti-guerra” a pode travar.

A Ação Autónoma não só apela a estas mesmas manifestações, que já levaram à prisão de milhares de pessoas, como à assinatura da petição contra a guerra que o ativista dos direitos humanos Lev Ponomarev lançou e que conta já com mais de um milhão de assinaturas.

Outra parte da esquerda russa anti-guerra é o Movimento Socialista Russo, que tem tomado várias posições nesse sentido. Uma das iniciativas passa por apelar aos membros do Partido Comunista da Federação Russa para formar um bloco anti-governamental e anti-guerra. Questiona-se assim se queremos que “as nossas irmãs e irmãos morram nas trincheiras enquanto que os Zyuganovs [o líder do PCFR] e os Taysayevs [o secretário-geral] se sentam confortavelmente nos seus lugares na Duma?”

Divisão no PC russo

Zyuganov, que é a figura mais destacada do PCFR há cerca de 30 anos, impôs ao partido uma linha nacionalista e ultra-conservadora. Já tinha apoiado a anexação da Crimeia e agora voltou a apoiar a invasão da Ucrânia. Mas, nos últimos dias, vários elementos do partido manifestaram-se contra esta posição. O Brasil de Fato, por exemplo, dá conta de uma carta assinada por 12 deputados do partido, e divulgada na rede social russa "Vkontakte" que defende que "a invasão militar agressiva e catastrófica da Ucrânia seja interrompida".

Para além dos membros do PCFR, também há aderentes do Komsomol Leninista da Federação Russa que se juntam ao apelo. Os signatários manifestam-se pelo “direito legítimo dos povos à autodeterminação” e postulam que a guerra "traz apenas destruição, desastre económico e morte”, semeando "discórdia e ódio mútuo entre os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia". Manifestam-se “contra o fascismo tanto na Ucrânia quanto na Rússia” e, assim, dizem não acreditar “na retórica de que o regime anti-comunista e antidemocrático raivoso de Putin posse libertar o povo da Ucrânia dos bandos nazis. Em vez disso, ele estará pronto para substituir os fascistas 'estrangeiros' pelos 'seus próprios'.”

Os russos não querem esta guerra”

Ilya Matveev, fundador do Openleft.ru e membro do grupo de investigação do Laboratório de Sociologia Pública, e Ilya Budraitskis, escritor de esquerda, são mais duas figuras de esquerda que se posicionaram contra a invasão de Putin. Assinam na Jacobin um texto intitulado “os russos não querem esta guerra” no qual apelam à esquerda mundial que se una à volta de palavra de ordem “não à invasão russa na Ucrânia”.

Os intelectuais consideram que o discurso que justificou a guerra “representou, sem dissimulações, a linguagem do imperialismo e do colonialismo” que tornou evidente “o desdém à Ucrânia e o desejo de puni-la” por parte do regime de Putin. Alerta que “desde a prisão de Alexei Navalny em janeiro de 2021, a polícia e os serviços de segurança destruíram a oposição organizada na Rússia”, tendo prendido milhares de pessoas e atacado movimentos classificando-os como “agentes estrangeiros”.

Apesar da repressão, “um sinal tranquilizador é que não existe um claro apoio a guerra por parte da sociedade russa”. Por isso, “a invasão da Ucrânia refuta a conhecida teoria de que a agressão externa do Kremlin visa sustentar sua legitimidade interna. Pelo contrário: essa guerra pode desestabilizar o regime russo e até ameaçar a sua sobrevivência.”

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