Onde param os admiradores portugueses de Bolsonaro?

06 de maio 2020 - 15:59

Alguns direitistas portugueses podem ter-se encantado com a eleição do extremista brasileiro, mas aposto que nenhum gostaria de viver a pandemia no país de Jair Bolsonaro. Por Mariana Mortágua.

porMariana Mortágua

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apoiantes portugueses de Bolsonaro

Tudo se passou há menos de dois anos. Paulo Portas1, já comentador, não via nada "eticamente reprovável" em Bolsonaro e considerava exageradas as acusações de ultraliberalismo. Nuno Melo2, sempre enraivecido, desdobrou-se na defesa de Bolsonaro. Assunção Cristas3 não via diferenças entre o candidato democrático Haddad e este extremista de Direita. Santana Lopes4 chegou ao ponto de escrever-lhe uma carta de felicitações pela eleição. Carlos Peixoto5, deputado do PSD, estava certo que o exercício do poder levaria Bolsonaro "à moderação e ao pragmatismo". Luís Nobre Guedes6, do CDS, declarou que, se pudesse, votaria nele. André Ventura7, do Chega, encantava-se com "essa frescura de pensamento que os liberais ocidentais podiam aprender com Bolsonaro".

As razões que levaram à eleição de Bolsonaro são complexas. Vão das campanhas de mentiras e desinformação, à pobreza e desgaste do Governo anterior. Mas, para que a história não se apague, é justo perguntar por todos, estes e outros, que, em Portugal, se dedicaram a banalizar a figura e, com ele, as políticas monstruosas que sempre anunciou a quem o tivesse ouvido.

Imagine-se a viver num país com 200 milhões de habitantes, onde 50 milhões são pobres, 13 milhões vivem em favelas sobrelotadas e o acesso à saúde é um privilégio para quem tem meios. Seria um contexto assustador para viver uma pandemia como a covid, não é? Imagine agora que, por decisão do Governo do seu país, os serviços públicos de água, alimentação, habitação, saneamento e saúde tenham sofrido cortes que, segundo a ONU, "violaram os padrões internacionais de direitos humanos". Imagine que o presidente desse Governo usa o tempo de antena disponível para convencer a população que a covid não existe, que não passa de uma gripezinha, uma doença de velhos e fracos. Sentir-se-ia seguro? E se esse presidente se opusesse ao confinamento social para manter a economia em pleno? Se despedisse o ministro da Saúde por causa dessa divergência, ou entrasse em conflito com governadores locais que impusessem algumas regras básicas de saúde pública. Confiaria nas autoridades? E em estatísticas oficiais? E se soubesse que esse seu país testava menos gente que países 20 vezes menores? Teria estômago para saber que há cadáveres a amontoarem-se em hospitais depauperados?

No dia em que o Brasil superou a China em número de mortos, esta figura, que não levantou estranheza a figuras centrais da Direita portuguesa, responde: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres". Alguns direitistas portugueses podem ter-se encantado com a eleição do extremista brasileiro, mas aposto que nenhum gostaria de viver a pandemia no país de Jair Bolsonaro.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 5 de maio de 2020


Notas:

3 Brasil. Entre Bolsonaro e Haddad, Assunção Cristas diz que escolheria não votar em ninguém https://www.dn.pt/poder/assuncao-cristas-diz-que-nao-votaria-nas-eleicoes-brasileiras-10084020.html

5 Carlos Peixoto: “o exercício do poder vai obrigá-lo à moderação e ao pragmatismo” https://www.dn.pt/poder/vitoria-de-bolsonaro-esquerda-demoniza-direita-desdramatiza-9983663.html

6 “Luís Nobre Guedes também admite que escolheria abster-se ou votar Bolsonaro, sempre ‘contra o PT’” https://www.publico.pt/2018/10/26/politica/noticia/jaime-nogueira-pinto-votaria-bolsonaro-nobre-guedes-tambem-admite-1849069

7 “André Ventura elogia ‘frescura de pensamento’ de Bolsonaro” https://ptjornal.com/andre-ventura-elogia-frescura-de-pensamento-de-bolsonaro-345177

Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Coordenadora do Bloco de Esquerda. Economista.
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