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Recolher obrigatório não travou os protestos nos EUA

A madrugada nos EUA foi menos violenta mas não foi de todo menos participada. Em mais de 150 cidades houve protestos contra o assassinato de George Floyd.
Manifestação em memória de George Floyd em Washington. Junho de 2020. Foto de SHAWN THEW/EPA/Lusa.
Manifestação em memória de George Floyd em Washington. Junho de 2020. Foto de SHAWN THEW/EPA/Lusa.

Há uma semana que os protestos pelo assassinato de George Floyd continuam a levar centenas de milhares de pessoas às ruas. A madrugada desta quarta-feira ficou marcada por menos confrontos, o que não quer dizer que tenham estado presentes menos pessoas. Em pelo menos 150 cidades houve manifestações bastante participadas.

Em várias delas havia decretos de recolher obrigatório que os manifestantes recusaram cumprir. Apesar dos manifestantes não terem agido de forma violenta, a polícia decidiu efetuar prisões. Não espanta por isso que o número de detidos se tenha elevado para nove mil.

Ainda assim, em cidades como Washington e Porteland, houve alguns confrontos e gás lacrimogéneo. Não se terá registado mais nenhuma morte. Até ao momento, desde o início dos protestos, faleceram 12 pessoas, apesar das circunstâncias ainda estarem a ser averiguadas e de algumas delas poderem não estar diretamente relacionadas com as manifestações.

Palavras de ordem anti-racistas de um lado, insultos de Trump do outro

O gesto de ajoelhar, popularizado em 2016 quando um jogador de futebol americano o fez durante o hino nacional como forma de protesto contra o racismo, continua a generalizar-se. O slogan “take a knee” também. Ao “ajoelha-te”, que é também uma referência à forma como Floyd foi assassinado por um polícia, juntam-se a outros gritos como “no justice, no peace”, sem justiça não há paz, e “silence is violence”, o silêncio é violência. Em Nova Iorque, dois jornalistas da Associated Press foram impedidos de cobrir as manifestações e 200 pessoas foram detidas pela polícia devido ao recolher obrigatório. Mas outros milhares não tiveram o mesmo destino e com helicópteros policiais a passar por cima de si e polícia de choque pela frente somaram ainda uma outra palavra de ordem: “walk with us”, caminhem connosco ou juntem-se a nós.

A contrastar com estas palavras de ordem, o palavreado do presidente norte-americano no seu meio de comunicação preferido, o Twitter, é todo um dicionário de calão depreciativo face aos manifestantes anti-racistas: “lowlifes”, “hoodlums” e “thugs”, palavras de tradução mais difícil. Escória, bandidos, rufias, “looser”, ou seja perdedores, é assim que Trump caracteriza os seus opositores que saem às ruas, para além de os ameaçar com o envio do exército.

A maioria dos norte-americanos defende as manifestações

A intimidação parece não funcionar e os protestos não esfriaram. Nem dentro nem fora do país. As manifestantes extravasaram as fronteiras dos EUA e espalham-se por vários pontos do mundo. Para além de movimentos sociais e chefes de governo, o mundo da cultura e das artes também se junta ao coro de indignação e até grandes empresas não têm outro remédio senão declarar-se solidárias com a força deste protesto.

A sessão fotográfica de Trump na Igreja de Saint John também não só não convenceu vários responsáveis religiosos norte-americanos, que denunciaram o aproveitamento político da religião, como ainda fez ricochete quando se soube que os elementos do clero dessa Igreja estavam entre os manifestantes que Trump decidiu “limpar” com gás lacrimogéneo para não atrapalharem a sua passagem.

Por outro lado, uma sondagem da Reuters/Ipsos, publicada esta terça-feira, mostrava que 64% dos inquiridos se declaravam favoráveis “às pessoas que estão a protestar neste momento”, 27% disseram ser desfavoráveis e 9% não tinham posição definida.

Em termos institucionais também há consequências, apesar de não serem suficientes do ponto de vista de quem continua a protestar. O estado do Minnesota iniciou uma investigação detalhada ao Departamento de Polícia de Minneapolis para saber se este tem um padrão de atuação discriminatório para com minorias. E as escolas da cidade terminaram o contrato de segurança com a polícia local, alegando que não podem continuar a colocar-se nas mãos de “uma organização que tem uma cultura de violência e racismo”.

O mesmo se pode dizer acerca das imagens que se multiplicam de agentes policiais que se ajoelham, juntando-se ao gesto de protesto. Onde uns veem operações de marketing, no pior dos casos, ou gestos inúteis de boa vontade que não mudam os problemas estruturais, no melhor dos casos, outros sublinham que há cada vez mais agentes da autoridade a exigir reformas na instituição.

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