Foram seis horas de paralisação. Na grande Lisboa e no grande Porto, em Braga, em Coimbra, em Setúbal e em várias outras localidades do país. Entre as 18h e a meia noite desta sexta-feira, os estafetas pararam, juntaram-se em vários grandes “pontos de recolha” e afetaram fortemente o serviço de entregas de muitos dos principais estabelecimentos de restauração. Exigiram “respeito”, melhores remunerações e condições de trabalho. Convocado por dois movimentos de estafetas e com mobilização sobretudo em grupos de WhatsApp, o protesto destes trabalhadores, que não têm formalmente direito à greve por serem considerados pelas plataformas como empresários ou trabalhadores independentes, consistiu em não aceitar pedidos e assim bloquear o serviço de entregas.
As multinacionais Uber Eats, Bolt Food e Glovo tentaram desmobilizar o protesto nos dias anteriores. Por um lado, divulgando mensagens de apelo à denúncia dos estafetas em protesto por parte dos intermediários. Mas também prometendo valores muito superiores pelas entregas a quem não participasse na paralisação e assegurasse o serviço durante o período do protesto. A associação que representa os gigantes das plataformas digitais em Portugal garantiu, ainda assim, que respeita o protesto e que as multinacionais “ouvem” os estafetas.
Hans Donner, do movimento Estafetas Unidos e um dos organizadores do protesto, em mensagem publicada no arranque do protesto, desmentia as plataformas, acusando-as de “faltar com a verdade na imprensa” e de “fazer chantagem e iludir os estafetas” através do aumento do valor das entregas e “pedindo aos donos de frota para vigiar e desmobilizar”. Conclui que a tentativa foi para “fragmentar e enfraquecer” a luta dos estafetas.
Apesar das tentativas de intimidação e aliciamento dos gigantes das plataformas digitais, que não hesitaram em usar a desigualdade de meios e a pressão para tentar impedir o protesto, a mobilização não esmoreceu e produziu efeitos. Nos restaurantes de grandes cadeias como a McDonald’s ou em centros comerciais como o NorteShopping, em Matosinhos, ou o UBBO, na Amadora, a força do protesto sentiu-se a partir do final da tarde, com a concentração de estafetas em “piquete” e a forte perturbação dos pedidos.
Logo nas primeiras horas do protesto, a dificuldade das plataformas em realizar os serviços era evidente. Vários pedidos eram encaminhados para estafetas muito distantes do ponto de recolha, tendo sido registados, por exemplo, muitos pedidos de Lisboa para estafetas que se encontravam na margem Sul do Tejo. Confirmou-se também que os pagamentos oferecidos aos estafetas foram muito acima do normalmente praticado pelas plataformas, o que acentuou a revolta por ser justamente uma das principais reivindicações destes trabalhadores. Exigem no mínimo três euros por entrega e um valor variável por quilómetro, quando neste momento recebem, em média, entre 80 cêntimos e pouco mais de um euro por entrega.
No final da paralisação, Marcel Borges, dos Estafetas em Luta, num vídeo divulgado na página Instagram do movimento, considerou que a jornada de luta foi “um movimento vitorioso, com muita adesão e com impacto enorme”. Garantindo que as plataformas “tentaram desestabilizar o movimento, mas não conseguiram”, aponta já para um próximo passo nesta luta: apelando à intermediação das autoridades, os movimentos querem insistir num pedido de reunião com as empresas, que até agora se recusaram a dialogar com os estafetas, para levar as reivindicações e procurar soluções. Já antes, em entrevista ao Público, o membro dos Estafetas em Luta denunciava a indisponibilidade das plataformas para qualquer diálogo com os estafetas e o agravamento das condições de trabalho.
O deputado José Soeiro esteve presente no Porto junto com os estafetas em luta, que fizeram “com que a aplicação entupisse”, para demonstrar a solidariedade do Bloco. Considerou que num “contexto de grande precariedade” estão a lutar “por melhores condições de trabalho” e que é importante que “encontrem as formas de se organizarem”, tenham “uma voz coletiva” para “falarem e exigirem dignidade para o seu trabalho, valorização do seu trabalho e justiça”.