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Presidenciais na Polónia: "Dois países” em renhido confronto

No próximo domingo, disputar-se-á a 2ª volta das eleições presidenciais na Polónia, opondo o atual presidente Andrzej Duda, do partido governamental Direito e Justiça (PiS), da direita reacionária, ao “marszalek” de Varsóvia, Rafal Trzaskowski, da liberal-conservadora Plataforma Cívica (PO). Nela estarão em confronto duas visões do país, com clara tradução na sua Geografia Eleitoral. Por Jorge Martins.
Cartazes das eleições presidenciais na Polónia. Foto via Flickr de Timon91, licença creative commons: https://www.flickr.com/photos/timon91/
Cartazes das eleições presidenciais na Polónia. Foto via Flickr de Timon91, licença creative commons: https://www.flickr.com/photos/timon91/

Um sistema semipresidencialista

A Polónia é uma república semipresidencialista. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de cinco anos, apenas podendo ser reeleito uma vez.

Os candidatos têm de ser cidadãos polacos, maiores de 35 anos e recolher um mínimo de 100000 assinaturas de eleitores inscritos para poderem concorrer. Se, na 1ª volta, nenhum obtiver a maioria absoluta, realizar-se-á, duas semanas depois, um 2º turno entre os dois mais votados.

O chefe de Estado tem, entre os seus poderes mais relevantes, os seguintes: nomear o primeiro-ministro, embora o faça tendo em conta os resultados eleitorais; iniciar um processo legislativo; vetar politicamente legislação governamental e parlamentar (veto que apenas pode ser revertido por 2/3 dos deputados, numa sessão em que metade deles esteja presente) ou enviá-la para o Tribunal Constitucional para este aferir da sua constitucionalidade; convocar referendos, com o apoio da maioria absoluta do Senado; ratificar ou revogar tratados internacionais; nomear os presidentes e vice-presidentes dos tribunais superiores, os chefes militares e os membros de instituições de supervisão monetária, da rádio e da televisão e da segurança nacional, bem como propor à assembleia parlamentar o nome do governador do Banco Central. Também pode, sob certas condições previstas na Constituição, dissolver o Parlamento. Colabora, ainda, com o governo, através dos respetivos ministros, na definição e execução das políticas externa e de defesa.

O PR pode ser alvo de “impeachment”, por violação da ordem constitucional ou outros crimes. Para este se concretizar, o processo tem de ser iniciado por 140 deputados e aprovado por 2/3 de todos os parlamentares em efetividade de funções. Nessa eventualidade, será julgado pelo Tribunal do Estado, instância constituída por várias personalidades políticas de topo, sendo obrigado a deixar o cargo em caso de condenação.

Uma eleição contaminada pela CoViD-19

Este ato eleitoral tem uma história conturbada. Previsto para o dia 10 de maio, o seu adiamento foi proposto logo nos primeiros dias de abril, devido à pandemia.

Contudo, o partido do governo insistiu na sua realização na data prevista. Porém, o Acordo (PJG), de Jarosław Gowin, formação pertencente à coligação Direita Unida, liderada pelo PiS e que suporta o executivo, sugeriu, com o apoio do ministro da Saúde, a prorrogação do mandato presidencial por mais dois anos, algo que foi rejeitado pela oposição.

No campo oposicionista, o seu principal partido, a PO, propôs o seu adiamento por um ano, para maio de 2021.

Com maioria absoluta na câmara baixa do Parlamento, o PiS aprovou a realização das eleições na data previamente definida, mas unicamente por via postal. Ora, tal disposição tinha em si uma inconstitucionalidade insanável, pois a Constituição proíbe a revisão das leis eleitorais nos seis meses anteriores à eleição a que aquelas respeitam, algo que foi objeto de acórdão do Tribunal Constitucional em 2011. Para além de políticos da oposição, juristas e constitucionalistas, a proposta foi, mesmo, criticada por gente próxima do PiS e objeto de uma declaração não vinculativa de ilegalidade por parte do Supremo Tribunal.

De acordo com setores políticos oposicionistas, a insistência do PiS em realizar as eleições na data inicialmente prevista seria devida ao facto de, então, ainda não se sentirem demasiado os efeitos da crise económica resultantes da pandemia, que, tudo o indica, se agravarão a partir do outono.

No dia 23 de abril, os Correios enviaram um “mail” anónimo para todos os presidentes dos municípios do país, solicitando o envio de dados particulares dos cidadãos aí residentes, incluindo o número do bilhete de identidade, a data de nascimento e a morada, algo que constituía uma grosseira violação da sua privacidade. Muitos autarcas recusaram-se a cumprir a determinação e entraram com uma ação judicial contra a direção nacional da empresa.

A 29, novo escândalo, quando o candidato Stanisław Żółtek, do ultradireitista Congresso da Nova Direita (KNP) apresentou boletins de voto a ser utilizados na eleição por via postal.

No último dia do mês, quatro antigos presidentes da República e nove ex-primeiros-ministros apelaram ao boicote das eleições, considerando-as feridas de ilegalidade e inconstitucionalidade.

A 6 de maio, os líderes do PiS, Jarosław Kaczynski, e do PJG, Jarosław Gowin, assinaram um acordo que previa a realização da eleição por via postal. Este foi convertido em lei no dia seguinte, após a sua aprovação parlamentar.

Contudo, logo a seguir, a Comissão Nacional Eleitoral afirmou, em comunicado, não estarem reunidas as condições para a realização das eleições no dia 10.

O que se passou nesse dia foi, de certa forma, surreal: formalmente, era dia de eleições, mas estas não se realizaram.

Ultrapassado, em 22 de maio, o prazo constitucional para a eleição do novo PR, um acordo foi alcançado e, a 2 de junho, foi aprovada nova legislação que estabelecia um regime misto para o ato eleitoral: cada eleitor poderia optar por votar presencialmente ou por via postal. No dia seguinte, a presidente do Parlamento, Elżbieta Witek, marcou a 1ª volta para 28 de junho, ficando 12 de julho reservado para a 2ª volta, caso esta viesse (como veio) a ser necessária.

Entretanto, e devido ao elevado número de casos de CoViD-19, a votação em dois pequenos municípios decorreu, unicamente, por via postal.

No total, perto de 150 mil eleitores (menos de 1%) terão feito essa opção.

Análise dos resultados da 1ª volta

Andrzej Duda (PiS)

Na Polónia, é tradicional o presidente incumbente renunciar à sua filiação partidária quando assume o cargo. Por isso, Duda apresentou-se como independente, obtendo 43,5% dos sufrágios válidos. Porém, teve o apoio do seu partido, o PiS, e seus aliados: o liberal-social-conservador Acordo, de Jarosław Gowan (PJG), o nacional-conservador Polónia Solidária (SP), o ultraconservador católico União das Famílias Cristãs (ZChR) e o agrário nacionalista Partido Popular “Pátria” (SL “Ojcowizna”).

O PiS é uma formação da direita reacionária, eurocética, nacional-conservadora e social-conservadora, com ligações aos setores mais retrógrados da poderosa Igreja Católica polaca. Do ponto de vista económico, é retoricamente crítico do neoliberalismo puro e duro, defendendo um Estado assistencialista. Apesar do autoritarismo da sua governação, de onde se destaca a tentativa de controlar os tribunais superiores, e do seu nacionalismo, não tem uma retórica xenófoba agressiva como a do húngaro Orbán e, por isso, não o incluímos na extrema-direita.

Apesar de beneficiar do aparelho do PiS, que não se coibiu de utilizar alguns meios do Estado ao seu dispor, o certo é que Duda, que, antes da pandemia, parecia ter a reeleição garantida logo à 1ª volta, viu o seu avanço diminuir progressivamente, em especial a partir do momento em que a PO mudou de candidato.

Recuperou algum fôlego no final da campanha, mas o seu resultado acabou por ficar dentro da margem de erro das últimas sondagens, que indicavam que teria de disputar uma 2ª volta. 

Sem surpresa, os seus melhores resultados ocorreram nas províncias do Leste e Sueste do país, mais conservadoras, onde ficou acima dos 50%: Subcarpácia (60,7%), Lublin (56,7%), Santa Cruz (56,0%), Pequena Polónia (51,1%) e Podláquia (50,6%).

Ao invés, o seu desempenho foi menos bom no Noroeste e Oeste, onde foi derrotado em três províncias: Pomerânia (33,8%), Lubúsquia (34,2%) e Pomerânia Ocidental (35,4%). E venceu por margem relativamente reduzida na Grande Polónia (37,9%), situada no Centro-Oeste, e na Baixa Silésia (38,3%), localizada no Sudoeste.

Como se pode verificar, os seus resultados melhoram, em geral, de Norte para Sul e de Oeste para Leste.

Se utilizarmos uma malha mais fina, vemos que o candidato obteve os melhores resultados nas áreas rurais e os piores nas maiores cidades. Das 16 capitais de província, apenas venceu em quatro. Estas situam-se todas nas unidades regionais onde obteve a maioria absoluta dos votos. A exceção foi Cracóvia, capital da Pequena Polónia.

Rafal Trzaskowski (PO)

O antigo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, parecia ser o candidato natural do principal partido da oposição. Porém, em novembro, decidiu não se candidatar, alegando que algumas medidas impopulares dos seus governos não tinham sido esquecidas e, por isso, as suas possibilidades de vencer seriam escassas.

Assim, a escolha da PO recaiu na socióloga Małgorzata Kidawa-Błońska, vice-presidente do Parlamento e candidata derrotada a primeira-ministra nas legislativas de 2019.

Porém, as sondagens nunca lhe foram muito favoráveis, situando-se, antes da pandemia, entre os 20% e os 25%. A partir de meados de março, com o alastrar da doença, caiu para valores abaixo dos 20%. Em meados de abril, já aparecia em 4º lugar, não atingindo os 10%. Ao mesmo tempo, a maioria dos inquéritos perspetivava a reeleição fácil do presidente Duda logo à 1ª volta.

A não realização das eleições a 10 de maio deu oportunidade à direção da PO de mudar a sua candidatura. Assim, no dia 15 desse mês, a candidata desistiu, sendo substituída pelo “marszalek” (presidente do município) de Varsóvia, Rafal Trzaskowski.

A mudança surtiu efeito. As primeiras sondagens davam-lhe logo valores na casa dos 15%, mas o candidato foi sempre em crescendo, em especial durante a campanha, acabando por obter 30,5% dos votos válidos, dentro dos valores previstos nos derradeiros inquéritos de opinião.

Para além da PO, Trzaskowski contou com o apoio declarado de várias forças políticas pró-UE, que iam do centro-direita ao centro-esquerda: a liberal Moderna (.M), a social-liberal e feminista Iniciativa Polaca (iPL), o ecologista Partido Verde (PZ), o centrista Partido Democrático (SD), a Social-Democracia da Polónia (SDPL),  o social-democrata e laico Liberdade e Igualdade (WiR) e o social-liberal e populista Sami Swoi (título de uma comédia polaca, que significa Todos os Amigos Aqui).

A PO é um partido liberal-conservador, pró-UE. Ao contrário do PiS, os seus governos têm respeitado as instituições democráticas e o Estado de Direito. Do ponto de vista dos costumes, é relativamente conservador, mas, nos últimos anos, tem assumido posições mais abertas, apoiando a liberalização da lei do aborto, atualmente bastante restritiva, e a institucionalização de uniões civis para os casais LGBTQI, embora se oponha ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Porém, face ao reacionarismo do PiS, faz figura de progressista. Nas questões económicas, é ordoliberal, defendendo as privatizações, o equilíbrio das finanças públicas e, retoricamente, a descida da carga fiscal.

A distribuição da votação em Trzaskowski é quase simétrica da de Duda, com os seus melhores resultados a ocorreram nas províncias do Noroeste e Oeste do país, em especial nas três onde venceu: Pomerânia (38,6%), Pomerânia Ocidental (37,9%) e Lubúsquia (36,9%). Registou, ainda, bons resultados na Baixa Silésia (35,9%), onde perdeu por margem relativamente curta, e na Mazóvia (34,3%), onde se situa a capital, Varsóvia.

Já os piores verificaram-se no Leste e Sueste, onde fica, claramente, abaixo da média nacional: Subcarpácia (16,2%), Lublin (19,3%), Podláquia (20,6%), Santa Cruz (21,3%) e Pequena Polónia (23,9%).

Não surpreende que os seus melhores resultados tenham sido obtidos nos maiores centros urbanos, tendo vencido em 12 das 16 capitais de província. Ao invés, nas zonas rurais e nas pequenas cidades foram mais modestos.

Szymon Holownia (Independente)

Em terceiro lugar, com 13,9% dos sufrágios válidos, ficou o candidato independente Szymon Holownia, um antigo jornalista e apresentador televisivo. É, igualmente, um ativista humanitário, criador de uma fundação que apoia crianças pobres em países do Sul global. Ferrenho defensor dos direitos das crianças, criou, através de um “crowdfunding”, uma linha telefónica para ajudar crianças e jovens dificuldades, apesar da oposição do ministério da Educação.

Sem apoio de qualquer força partidária, que o levou a recorrer a voluntários para fazer campanha e a financiá-la através de um novo “crowdfunding”, declara não ser nem de direita nem de esquerda, embora muitas das suas propostas tendam a situar-se no centro-esquerda.

Afirma-se defensor da democracia, do Estado de Direito e da separação de poderes, acusando a governação do PiS de violar frequentemente a Constituição. É favorável à permanência do país na UE e na NATO e à existência de boas relações com os seus vizinhos, em especial a Alemanha e a Ucrânia. Defende o aumento do investimento público na saúde, a redução do horário de trabalho dos médicos e a extensão da telemedicina. Pretende o reforço da descentralização, apoiando o aumento do poder das assembleias provinciais. Possui, ainda, uma importante agenda ecológica, defendendo a criação de um Conselho Nacional do Clima, a aposta nas energias renováveis, com o fim da utilização do carvão como fonte energética, e a neutralidade climática no âmbito do “Green Deal” europeu. Por fim, apesar de católico (esteve quase a enveredar pela vida monástica), é favorável à laicidade do Estado, rejeitando o que considera serem os privilégios excessivos da Igreja Católica.

A sua candidatura atraiu grande parte do eleitorado de centro-esquerda e esquerda, esvaziando a de Robert Biedroń, o candidato dessa área.

O padrão da sua votação não anda longe do registado pelo candidato da PO, embora o contraste entre Oeste e Leste ou Norte e Sul não seja tão nítido.

 Obteve o seu melhor resultado na ocidental Lubúsquia (17,9%), seguido de outras três províncias, nas quais obteve 16,6% dos sufrágios válidos: Opole, no Sul, onde reside o que resta da minoria alemã; Grande Polónia, no Centro-Oeste, e Podláquia, no Leste. Este último resultado pode parecer surpreendente, mas explica-se pelo facto de Holownia ser natural de Białystok, a capital daquela província. Registou, ainda, bons resultados no Noroeste: Pomerânia (16,1%), Pomerânia Ocidental (15,7%) e Cujávia-Pomerânia (15,5%), bem como na meridional Silésia (15,4%).

Já os piores registaram-se no Sueste, nas províncias que são tradicionais bastiões do PiS: Subcarpácia (9,5%), Santa Cruz (10,2%), Lublin (10,5%) e Pequena Polónia (11,5%).

Também aqui é visível o contraste entre a boa votação nas áreas urbanas e a modesto desempenho nas áreas rurais.

Na 2ª volta, declarou apoiar sem hesitação Trzaskowski, embora também “sem prazer”, e o mais certo é que a esmagadora maioria dos seus eleitores tome, igualmente, essa opção.

Krzystof Bosak (RN)

No quarto lugar, ficou Krzystof Bosak, deputado eleito pela Confederação da Liberdade e da Independência (KWiN), formação que agrupa várias formações da extrema-direita e da direita ultranacionalista e reacionária, que obteve 6,8% dos votos válidos.

Bosak é membro do Movimento Nacional (RN), da extrema-direita populista e nacionalista, uma das suas componentes. As outras são a eurocética, economicamente ultraliberal e ultrarreacionária Coligação da Renovação da República, Liberdade e Esperança (KORWIN), iniciais que formam o apelido do seu líder, Janusz Korwin-Mikke, um antigo aristocrata conhecido pela sua misoginia (afirmou que “as mulheres não deviam votar, porque são menos inteligentes que os homens”); a monárquica, ultranacionalista e tradicionalista Confederação da Coroa Polaca (KKP ou KORONA) e o Partido dos Automobilistas, negacionista das alterações climáticas.

O RN é, de todas essas formações, a que tem posições mais alinhadas com a nova extrema-direita: nacionalismo (defesa da identidade nacional, promoção dos supostos valores nacionais, apoio às reivindicações da minoria polaca residente na Lituânia, denúncia do Tratado de Lisboa), militarismo (reforço do Exército, serviço militar obrigatório), armamentismo (defesa da liberalização da posse de armas pelos cidadãos, criação de novos campos de tiro), racismo e xenofobia (oposição à imigração, aos refugiados e às minorias étnicas), conservadorismo social (promoção dos valores católicos, defesa da família tradicional, com oposição ao que chama de “ideologia de género”, não reconhecendo os direitos das pessoas LGBTQI e advogando a proibição total do aborto), negacionismo das alterações climáticas (reforço da energia do carvão, da extração do gás de xisto e aposta no nuclear), liberalização económica (redução da carga fiscal para as micro, pequenas e médias empresas) e assistencialismo social (apoio aos idosos, através de apoios às instituições de solidariedade social e a criação de uma pensão mínima).

Sem surpresa, o padrão territorial do voto em Bosak não é muito diferente do de Duda, embora as diferenças nos números da votação não sejam proporcionalmente tão vincadas. Assim, os seus melhores ocorreram no Leste e no Sueste: Subcarpácia (9,0%), Lublin (8,0%), Pequena Polónia (7,8%) e Podláquia (7,7%).

Em contrapartida, os piores registaram-se no Oeste do país: Pomerânia Ocidental (5,6%), Cujávia-Pomerânia (5,9%), Grande Polónia (6,0%), Lubúsquia (6,1%) e, ainda, em Opole (igualmente 6,1%), no Sul, onde vive a minoria alemã.

Tal como o candidato do PiS, as melhores votações ocorrem nas áreas rurais e nas pequenas cidades e as piores nos grandes centros urbanos.

Embora, ideologicamente, esteja próximo do PiS, à KWiN não agrada a hegemonia do partido na vida política polaca e a verdade é que Bosak ainda não deu indicação de voto para a 2ª volta. Contudo, o mais provável é que a maioria do seu eleitorado acabe por votar no atual presidente.

Wladyslaw Kosniak-Kamysz (PSL)

O líder e candidato Partido Popular Polaco (PSL), o médico Wladyslaw Kosniak-Kamysz, obteve uma fraca votação, quedando-se por 2,4% dos sufrágios válidos.

Para além do PSL, contou, ainda, com o apoio da centrista União dos Democratas Europeus (UED) e do regionalista Silesianos Juntos (SR).

O PSL é uma formação agrária, de centro-direita, pró-UE. Nos primeiros tempos da atual 3ª República, sob a liderança de Waldemar Pawlak, tornou-se no “king maker” da política polaca, tendo-se aliado quer com o centro-esquerda, quer com o centro-direita. Porém, nos últimos anos, a perda de apoio e as maiorias absolutas do PiS retiraram-lhe esse papel. A defesa dos interesses dos agricultores é o principal ponto do seu programa. Considera que a integração na União Europeia foi positiva para aqueles, pelo que, após a adesão, se tornou abertamente pró-UE. Defende uma economia social de mercado e um maior apoio aos idosos. Nos costumes, é conservador, opondo-se ao aborto e à legalização das uniões entre casais LGBTQI.

Nestas eleições, viu a sua candidatura progressivamente esvaziada pela dinâmica da campanha de Trzaskowski.

Dado o seu cariz agrário, a estrutura territorial do seu voto é próxima das de Duda e Bosak. Assim, os seus melhores resultados ocorreram no Leste e Sueste, mais rurais: Santa Cruz (3,2%), Lublin (3,0%) e Pequena Polónia (2,9%).

Ao invés, os seus piores desempenhos (1,9%), verificaram-se na Silésia. localizada no Sul do país, na Baixa Silésia, situada no Sudoeste, e na Pomerânia, a Noroeste, bem como na Lubúsquia (2,0%), no Oeste.

Como seria de esperar, concentra a maioria dos apoios nas áreas rurais, sendo as suas votações residuais nos principais centros urbanos.

Na 2ª volta, assumiu o seu apoio a Trzaskowski e é muito provável que a maioria dos seus eleitores siga a sua indicação.

Robert Biedroń (W)

O candidato do centro-esquerda e da esquerda, Robert Biedroń, líder da Primavera (W), foi a grande desilusão da 1ª volta destas eleições, não indo além de uns modestos 2,2% dos votos válidos.

Para além do seu partido, contou, ainda, com o apoio da principal formação social-democrata do país, a Aliança Democrática da Esquerda (SDL), da formação da esquerda ecologista, feminista e pró-UE, Esquerda Juntos (Razem), e do social-democrata de esquerda Partido Socialista Polaco (PPS).

A Primavera foi fundada por Biedroń, presidente do município de Słupsk, na Pomerânia. “Gay” assumido, é um ativista dos direitos LGBTQI. O seu partido é uma formação de centro-esquerda, social-liberal e anticlerical. Defende acerrimamente a laicidade do Estado, advogando o fim das isenções fiscais da Igreja Católica e da educação religiosa nas escolas públicas. É favorável à legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, à igualdade de género, à liberalização da lei do aborto e à educação sexual em todas as escolas. É abertamente favorável à UE, embora defenda que esta deve assumir um cariz mais social e menos liberal. No ambiente, defende a luta contra as alterações climáticas, apostando nas energias renováveis, de forma a atingir uma rápida descarbonização. É favorável a uma economia social de mercado, sendo defensor do apoio à inovação tecnológica e á criação de “startups”, mas também a medidas de cariz social, como o aumento do salário mínimo, do apoio às pessoas com deficiência e do investimento nos transportes públicos. Advoga, ainda, um orçamento participativo nacional.

Neste ato eleitoral, a sua candidatura acabou esvaziada pelo crescimento da de Holownia, que foi buscar grande parte do seu potencial eleitorado.

A distribuição territorial da sua votação não anda longe da de Trzaskowski e de Holownia. Assim, os seus melhores desempenhos ocorreram no Noroeste e Oeste, em especial na Pomerânia Ocidental (2,7%), Pomerânia (2,6%) e Baixa Silésia (igualmente 2,6%), mas também na província que contém a capital, a Mazóvia (os mesmos 2,6%).

Como seria de esperar, o Leste e o Sueste foram um terreno hostil para Biedroń, que obteve resultados muito fracos nessas regiões: Subcarpácia (1,4%), Lublin e Podláquia (1,6% em ambas) e Santa Cruz (1,8%).

Dada a agenda do candidato, foi nos principais centros urbanos que conseguiu, ainda, algum apoio, enquanto nas zonas rurais as suas votações foram muito fracas.

Na 2ª volta, declarou, de imediato, o seu apoio a Trzaskowski, indicação que será, seguramente, seguida pela esmagadora maioria dos seus eleitores.

Outros candidatos

Para além destes seis, apresentaram-se mais cinco candidatos, cujas votações foram residuais, somando, em conjunto, 0,8% dos boletins válidos.

Foram eles, por ordem do número de votos obtidos: Stanisław Żółtek, do Congresso da Nova Direita (KPN), formação da direita nacionalista, apoiada pelo eurocético PolEXIT; Marek Jabubiak, da nacional-conservadora Federação pela Comunidade (FpR); Pawel Tanajno, da populista e antissistema Democracia Direta (DB); Waldemar Witkowski, da social-democrata União do Trabalho (UP) e apoiado pela igualmente social-democrata Esquerda Polaca (PL), pelo Partido Nacional dos Reformados e Pensionistas (KPEiR) e pelo pequeníssimo Partido Comunista da Polónia (KPP), e Mirosław Piotrowski, do católico conservador e eurocético Movimento Europa Real – Europa Cristã (RPE).

Os dois primeiros obtiveram 0,2% dos sufrágios válidos, enquanto os outros três ficaram-se pelos 0,1%.

Destes, até ao momento, apenas Jukubiak deu indicação de voto, manifestando o seu apoio a Duda.

Participação eleitoral

A participação eleitoral cifrou-se nos 64,5%, o que significa uma abstenção de 35,5%.

A afluência ás urnas foi, em geral, maior nos centros urbanos, em especial na capital, o que explica os 70,3% atingidos na Mazóvia. Seguiram-se a Pequena Polónia (67,2%), província cuja sede é Cracóvia; a Pomerânia, cuja maior cidade é Gdansk, e Łódź (ambas com 65,6%) e a Grande Polónia (65,5%), que tem como cabeça Poznań.

Em contrapartida, foi mais baixa na província de Opole (56,7%), onde habita a minoria alemã, e na Varmínia-Masúria (57,1%), situada no Norte, as únicas abaixo dos 60%.

Perspetivas para a 2ª volta

Para já, aquilo que as sondagens nos dizem é que a eleição será bastante renhida, prevendo-se que o vencedor seja decidido por uma margem bastante apertada. Há algumas que dão o triunfo a Duda, enquanto noutras Trzaskowski surge como vencedor.

Se considerarmos apenas os resultados da 1ª volta e admitíssemos que a participação eleitoral se mantinha, que os eleitores de Holownia, Kosniak-Kamysz e Biedroń seguirão a indicação dos respetivos candidatos e que os eleitores de Bosak e da maioria dos candidatos menores votarão em Duda, a vantagem seria do atual presidente, que obteria entre 50,5 e 51% dos votos válidos.

Porém, a verdade é que a candidatura de Trzaskowski está em crescendo, o que pode mobilizar alguns eleitores até agora descrentes e que, face aos resultados do 1º turno e às sondagens mais recentes, passaram a acreditar que a vitória é possível. Aliás, para vencer, o candidato da PO necessita de captar abstencionistas do campo da oposição. Contudo, alguns apoiantes do PiS poderão não ter votado por pensarem que o triunfo estaria garantido e podem agora decidir votar.

Se observarmos os dados da abstenção na 1ª volta, ambos os lados parecem ter ainda alguma reserva de eleitores a conquistar, embora o facto de a participação ter sido maior nas principais cidades não seja, à primeira vista, um indicador muito favorável para o “marszalek” de Varsóvia, que teria potencialmente menos eleitores para conquistar.

Entretanto, se é certo que os eleitores de Bosak se encontram ideologicamente muito mais próximos de Duda, a verdade é que há muitos a quem não agrada a hegemonia que o PiS, através da sua governação autoritária, tem vindo a consolidar na vida política polaca, com o seu crescente domínio do aparelho de Estado, pelo que poderão optar pela abstenção ou pelo voto branco ou nulo, o que aumentaria as hipóteses do candidato oposicionista.

Por outro lado, resta saber se a esmagadora maioria dos votantes de Holownia transferirá o seu voto para Trzaskowski, já que haverá alguns que não simpatizam nada com as posições liberais da PO no plano económico.

Em todo o caso, é claro que esta eleição mostra o confronto entre as duas Polónias que coexistem no mesmo país: a moderna, mais cosmopolita, liberal, aberta, laica e tolerante, dominante no Noroeste, Oeste, Centro-Oeste, Sudoeste, em Varsóvia e nos maiores centros urbanos; e a profunda, mais nacionalista, conservadora, fechada, religiosa e retrógrada, que predomina no Leste, Sudeste e Centro-Leste, bem como nas zonas rurais e nas pequenas cidades. Curiosamente, as primeiras regiões estiveram sobre domínio alemão até ao final da 2ª guerra mundial, enquanto as segundas sempre foram polacas.

Porém, a somar a essas duas diferentes culturas, há que referir, em abono da verdade, que as populações urbanas são mais ricas e beneficiaram mais da adesão à UE, pelo que tendem a apoiar políticas económicas mais liberais, enquanto as zonas rurais ficaram mais para trás e o nível de vida das suas populações é mais baixo, o que as leva a considerar as políticas assistencialistas do PiS mais apelativas.

Voltando aos números, verificamos que, na 1ª volta, a soma dos votos dos candidatos que apoiam Trzaskowski é maior que a dos de Duda e Bosak em 10 das 16 províncias. As maiores vantagens surgem nas províncias do Noroeste e Oeste: Pomerânia, (59,2%), em primeiro lugar, seguida da Lubúsquia (59,0%) e da Pomerânia Ocidental (58,4%). As menores ocorrem no Sul, no Norte e na província da capital: na meridional Silésia (50,9%); na central Mazóvia (51,9%), onde há que distinguir entre a capital, favorável aos liberais, e o resto da região, mais conservadora; na setentrional Vármia-Masúria (52,5%) e na igualmente sulista Opole (52,6%).

Em contrapartida, as diferenças entre soma dos dois direitistas sobre a dos restantes quatro maiores candidatos é bem maior em cinco das seis províncias em que a primeira é superior: Subcarpácia (71,3%), Lublin (65,6%), Santa Cruz (63,5%), Pequena Polónia (59,8%) e Podláquia (59,1%). Apenas em Łódź é mais baixa (53,6%).

Num país onde a esquerda tem pouco apoio, a alternativa acaba por ser entre o liberalismo e o reacionarismo. Por isso, os seus eleitores acabam por votar no primeiro como mal menor.

O resultado de domingo poderá influenciar, de forma decisiva, a governação do PiS, que tem maioria absoluta no Parlamento, embora, desde as últimas legislativas, não a tenha no Senado, onde tem de negociar com senadores independentes para passar a legislação.

Até agora, com Duda, tem tido um amigo na Presidência da República. Se for reeleito, tudo se manterá como até aqui.

Porém, se Trzaskowski vencer, tenderá a servir de contrapeso às tentativas do atual partido no poder para controlar o aparelho de Estado,  governar, frequentemente, de forma anticonstitucional e atacar os direitos das mulheres e das comunidades LGBTQI, mitigando, pelo menos, a deriva autoritária e reacionária que tem caracterizado a Polónia desde 2015.

JORGE MARTINS

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