Está aqui

Quadros, correntes e esquerda plural

Contributo de Miguel Heleno

No momento em que se debate o papel do Bloco na composição da esquerda, dado o novo quadro político, a organização interna do partido tem sido um dos pontos principais da discussão. Enquanto a direita e os seus jornais divertem-se a anunciar o fim do projecto plural da esquerda anti-capitalista, alguns dirigentes e militantes do BE (os que têm poder para isso) usam os mesmos jornais para lhes fazer a vontade. Há opiniões para todos os gostos: temos uma direcção esgotada, faltam quadros novos, temos sido demasiado radicais, temos sido demasiado reformistas, precisamos de uma convenção, precisamos de uma tendência maioritária... É precisamente sobre algumas destas questões (e usando um meio de discussão em que todos valem o mesmo) que venho dar o meu contributo.

Aquando da sua formação, a estrutura do BE apoiou-se nas 3 correntes que lhe deram origem enquanto partidos, juntando a estas uma grande maioria de "independentes". Durante 12 anos, grande parte dos dirigentes do BE foram (e são) oriundos destas correntes, numa consertação tripartida entre as suas direcções. Hoje, os militantes do Bloco inscritos nas correntes provavelmente não chegam a 10% do número total de aderentes do partido (apesar do esforço considerável que estas têm feito para fortalecer as suas bases). No entanto, a representação das correntes nas estruturas que dirigem o BE continua a ser esmagadora. Assim, sob o pretexto de serem espaços de discussão ideológica e formação política de quadros, as correntes tornaram-se também forças de disputa de poder dentro do Bloco. O medo da perda de hegemonia por parte de cada uma delas introduziu, a meu ver, duas novas mudanças: por um lado colocou o poder de decisão em poucas mãos (na tal consertação tripartida entre direcções das correntes) e, por outro, canalizou um grande esforço das correntes (umas mais que outras) para a luta intrapartidária. Esta "viragem para dentro" fez com que as correntes falhassem naquilo que não podiam falhar, ou seja, na formação de quadros. Se hoje dizemos que faltam quadros de qualidade ao partido, foi porque durante anos se acreditou que estes nasciam por "geração expontânea" no seio das correntes. Grande erro. Os quadros formam-se na militância quotidiana do partido e, principalmente, na relação deste com os movimentos sociais. Então, porque é que a teoria da "geração expontânea" tem sobrevivido? Porque é precisamente esta teoria que vai trazendo gente para as correntes e, desta forma, continua a legitimar o seu poder...

O caminho para uma esquerda plural passa, pois, por uma ruptura com a lógica de disputa de poder por parte das correntes. Estas devem continuar a ser espaços de conforto e de agregação de pensamento à esquerda, mas não podem funcionar como trincheiras nessa luta de poder. Numa esquerda grande não cabe a visão darwinista (e já agora neoliberal) do "vence a corrente mais forte". Pelo contrário, são necessárias mais visões, mais soluções e mais pólos de pensamento. Para isso, as decisões internas e de linha política do BE devem partir da sua base de militantes, centrando o poder em assembleias distritais, por exemplo. Uma Mesa Nacional com membros de todos os distritos (o Bloco já não responde só pelos centros urbanos), que assumissem o compromisso de consultar uma assembleia distrital antes das reuniões da Mesa, seria um passo importante para o aumento da diversidade de propostas e para a construção dessa esquerda grande. E é precisamente nestas assembleias que as correntes devem disputar politicamente o seu espaço, desaguando o seu pensamento na discussão e cumprindo assim o seu papel histórico no Bloco de Esquerda.

Miguel Heleno

Termos relacionados Debates 2011
(...)