A discussão e análise em torno da derrota eleitoral, pressupõe um aprofundamento da orientação política a adoptar e da definição clara e inequívoca de que esquerda somos. Uma primeira resposta foi dada logo após as eleições: SEMPRE CONTIGO – Pelo emprego, pelos salários e pelas reformas, conteúdo do novo cartaz que aponta a predisposição para a luta ao lado dos fustigados pelas medidas do governo/FMI.
Toda a política do medo encetada pela direita antes e durante a campanha eleitoral, é agora acompanhada pelo apelo à submissão, esconjurando o espectro político que representa a Grécia. Se durante o período dos vários “PECS”, do orçamento de estado e da campanha eleitoral, cometemos o erro de menosprezarmos o esclarecimento de rua em favor de uma retórica parlamentar trancada pela comunicação social, está na hora de combatermos o medo com o apelo à insubmissão. O novo cenário de direita, responsável pela aplicação do programa da troika, leva-nos à adopção de uma linha de não submissão à política de austeridade e bancarrota a que nos pretendem submeter. A nossa orientação deverá passar pela conciliação do trabalho parlamentar com a expressão da nossa voz por todo o universo que vai do trabalho à escola, do desemprego à reforma. Essa conciliação encarna-se no espírito dos discursos de F. Louça no Coliseu do Porto em 2009 “eu vi este povo a lutar” e em 2011 porque votar BE, onde estão expressos o espírito da nossa esquerda: ESQUERDA DE COMBATE – ESQUERDA DE CONFIANÇA.
A “frente” pela insubmissão implica que iniciemos uma discussão profunda e eficaz sobre organização. É urgente que discutamos sem estigmas e sem complexos. Precisamos de um forte reforço da mesma e de um “desavergonhado” apelo à militância. Temos de lutar para estarmos organizados nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas escolas, nos movimentos sociais, nas associações cívicas. Temos de nos aproximar dos independentes e de todos que queiram participar nesta luta contra a submissão. Não temos que ser “donos” dos sindicatos nem de nenhum movimento, mas temos de lá estar sem complexos e sem seguidismos absurdos e desconexos com a realidade. Devemos fazer acordos com outras forças políticas, parlamentares e de acção, lutando lado a lado pela insubmissão à política do FMI.
A orientação da luta contra o FMI já havia sido determinada pela Convenção Nacional, só que antes deste novo aspecto político. A insubmissão nasce dessa mesma decisão, pelo que o “NÃO AO FMI” continua na ordem do dia. Foi na base desse não que o BE recusou reunir com a troika. Pela dignidade e pela não representação democrática de tal instituição, apoio de forma incondicional a decisão tomada. Recordando José Mário Branco no seu célebre FMI: “não há graça que não faça o FMI”, tendo reservado como graça para Portugal o apelo “democrático à conversação” quando já tinha o memorando pronto a ser assinado. Porque razão haveria o BE de passar-lhes o certificado de validade democrático pretendido? Porque perdeu votos como alguns argumentam? Ir pelos votos representaria um acto de hipocrisia eleitoral, que em nada honraria a nossa esquerda. Outros argumentam que não nos colocamos do lado da solução. Qual solução? Se a solução era esta, a do memorando, então quero estar do lado do problema. Concorremos às eleições, queremos votos e ganhar, mas temos princípios. Não somos meramente eleitoralistas.
Com a eleição de 16 deputados em 2009, alinhámos por uma política de euforia parlamentar. A informação e a combatividade foram substituídas pelo “acinzentamento parlamentarista”. Fizemos um excelente trabalho no estudo e elaboração das medidas económicas a adoptar, sublinhando a auditoria e a renegociação como princípio para o resgate da divida, mas actuámos com sobranceria e subestimámos o medo que assolou todo o mundo do trabalho pela pretensa falta de salário anunciada por uma direita sedenta de poder. Não apresentamos uma linguagem de resistência contra o medo, e não apresentamos Abril em defesa dos direitos democráticos, apesar do Francisco Louçã ter dito na Convenção que precisamos de um 25 de Abril novo. Não sei se teríamos mais votos, mas era um caminho possível a seguir. A luta contra o medo e o descrédito é uma luta tremenda, sem possíveis ganhos imediatos, mas uma luta sempre necessária e que nunca devemos descurar. Tal como não acho plausível quantificar possíveis votos ganhos, também considero abusivas algumas conclusões que apontam eventuais erros, como por exemplo apoio a Alegre, moção de censura , não à reunião com a troika, encontro com o PC, como razão para a perda de quase 300.000 votos. Se o tiro nos saiu pela culatra quanto à esquerda grande com Alegre, já a moção de censura foi correcta pois o PS propunha-se a facilitar os despedimentos. A Direcção foi sempre um pouco autista, nunca tendo explicado exaustivamente para dentro e para fora as razões de tais decisões. Temos que melhorar todo o procedimento de auscultação das bases, deixando de lhes apresentar para discussão decisões já tomadas. No entanto, parece-me claro, que toda e qualquer conjectura de perdas e ganhos naquela conjuntura eleitoral dominada pelo medo, é objectivamente especulativa.
Quanto ao futuro impõe-se a colocação de algumas questões, que ajudem à continuidade e definição do Bloco:
Quem decide a orientação política? Os eleitores ou a organização? Qual a estratégia a seguir? A delineada pelas nossas convicções ou a da captação dos votos?
As grandes manifestações de desacordo e “rabuscadamente” explicativas para a derrota eleitoral, alinham por cartilhas meramente eleitoralistas, apanágio dos partidos burgueses. A tão propalada renovação, pedindo o afastamento dos fundadores, sem a apresentação de uma fundamentação política a não ser a perda de votos, representa um rolar de cabeças inadequado a uma esquerda solidária e de respeito pelas pessoas. Vislumbra-se uma ténue e disfarçada apetência pelo poder, pois um congresso extraordinário pressupõe nova linha política e nova direcção. Não sendo dogmático nem sectário, recuso o poder pelo poder, a aliança pela aliança. A esquerda, nascida de princípios revolucionários, anti-capitalista e socialista, tem um trajecto árduo a percorrer. É difícil, claro que o é! Mas a nossa utopia é apaixonante. Quero pertencer a uma esquerda que se comova com a vida, que também saiba pensar com o coração. Quero pertencer a uma esquerda que crie pontos de encontro na luta pela insubmissão, e que não se desuna em alianças inconsequentes funcionando como os PS vermelhinhos para o PC nem uma espécie de verdes anti Coreia para o PS. Chico Buarque, na sua cantiga de amor “Valsinha” escreveu a determinado passo: “ pôs o vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar”. É isso mesmo! É preferível vestir a camisa cheirando a guardado de tanto esperar do que pendurar no pescoço a gravata de seda cheirando a governo, a decapitação das ideias e a submissão.