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REF 08LISBON2629
Data: 12-12-2010
CLASSIFICAÇÃO: SECRETO / NOFORN
DE: Embaixada em Lisboa
PARA: RUEHC / Secretário de Estado em Washington DC Prioridade 7064
INFO: RUCNMEM/ESTADOS-MEMBROS DA UE
RUEHCV / Embaixada em Caracas 0087
SECRETO Secção 01 de 02 Lisboa 002629
NOFORN //apenas para ser visto por cidadãos americanos//
SIPDIS //para distribuição na rede SIPRNet//
E.O. 12958: DECL: 10/01/2018
TAGS: PREL PGOV PO
ASSUNTO: (S/NF) PORTUGAL: "SABEMOS QUE O CHÁVEZ É DOIDO, MAS …"
REF: A. Lisboa 1155 (NOTAL)
B. Lisboa 2596
Classificado por Dana M. Brown, Conselheira para questões políticas e económicas, embaixada de Lisboa, por motivos 1.4 (b) e (d)
1. ( C ) Resumo: Hugo Chávez visitou Portugal a 27 de Setembro, no fim de uma viagem que incluiu paragens em Cuba, China, Rússia, e França. Portugal tem-se aproximado da Venezuela, e tornou-se o país da União Europeia mais visitado por Chávez no ano passado. Para além de proteger a numerosa população portuguesa que reside na Venezuela, no último ano o governo português consolidou laços económicos bilaterais, que passarem incluir uma gama alargada de acordos do tipo "leite por petróleo", "infraestruturas por petróleo" e "tecnologia por petróleo." O primeiro-ministro português deu o aval a uma cooperação adicional durante a última visita de Chávez, e os dois vão voltar a encontrar-se em finais de Outubro na Cimeira Latino-Americana em El Salvador. Fim de resumo.
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Comércio: em busca de energia
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2. (SBU) Portugal importa todo o petróleo e gás natural e está a fazer um esforço cada vez maior para diversificar as fontes energéticas. Foi neste contexto que em Maio assinou oficialmente um acordo de "petróleo por leite" com a Venezuela, que envolve a troca de lacticínios portugueses por petróleo venezuelano. O governo português apressou-se a acrescentar outras áreas de cooperação, incluindo infraestruturas portuárias, casas, tecnologia, execução legal e aviação comercial. Ao longo do ano passado, o governo português e o governo venezuelano assinaram mais de 40 acordos relativos a novas áreas de cooperação.
3. (U) Algumas das empresas portuguesas visadas nos acordos incluem a Montebravo (construção), a Sapropor (alimentação), a Primor, a Cerealis (alimentação), a Ramirez (peixe enlatado), a Cofaco (marisco em lata) e a Sovena (óleos alimentares). Todas as empresas começaram e enviar remessas em Abril de 2008, antes da visita do PM Sócrates à Venezuela em Maio.
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Proteger as pessoas
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4. ( C ) Apesar dos crescentes laços económicos, os representantes portugueses asseguram-nos que os 600 000 portugueses a viver na Venezuela são a principal motivação para a relação bilateral próxima de Portugal com a Venezuela. Representantes do ministério dos Negócios Estrangeiros disseram-nos, por exemplo, que acreditam que é importante manter uma relação amistosa com Chávez, para garantir que o governo venezuelano não persegue os portugueses em retaliação contra tensões bilaterais. De facto, a directora para os assuntos americanos do ministério, Helena Coutinho, garantiu que Portugal manterá boas relações com Chávez, "a menos que ele declare uma guerra."
5. ( C ) O governo português tem motivos para estar preocupado com as condições dos cidadãos portugueses na Venezuela, tendo em conta que as condições de segurança estão a piorar e já foram vários os lojistas portugueses a exigir, nos últimos tempos, mais protecção directa do governo. Em finais de Setembro, vários empresários portugueses enviaram uma carta aberta a Sócrates, exigindo-lhe que levantasse com Chávez a deterioração da situação em termos de segurança nos subúrbios de Caracas. Este ano, 20 empresários portugueses foram raptados e outros dez assassinados (quatro só em Setembro). Federico Ludovice, Conselheiro Diplomático do PM Sócrates para a América Latina, disse-nos que Sócrates iria abordar o assunto em privado com Chávez, mas fez notar que a questão da segurança na Venezuela é de um modo geral problemática, e que os portugueses não são um alvo específico. A 30 de Setembro, Chávez anunciou a criação de um interlocutor especial para a comunidade portuguesa comunicar preocupações relativas à segurança.
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Repercussões políticas
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6. (S/NF) Embora o governo português tenha recusado dois dos pedidos de Chávez para visitar Lisboa em 2005, por desagrado com a detenção na Venezuela de um piloto português acusado de tráfico de droga, Chávez fez uma visita em 2006 numa paragem de abastecimento, e de novo em Novembro de 2007, para participar num jantar oferecido pelo primeiro-ministro. A visita de Chávez em Setembro 2008 foi a quarta entre os dois líderes este ano. Quando levantamos as preocupações dos E.U.A. relativamente às políticas implementadas pelo governo de Chávez, os nossos interlocutores asseguram-nos regularmente que compreendem as nossos reticências e usam as visitas para passar mensagens duras em privado. O presidente Cavaco Silva resumiu bem a questão quando disse ao embaixador (Ref A) que "têm de compreender a nossa posição. Temos 500 mil (sic) portugueses lá. Sabemos — e eu já estive com ele — que ele é
LISBOA 00002629 002 DE 002
doido, mas…"
7. ( C ) Apesar dos benefícios do aumento do comércio com a Venezuela para a frágil economia portuguesa, o primeiro-ministro não conquistou o apoio da opinião pública após a visita de Chávez a Lisboa em Julho, sobretudo por causa da indiscrição do presidente venezuelano. Durante essa visita, Sócrates terá confiado as suas preocupações com a fragilidade da economia portuguesa a Chávez, que depois as divulgou na televisão nacional na Venezuela. Chávez afirmou que Sócrates lhe dissera que a economia portuguesa estava "estagnada", um diagnóstico muito mais sombrio do que as análises optimistas partilhadas com o público doméstico. Os partidos da oposição PSD e CDS aproveitaram as notícias e pediram a Sócrates para explicar as declarações perante o parlamento, mas o PM não respondeu.
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O encontro mais recente
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8. (U) A visita de Chávez a Lisboa em 27 de Setembro centrou-se mais uma vez no fortalecimento dos laços económicos. Assinou dois acordos com o governo português e empresas portuguesas — um para comprar um milhão de computadores feitos em Portugal e o outro para construir 50 000 casas pré-fabricadas na Venezuela, o último num valor de dois mil milhões de euros. Os media portugueses cobriram extensamente a visita e publicaram fotografias com os dois líderes de braço dado.
9. ( C ) Talvez em resposta ao aumento de visitas e ao novo estatuto de Portugal como o país mais visitado da UE, as manchetes locais levantaram a questão: "o que quer Chávez de nós?" Chávez disse à impressa que estava reconhecido por Portugal ter "aberto as portas" do mundo à Venezuela, e acrescentou que Portugal estava em condições de explicar e defender a Venezuela perante os parceiros europeus e contrariar a opinião de que a Venezuela era o diabo e ele um tirano. Num discurso improvisado, sublinhou a sua agenda política, incluindo "a revolução silenciosa da verdadeira democracia." Por sua vez, Sócrates limitou-se a realçar a preocupação do governo português com o bem-estar da comunidade portuguesa na Venezuela e o empenho na cooperação bilateral nos campos da educação e dos computadores. Sócrates e Chávez deverão voltar a encontrar-se na Cimeira Ibero Americana em El Salvados em finais de Outubro.
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Comentário: o aumento dos preços do petróleo
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10. (C/NF) O governo português ouviu as nossas preocupações relativas à Venezuela, mas defende os acordos energéticos com Chávez com base no comércio petrolífero entre os E.U.A. e a Venezuela. De um modo geral, o interesse de Portugal em encontrar novos fornecedores de energia recebeu uma resposta mista — a imprensa e o público parecem divididos entre fortalecer laços com produtores de petróleo como Chávez e desconfortáveis com o envolvimento com um novo parceiro tão controverso. Tendo em conta o incómodo público de Sócrates com o facto de Chávez ter divulgado comentários privados na televisão, e a propensão de Chavez para usar a relação bilateral de formas que possam causar mais embaraços a Sócrates, o primeiro-ministro provavelmente vai pensar duas vezes antes de aceitar pousar para outra fotografia com o "bom amigo Chávez." Fim de comentário.
STEPHENSON
Tradução de Mariana Avelãs para o WikiFugas