Sérvia: polícia dispersa milhares de manifestantes com gás lacrimogéneo

25 de dezembro 2023 - 12:27

Numa manifestação contra a manipulação dos resultados eleitorais das legislativas de há uma semana atrás, vários manifestantes tentaram entrar no edifício da Câmara de Belgrado. A polícia reagiu causando vários feridos e detenções.

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Manifestantes neste domingo à porta da Câmara Municipal de Belgrado. Foto de ANDREJ CUKIC/EPA/Lusa.
Manifestantes neste domingo à porta da Câmara Municipal de Belgrado. Foto de ANDREJ CUKIC/EPA/Lusa.

Passou já uma semana desde as eleições legislativas que o SNS, Partido Progressista Sérvio, voltou a ganhar com 46,72%. Uma missão de observadores internacionais da OSCE, Parlamento Europeu e Conselho da Europa, declarou então que o partido tinha beneficiado de uma vantagem injusta obtida através do enviesamento dos meios de comunicação social, de influência indevida do presidente Aleksandar Vučić e de irregularidades nas eleições que incluiriam compra de votos e bloqueio de urnas.

Desde então, a oposição tem protestado e organizado diariamente manifestações em frente à sede do organismo estatal responsável pela organização das eleições. Este domingo, a tensão subiu ao seu ponto mais forte depois de uma manifestação ter juntado milhares de pessoas no centro de Belgrado em defesa da anulação das eleições parlamentares e locais.

Aquilo que uma testemunha da Reuters descreveu como “uma multidão” tentou entrar na Câmara Municipal de Belgrado, sede da comissão eleitoral do seu círculo, com algumas pessoas a escalar o edifício enquanto se cantava “Vučić ladrão”.

A polícia dispersou os manifestantes com gás lacrimogéneo às 21 horas da noite e houve pelo menos 35 pessoas detidas. A RFI indica que a oposição culpa “agitadores, talvez de grupos de adeptos violentos” de criarem incidentes para justificar a intervenção policial. A Reuters, por outro lado, escreve não só que vários elementos da coligação marcaram presença nesta manifestação mas que por exemplo Srdjan Milivojević e Vladimir Obradović estiveram até entre os que tentaram entrar na Câmara.

Nestas eleições, a coligação de centro-esquerda Sérvia Contra a Violência ficou em segundo nestas eleições com 23,56% dos voto e o Partido Socialista da Sérvia em terceiro com 6,56%. Uma deputada da coligação Marinika Tepic, tem estado em greve de fome a pedir a anulação da votação.

Outro dos dirigentes deste espaço político, Dragan Djilas, declarou à Associated Press que para além da manipulação mediática e das compras de votos referidas pelos observadores internacionais, houve ainda assinaturas falsas nas listas eleitorais e votantes conduzidos a partir de outros países, 40.000, indica, nomeadamente a Republika Srpska, o governo da zona sérvia da Bósnia-Herzegovina.

O presidente Vučić defende-se dizendo que se tratam de mentiras da oposição ao mesmo tempo que sugere intervenção estrangeira. A diplomacia russa, tradicional aliada, também defende essa tese. A porta-voz Maria Zakharova, à agência noticiosa estatal russa RIA Novosti, afirma que “é evidente que o Ocidente coletivo procura desestabilizar a situação no país” e liga o que está a acontecer ao movimento da praça Maidan na Ucrânia no inverno de 2013/14.

SNS, uma década no poder

O partido Partido Progressista Sérvio está no poder desde 2012. Nasceu de uma cisão do partido de extrema-direita sérvia, o Partido Radical Sérvio, SRS. Os seus dois fundadores, para além de Vučić, também Tomislav Nikolić, sucederam-se na presidência. E governou, ao início, em coligação com Partido Socialista sérvio, o partido hegemonizado inicialmente por Slobodan Milošević (que por sua vez também tinha governado em coligação com a extrema-direita do SRS) e que tinha sido dominante na política sérvia até ao início dos anos 2000.

Em 2021, outro partido de extrema-direita, a Aliança Patriótica Sérvia, dissolveu-se e fundiu-se no SNS cujo governo tinha vindo a apoiar.

Economicamente é neoliberal, defensor da austeridade e das privatizações, e politicamente tem sido caracterizado como “populista” a sua intervenção é denunciada como autoritária, diminuindo liberdades cívicas, comprometendo a liberdade de imprensa, a independência dos órgãos judiciais e as eleições livres. Internacionalmente assinou um acordo de cooperação com o Partido da Liberdade da Aústria e o Fidesz húngaro, de extrema-direita, ao tempo que consegue apoio da CDU alemã. É assim membro-associado do Partido Popular Europeu de que fazem parte PSD e CDS. Apesar da Rússia ser seu apoiante, o SNS também defende uma entrada da Sérvia na União Europeia.

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