O Supremo Tribunal da Namíbia decidiu esta sexta-feira que “o crime de sodomia é declarado inconstitucional e inválido” assim como os chamados “delitos de sexo não natural”. A mais alta instância judicial deste país do sul de África justificou a decisão por “não estar convencida de que, numa sociedade democrática como a nossa (...) seja razoavelmente justificável considerar uma atividade como criminosa simplesmente porque alguns, ou talvez a maioria dos cidadãos, não a aceitam”.
A lei em causa tinha entrado em vigor em 1927, numa altura em que a Namíbia era controlada pela África do Sul. Com a independência, em 1990, não foi revogada.
O contraste na reação à decisão entre Governo e ativistas foi evidente. Enquanto o Ministério da Justiça, por intermédio da sua representante, Gladice Pickering, fez saber à AFP que o governo estava a estudar a decisão e que não tinha nenhum comentário, ativistas da causa LGBTI+ receberam-na em festa.
Não é a primeira vez que Supremo e maioria política andam de costas viradas sobre esta questão. Em maio do ano passado, o órgão judicial tinha decidido o reconhecimento de algumas uniões entre pessoas do mesmo sexo contraídas no estrangeiro. A maioria parlamentar reagiu e, em julho, aprovou uma lei a proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tenha sido celebrado no país ou fora. Esta aguarda ainda promulgação pelo presidente.
Num país de maioria conservadora e com uma intolerância crescente na região, a sentença foi sentida como uma balão de oxigénio para muitos. O Equal Namibia mostrou as imagens dessa festa onde se passavam mensagens como “descolonizem a minha sexualidade” ou “tirem a lei da minha vida amorosa”. Mas há igualmente a consciência de que os setores conservadores vão ripostar. Omar van Reenen, desta organização, afirma: “não estávamos preocupados com o facto de ganharmos ou perdermos, mas com a reação dos líderes políticos… e dos extremistas religiosos”.
Já Friedel Dausab, o autor da ação que foi apoiado judicial pelo Human Dignity Trust, declarou que “graças a esta decisão, não me sinto mais tratado como um criminoso no meu próprio país, simplesmente por ser quem eu sou”, considerado ser “um dia maravilhoso para a nossa democracia, o nosso país e a nossa Constituição”. Aquela entidade diz que se trata de um “marco” na luta contra a discriminação e que “a comunidade LGBTQIA+ na Namíbia pode agora esperar por um futuro melhor”. Procura-se agora a anulação de todas as condenações que foram feitas ao abrigo desta lei.
A Amnistia Internacional, em comunicado, salientou que o país, de maioria cristã, tem visto sofrido “uma forte reação anti-LGBTQIA+” impulsionada “principalmente por crenças e líderes religiosos”. O grupo de defesa dos direitos humanos considera que “as autoridades devem garantir a segurança das pessoas LGBTQIA+ na Namíbia e responsabilizar qualquer pessoa que viole os seus direitos”.
Também o UNAIDS, programa das Nações Unidas para o HIV/SIDA, através da sua diretora regional para a África Oriental e Austral afirma tratar-se de uma “vitória significativa” e “um passo fundamental para uma Namíbia mais inclusiva”.