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Onda de frio no Brasil, preços agrícolas aumentam

Os especialistas ligam a chegada do frio intenso à perturbação da circulação de massas de ar frio da Antártida e de ar quente do Brasil devida ao aquecimento global. Como consequência do fenómeno, os preços do café e açúcar subiram nos mercados mundiais e espera-se um aumento nos preços de bens alimentares no Brasil.
Em São Joaquim, na serra Catarinense, a geada cobriu os campos. Mycchel Leganghi/São Joaquim Online/Fotos Públicas.
Em São Joaquim, na serra Catarinense, a geada cobriu os campos. Mycchel Leganghi/São Joaquim Online/Fotos Públicas.

No sul do Brasil há quem, com mais de 60 anos, tenha visto neve pela primeira vez na vida.

É o caso de Gonçalves Marques, um condutor de camiões de 62 anos, habitante de Cambará do Sul, que contou isso mesmo à TV Globo, salientando que ver a beleza da natureza é uma coisa “indescritível”. Mas ainda que a beleza seja indescritível, os efeitos da onda de frio que, devido a uma massa de ar polar, tem atravessado o país, são bem materiais.

As temperaturas negativas fizeram-se sentir em vários pontos, tendo chegado a -10ºC em alguns deles. E a sensação térmica terá chegado mesmo, em alguns casos, aos 25 graus negativos. Os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão entre os mais afetados. No primeiro caiu neve em 33 cidades na passada quinta-feira. No segundo, o mesmo aconteceu pelo menos em dez. Em Goiás e Mato Grosso do Sul, a neve foi acompanhada por ventos de 80 quilómetros por hora.

Segundo a meteorologista do Climatempo, Daniela Freitas, citada pela G1, esta sexta-feira "as regiões ainda devem amanhecer geladas, inclusive podemos bater a madrugada mais fria do ano nas capitais do Sudeste".

Esta é a terceira grande onda de frio dos últimos anos, depois de 2013 e 2016, e a segunda em menos de um mês. De entre estas não foi a mais grave em termos das temperaturas alcançadas mas marcou pela sua durabilidade, prevendo-se que durará até à próxima segunda-feira. Os especialistas assinalam ainda que é mais uma prova de que os fenómenos deste tipo se estão a tornar mais frequentes.

Em termos agrícolas, a geada dos últimos dias atingiu sobretudo as culturas de café e de cana do açúcar. E os preços mundiais destes produtos subiram imediatamente. Sendo o Brasil o maior produtor do mundo, os preços do café arábica subiram aos níveis mais altas dos últimos sete anos. As áreas produtoras de Minas Gerais atingidas pelas geadas foram entre 150 mil a 200 mil hectares, correspondentes a cerca de 11% do total da cultura no Brasil. Por sua vez, o preço do açúcar bruto no mercado de futuros da ICE, nos EUA, atingiu o preço mais alto dos últimos cinco meses.

A Folha de São Paulo cita o economista André Braz do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, que estima que o aumento de preços dos alimentos devido às geadas fará a inflação brasileira aproximar-se dos 7%. Os problemas derivados do frio intenso somam-se aos da seca. E não se restringem àqueles bens. Também milho, hortaliças, citrinos e até carnes e leite, uma vez que o pasto e grãos foram afetados, poderão vir a aumentar de preço no mercado brasileiro.

Relativamente ao milho, o Departamento de Economia Rural estimou que a safrinha de milho de 2020/21 no Paraná sofreu a maior perda da história. A previsão de produção de 14,6 milhões de toneladas foi reduzida para 6,1 milhões, com prejuízos financeiros de 11,3 biliões de reais.

A onda de frio e o aquecimento global

À BBC Brasil, Francisco Eliseu Aquino, geógrafo e climatólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que o frio que chegou em força ao Brasil é compatível com o aquecimento global. O fenómeno é devido à circulação de massas de ar quente e ar frio entre o sul do Brasil e a Antártida. O aumento do calor dos invernos brasileiros ultimamente perturba esta troca fazendo o ar quente entrar na Antártida e o ar frio chegar ao Brasil. O especialista realça que, antes da chegada da massa polar, as temperaturas em Porto Alegre e São Paulo estavam perto dos 30ºC quando se vive o inverno nesta região do mundo.

Para Aquino, a onda de frio agravou-se por ter passado no mar de Weddell que é uma das suas regiões mais geladas. O cientista diz que este tipo de ocorrências, como ondas de frio durante invernos quentes e secos, já estavam previstas há cerca de 15 anos. “Caminhamos para um cenário de estiagens mais longas e secas no Brasil, com o desmatamento e as queimadas intensificando esses processos", sublinha.

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