Porque razão Donald Trump despediu James Comey? Continua a ser questão central que define a importância política do testemunho do ex-diretor do FBI. A resposta – que será totalmente definida pelo debate político, mais do que o legal – irá ter sempre consequências no futuro da presidência de Trump.
A tese de James Comey, avançada primeiro na sua “nota” e agora reforçada no testemunho desta quinta-feira perante o Senado dos EUA, sustenta que Trump o despediu devido à investigação sobre as relações com a Rússia, a começar pela investigação a Michael Flynn.
“Tomo a palavra do Presidente de forma literal – fui despedido por causa da investigação à Rússia. Alguma coisa a ver com a forma como liderei a investigação, achava o Presidente, criou pressão que ele pretendia extinguir”, disse Comey.
O Presidente dos Estados Unidos da América não articulou ainda uma justificação credível para o afastamento de Comey no início de maio. Na justificação oficial, redigida pelo procurador-geral Jeff Sessions, Comey era acusado de incompetẽncia e negligência na conduta da investigação aos e-mails a Hillary Clinton, uma tese que poucos dias depois o próprio Donald Trump viria a contrariar numa entrevista pública onde afirmou que “eu teria despedido James Comey fosse de que forma fosse”.
As questões lançadas pelos senadores do partido democrata centraram-se por isso na confirmação de uma intenção de Trump em impedir o FBI de investigar a sua administração, o que constituiria objetivamente uma obstrução de justiça e, em última análise, um caso suficientemente forte para provocar a demissão forçada de Donald Trump.
Do lado republicano, a resposta dos advogados de Donald Trump foi contraditória: por um lado, argumentaram que o testemunho de Comey ilibava Donald Trump e, simultaneamente, que o ex-diretor do FBI era um mentiroso compulsivo.
Mais do que os senadores republicanos que questionaram Comey na audição pública, foi Marc Kasowitz, advogado pessoal de Donald Trump, quem definiu a linha política de defesa de Donald Trump: descredibilização de James Comey.
Na audição de quinta-feira, Comey afirmou que teria dado a informação da sua nota com o registo do encontro com Trump a um amigo, professor da Universidade de Columbia (Nova Iorque) como reação à ameaça de Donald Trump sobre possíveis gravações das conversas entre os dois. “Julguei que era necessário colocar aquela informação na praça pública. Por isso pedi a um amigo para partilhar o conteúdo da nota a um jornalista”.
É com base nesta declaração que Kasowitz anunciou esta sexta-feira que irá apresentar uma queixa no Departamento de Justiça contra James Comey, acusando-o de disseminar informação de forma ilegal. No entanto, uma queixa contra um ex-funcionário de estado do Departamento de Justiça não tem mais consequências do que um aviso a ser colocado no currículo do acusado, a ser considerada se o indivíduo pretender voltar a trabalhar para a mesma instituição.
O ataque de Marc Kasowitz pretende antes definir James Comey no debate público como um “mentiroso” sem credibilidade. Numa conferência de imprensa ao final do dia de quinta-feira, Kasowitz refutou a interpretação de Comey das palavras de Donald Trump: “O testemunho de James Comey deixa claro que o Presidente nunca pretendeu impedir a investigação a tentativas de interferência Russa nas eleições de 2016”. Além disso, “o Presidente nunca, na forma ou conteúdo, dirigiu ou sugeriu que James Comey parasse de investigar quem quer que fosse”, incluindo Michael Flynn.
E sobre as palavras “Eu preciso de lealdade, eu espero lealdade”, Kasowitz afirma que “Ele [Trump] nunca o disse na forma e nunca o disse na substância”, ou seja, não o definiu como uma ordem ao diretor do FBI.
A defesa de Trump assume todas as palavras dos diálogos com James Comey, antes retrata-as como benignas e desprovidas de intenção maliciosa. Mas o despedimento de Comey contraria esta narrativa, dando força e credibilidade ao testemunho de James Comey. De Donald Trump não estava, à data de 30 de março, sob investigação por relações com a Rússia (algo que Comey mais uma vez confirmou), as suas ações posteriores e o testemunho do ex-diretor do FBI colocaram-no exposto a um possível processo de obstrução de justiça.