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“UE não tem competência para proteger direitos, mas tem competência para os destruir”

No debate “Justiça económica, pleno emprego e trabalho com direitos” discutiu-se a contradição da União Europeia na definição das políticas laborais. Os intervenientes sublinharam a necessidade de proteger os direitos laborais e erradicar a precariedade.
Foto de Pedro Faria

Neste painel de debate no âmbito da contra-cimeira "STOP Pobreza, STOP Precariedade", esta sexta-feira no Porto, o eurodeputado do Bloco, José Gusmão fez uma revisão das políticas europeias relacionadas com o mercado de trabalho e sublinhou na sua intervenção a “contradição permanente” que se vive atualmente na União Europeia nas políticas relacionadas com o direito do trabalho.

“Sempre que se discute a possibilidade de salvaguardar direitos, de criar patamares mínimos de protecção laboral e social na União Europeia, o que é dito é que isso não é uma competência da União, isso é uma competência dos Estados membros”. Por outro lado, explica o eurodeputado, “sempre que é necessário ter, no plano nacional, políticas de desmantelamento desses direitos, de enfraquecimento de serviços públicos e de níveis de proteção salarial, a Comissão Europeia intervém através de várias políticas estruturais que estão ao seu alcance”.

Esta contradição, que em resumo significa que a “União Europeia não tem competência para proteger direitos sociais e direitos do trabalho, mas tem competência para os destruir”, é o percurso a que temos assistido desde há muito tempo.

Para José Gusmão, esta circunstância coloca um desafio à esquerda na União Europeia com a possibilidade de optar por dois caminhos futuros: ou se opta por uma europeização destas competências, criando patamares mínimos, ou para uma segunda possibilidade, que é de impedir que a União “estrague” os patamares mínimos que já existem nos países europeus. O eurodeputado defende que a segunda opção é o melhor caminho.

“A precariedade é uma forma de vida que ser quer impor”

Rafael Mayoral, porta-voz do Podemos, esteve presente na contra-cimeira de forma on-line e acrescentou ao debate elementos sobre a definição do conceito de precariedade. Para o deputado madrileno, a precariedade que sempre esteve relacionada com a instabilidade laboral deve ser um conceito alargado, para incluir os seus impactos na “eficiência das empresas”.  

Mayoral defendeu que a precariedade tem provocado uma perda de eficiência nas empresas e que isto é um “falhanço do modelo neoliberal”. Atualmente este modelo tem-se vindo a radicalizar, através da uberização, tendo por base três eixos: evasão fiscal, não reconhecimento dos direitos laborais, tornando a relação laboral numa relação comercial, e a precarização da relação entre os consumidores e as empresas.

Continuando a alargar o conceito de precariedade, o deputado, que define a precariedade como “uma forma de vida que se quer impor às maiorias sociais”, sublinha que, além da esfera laboral, esta instabilidade afeta também o acesso à habitação, como o acesso à educação, ou à saúde, ou a outros serviços essenciais para a cidadania. Em síntese, a precariedade coloca em causa a própria democracia, pois limita o acesso dos cidadãos aos elementos de uma vida digna.

“Só há emprego se houver investimento”

Manuel Carvalho da Silva centrou a sua intervenção no questionamento das grandes metas apresentadas pela União Europeia. Uma delas tem como objetivo o aumento da taxa de emprego para 78%. Para o ex-secretário geral da CGTP, tendo em conta o atual nível de investimento, o desenho da prometida “bazuca” europeia, e uma política de “poupadinhos”, a tendência é um agravamento das condições de desenvolvimento do emprego.

Além disso, Manuel Carvalho da Silva sublinha que “não é possível criar emprego com políticas que substituem salário por crédito”, sendo esta a política salarial que tem vindo a ser seguida, nomeadamente em Portugal.

Sobre o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, apresentado recentemente pelo Governo, Carvalho da Silva espera que exista mais “polemização em torno dele”, nomeadamente sobre o facto de este livro dar mais realce aos “nómadas digitais” do que às centenas e centenas de milhares trabalhadores que ganham “muito pouco”.

“Gostaria de ver a precariedade erradicada”

Nélson Silva, membro da Comissão de Trabalhadores da RTP e do Conselho Nacional da CGTP, começou por explicar, com um exemplo relacionado com a integração de 270 trabalhadores no quadro da televisão pública, a necessidade de estabilidade laboral na vida dos trabalhadores. O sindicalista revelou que muitos destes seus colegas estão agora de licença de paternidade, ou seja, “puderam finalmente projectar as suas vidas”.

“A estabilidade laboral traz-nos o presente com a possibilidade de pensar o futuro, um precário tenta sobreviver no presente e não tem possibilidade de pensar o futuro”.

O trabalhador da RTP, que está envolvido na atividade sindical dentro da empresa e acompanhou a integração dos precários durante o PREVPAP, apontou alguns caminhos para as organizações representativas de trabalhadores. Nélson Silva reforçou a necessidade destas organizações “olharem para as novas formas de comunicação”, não esquecerem os “trabalhadores precários”, terem uma política de “proximidade”, e de “pluralidade”, não se deixando “fechar numa única visão política ou social”.

No final da sua intervenção afirmou que “gostaria de ver a precariedade erradicada”. Na RTP já conseguiram chegar aos 10% de trabalhadores precários, mas irá continuar a lutar para que todos possam ter um contrato de trabalho digno.

“Sem mobilização não se ganha nenhuma luta”

A última apresentação deste painel coube à eurodeputada Ana Miranda, porta-voz europeia do Bloco Nacionalista Galego. A eurodeputada disse na sua intervenção que, para a União Europeia, a política social é considerada “um custo” que tem sempre de “gerar benefícios” e que as instituições europeias fomentam políticas que precarizam.

Na sua intervenção sublinhou ainda que “neste momento é importantíssimo fazer lutas coletivas” com “objetivos claros de mudança” e deixou muito claro que “sem mobilização não se ganha nenhuma luta” seja nos parlamentos ou nas ruas.

 

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