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Pablo Iglesias: "Os poderosos gostavam que ainda estivéssemos a discutir nas praças"

Pablo Iglesias, recém-eleito líder do Podemos, falou ao esquerda.net sobre as razões da ascensão do novo partido e do que podemos esperar de um governo Podemos em caso de vitória eleitoral.
Pablo Iglesias, secretário-geral do Podemos, na entrevista ao esquerda.net

Anda muita gente à procura da fórmula mágica do Podemos: para além do impacto da corrupção dos políticos e da força dos movimentos sociais, que outros ingredientes tem?

Vou falar dessa famosa fórmula mágica logo à noite no comício [ver vídeo da intervenção]. Não sei se é mágica, mas há seguramente uma laicidade no Podemos no momento de enfrentar uma realidade que tem muitas particularidades próprias do caso espanhol, mas também muitas semelhanças com o que se passa noutros sítios. Isso tem a ver com uma coisa que é muitas vezes difícil de assumir por parte de certos sectores, isto independentemente do que cada um seja - e eu sou de esquerda…

É preciso assumir que há um terreno político aberto e novo em que podemos ser maioria. E que às vezes, para sermos maioria, os símbolos, as identidades, as coisas que nos fazem emocionar, podem não ser úteis para alcançar o que é importante: a mudança, a defesa dos direitos sociais e da democratização da economia.

Duas metáforas: Esquerda e direita não são úteis para impulsionar a mudança política na nossa sociedade e é isso que é preciso perceber. Infelizmente, uma parte dos sectores de esquerda na Europa construíram ao longo da história uma estratégia eleitoral que consistia em receber o que as formações social-democratas deixavam fugir para a sua esquerda. Isto servia, no melhor dos casos, para ter aspirações de governo a nível institucional como muleta dessas forças políticas, que em última instância se demonstraram parte do regime, parte do problema.

É preciso assumir que há um terreno político aberto e novo em que podemos ser maioria. E que às vezes, para sermos maioria, os símbolos, as identidades, as coisas que nos fazem emocionar, podem não ser úteis para alcançar o que é importante: a mudança, a defesa dos direitos sociais e da democratização da economia.

O segundo elemento dessa fórmula, que talvez possa ser útil para sectores da esquerda, é assumir que o terreno da ideologia é um terreno fundamental de batalha e de disputa e isso tem a ver com a comunicação e não, de novo, com a identidade. Quando vamos a um estúdio de televisão ou prepara uma campanha de comunicação, o mais importante não é dizer “eu sou de esquerda”, mas sim disputar uma série de significantes e elementos com que boa parte das pessoas se identificam, que são justos, e têm a ver com os nossos valores.

Há uma interpretação muito incisiva do marxismo que diz que “o marxismo é uma posição moral que depois se enche de ciência”, mas o fundamental é essa posição moral ante as injustiças. O que não se pode fazer é converter a ciência em religião, em mitos, em símbolos, em bandeiras. É preciso fazer com que essa posição moral de indignação contra a injustiça, de acreditar que as coisas pode ser feitas de outra forma, num momento de crise como esta, pode ser maioritária. E para converter essa maioria social em maioria política, às vezes temos de ser laicos. O espaço está aberto e qualquer um o pode ocupar. Para que não seja ocupado pelos monstros xenófobos e racistas ou a extrema-direita, talvez a esquerda deva entender que o poder não teme a esquerda, o poder teme as pessoas e o povo.

Se o Podemos nasceu da força de um movimento com caraterísticas assembleárias, não há uma contradição em adotarem agora um modelo de direção centralizado?

Creio que escolhemos um modelo organizativo que é o que nos pode levar a ganhar as eleições. Os que as pessoas nos disseram - mais de 100 mil participaram no nosso processo de eleição - é “queremos que ganhem já as eleições, queremos a mudança agora, não daqui a cinco anos. Queremos que sejam eficazes. Se há algo que nos agrada no Podemos é que foi capaz de amedrontar os poderosos”.

Os poderosos estavam muito tranquilos quando nos viam apenas nas assembleias. Às vezes também as podiam dissolver, enviando a polícia de choque. Quando viram que somos capazes de fazer política, de tomar decisões, de sermos estrategas, de não termos medo das críticas…  Já nos criticaram porque tínhamos um porta-voz que ia a televisão, porque pusemos uma cara no boletim de voto, porque fizemos sondagens para analisar o estado das coisas, porque fizemos uma campanha em que deixámos para trás muitos símbolos velhos para apostar em símbolos novos.

Foi assim que as pessoas viram que o Podemos está preparado para enfrentar os adversários. Os nossos adversários iam adorar que ainda estivéssemos a discutir nas praças. Vamos continuar nas praças, mas vamos também governar nas instituições.

E caso vençam as eleições, como irão conciliar um governo do Podemos com um regime monárquico?

Nenhum democrata considera razoável que um chefe de Estado não seja escolhido nas urnas, mas de forma hereditária, por ter uma espécie de sangue azul. Essa é uma questão a discutir e deveremos perguntar aos espanhóis se querem ou não escolher um chefe de Estado através do voto.

Julgo que o problema não é que o regime seja monárquico. Nenhum democrata considera razoável que um chefe de Estado não seja escolhido nas urnas, mas de forma hereditária, por ter uma espécie de sangue azul. Essa é uma questão a discutir e deveremos perguntar aos espanhóis se querem ou não escolher um chefe de Estado através do voto. Abriremos um processo constituinte e estará na nossa mão discutir tudo.

Mas o fundamental é que as crianças vão lavadas à escola, que haja pensões públicas, apoio aos desempregados, políticas de emprego, universidades não só para os filhos dos ricos mas sim para toda a gente. Creio que isso é o fundamental para construir uma democracia, e não uma identidade sobre se cada um é republicano ou monárquico.

Nos países da periferia do euro, é impossível apresentar alternativas sem tratar do problema da dívida. Como pretendem encarar esse problema?

É fundamental levar a cabo uma restruturação ordenada da dívida. Já não somos só nós a dizê-lo, todos os economistas sérios como o sr. Stiglitz, prémio Nobel da Economia e até o ex-chefe dos economistas do FMI, que há pouco dizia que foi uma loucura tentar que Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha pagassem toda a sua dívida, porque não se pode pagar. A dívida converteu-se num mecanismo de controlo político sobre os países para lhes roubar a democracia.

Recuperar a soberania e a possibilidade de fazer políticas expansivas para sair da crise implica uma restruturação da dívida, e eu acho que esta não é uma questão de ideologias. Qualquer patriota, ou qualquer pessoa que defenda que a democracia implica que a soberania esteja no povo, tem de assumir que o que faz falta agora é uma auditoria e uma restruturação ordenada da dívida.


Entrevista de Luís Branco e Nino Alves.

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