SOS Racismo: “A justiça acaba de legitimar um nazi”

19 de março 2022 - 23:17

A associação anti-racista contesta a decisão do tribunal que aceitou o pedido do neonazi Mário Machado para levantar a medida de coação a que está sujeito, e assim poder ir para a Ucrânia. Ministério Público vai recorrer da decisão.

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Mário Machado. Foto de Miguel A. Lopes/Lusa

O neonazi Mário Machado requereu o levantamento da medida de coação que o obrigava a apresentar-se na esquadra de policia da zona de residência por ser arguido e indiciado por um crime de detenção de arma proibida desde novembro do ano passado. A razão do pedido foi a intenção de “ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária e, se necessário, combater ao lado das tropas ucranianas". E a juíza Catarina Vasco Pires aceitou o pedido, invocando “a situação humanitária vivida na Ucrânia e as finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão”, numa decisão que está a ser alvo de um coro de críticas dentro e fora dos meios judiciais.

Em comunicado, a associação SOS Racismo repudia a decisão e refere que Mário Machado “é um nazi assumido. Está literalmente tatuado no seu corpo e presente no seu discurso, no seu passado e no seu cadastro”, que conta com condenações a mais de dez anos de prisão por vários crimes, incluindo de discriminação racial. Por exemplo, “foi um dos que participou no linchamento de negros no Bairro Alto, em Lisboa, na noite em que os seus cúmplices assassinaram Alcindo Monteiro”. Além disso, “são sobejamente conhecidas as suas ligações à extrema-direita europeia, inclusivamente, ao movimento neo-nazi na Ucrânia”.

“Quando um juiz considera que, perante tudo isto, Mário Machado é um altruísta, um humanista que pode ser dispensado do cumprimento de deveres perante a justiça, para, conforme consta do requerimento do arguido, ir para a Ucrânia prestar ajuda humanitária e, se necessário, combater ao lado das tropas ucranianas, devemos estar muito preocupados”, prossegue a associação, concluindo que “a justiça acaba de legitimar um nazi”.

“Mário Machado não se voluntariou para ajudar vítimas de guerra – nunca o fez para nenhum dos múltiplos conflitos mundiais, da Síria ao Iraque, da Palestina ao Afeganistão. E não o faz agora. Mário Machado voluntaria-se para se reunir com um grupo de nazis e para se desobrigar de responder à justiça”, acusa a SOS Racismo, apelando ao Ministério Público, aos tribunais superiores e ao Conselho Superior de Magistratura para que consigam “reverter esta vergonha”.

Segundo o Diário de Notícias, são muitas as críticas a esta decisão por parte de magistrados e advogados. "Trata-se de um arguido que foi detido porque tinha uma arma proibida, e dá-se-lhe licença para ir para outro país pegar em armas, falando em "ação humanitária"? É a pessoa menos indicada para ação humanitária. Se calhar a juíza não sabe quem é Mário Machado”, disse ao DN uma procuradora que manteve o anonimato. O penalista Paulo Saragoça da Mata partilha o espanto e diz que “isto se não fosse constrangedor dava para rir à gargalhada”. “Então cá o indivíduo era um perigo para a ordem e tranquilidade públicas e na Ucrânia já pode perturbá-las? Em Portugal é que há perigo e lá fora não, já pode pegar em armas?”, pergunta o advogado que, à semelhança da SOS Racismo, também sublinha o precedente aberto por esta decisão: "Agora vem um arguido também com estas medidas de coação e diz que quer ir combater para a Ucrânia e como é que lhe dizem que não?”.

Ainda segundo o DN, o Ministério Público irá recorrer da decisão, embora o recurso não tenha efeito suspensivo. E já tinha antes defendido a medida de prisão preventiva para Mário Machado, além de ter interposto um recurso no Tribunal da Relação contra a decisão do Tribunal de Instrução de não o pronunciar pelo crime de autoria de mensagens de ódio no âmbito da atividade de uma organização racista, que o deixaria sujeito à condenação a uma pena de 8 anos de prisão.