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Tigray: exército etíope abandona capital da região

Vários massacres e dois milhões de refugiados depois do início do conflito, a Frente de Libertação do Povo do Tigray volta a controlar Mekele e o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo unilateral.
Celebração do 40º aniversário do TPLF em 2015. Foto de Paul Kagame/Flickr.
Celebração do 40º aniversário do TPLF em 2015. Foto de Paul Kagame/Flickr.

Alguns dos principais órgãos de comunicação internacionais davam a guerra civil na região do Tigray, na Etiópia, por decidida seguindo a narrativa oficial. Em novembro passado, a Frente de Libertação, que governava a zona há vários anos, e o governo etíope tinham travado duras batalhas durante seis semanas que resultaram na expulsão dos rebeldes dos seus principais redutos, em vários massacres de civis, no disseminar da fome e em dois milhões de refugiados. No decorrer do conflito, o exército etíope passou a contar com o apoio do da Eritreia.

Esta segunda-feira, chegou a notícia de uma reviravolta importante. A Frente de Libertação do Povo do Tigray (TPLF) tomou Mekele, capital da região, com o governo provisório entretanto nomeado a abandonar a zona, os soldados etíopes a sair da sua base e o governo a decretar à noite um “cessar-fogo unilateral e incondicional” que durará “até ao fim da época das colheitas” em setembro. Oficialmente para que “os agricultores possam cultivar pacificamente, a ajuda humanitária possa ser distribuída sem a interferência de qualquer atividade militar e as forças residuais da Frente de Libertação do Povo do Tigray possam retomar o caminho da paz”.

Na semana passada os primeiros indícios de uma mudança na situação voltaram a ser notícia nos principais meios de comunicação social. Face a um avanço do TPLF, o governo tinha lançado um ataque aéreo que atingiu um mercado em Togoga, causando a morte a mais de 60 pessoas, muitos deles civis.

Antes de saírem, segundo a RFI, os soldados do exército nacional da Etiópia confiscaram os telefones satélite da Unicef. Henrietta Fore, diretora executiva da organização, condenou o sucedido, lembrando que “este ato viola os privilégios e imunidades das Nações Unidas e as regras do direito internacional humanitário”.

A Reuters cita testemunhas no local que indicam que houve festejos nas ruas e lançamento de fogo de artifício depois da entrada do TPLF em Mekele.

TPLF: da guerrilha ao Governo e de volta à guerrilha

O conflito de novembro começou com a acusação de que o TPLF, que estava então no governo do Tigray, tinha atacado várias bases do governo. O exército etíope avançou então para expulsar os rebeldes. Mas a história do grupo é muito mais antiga.

O TPLF é não só um grupo étnico regional como foi o partido dominante da Etiópia durante décadas. Originalmente um grupo que se identificava como marxista-leninista, foi uma das principais forças militares que se opuseram ao Derg, o Governo Militar Provisório da Etiópia Socialista, que tinha derrubado o imperador Haile Selassie e governou em seguida o país desde 1974 até 1991. A guerra civil anterior durou 15 anos e o TPLF esteve do lado das forças vencedoras, assumindo por sua vez o poder até 2019 no âmbito da Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, que juntava ainda o Partido Democrático Amhara, o Partido Democrático Oromo e Movimento Democrático do Povo do Sul da Etiópia. Com cem mil membros organizados nos inícios dos anos 1990, era de longe o maior destes partidos e aquele que tinha o grupo militar mais organizado. No caminho para o poder e no contexto da queda do bloco soviético, abandonou todas as referências ao marxismo.

Em novembro de 2019, o primeiro-ministro Abiy Ahmed, da Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, criou um novo partido, o Partido da Prosperidade, que o TPLF não integrou. Os conflitos entre as partes aumentaram.

O TPLF quis fazer eleições regionais no Tigray mas o órgão eleitoral nacional recusou devido à pandemia. Em setembro de 2020, estas acabaram por se realizar sem reconhecimento governamental. Um mês depois, a guerra civil voltou à Etiópia.

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