Sou um teórico da conspiração. Acredito que há grupos de pessoas que conspiram secretamente contra os nossos interesses para encherem os bolsos, protegerem as suas costas ou atingirem objetivos políticos. Segundo esta definição, suspeito que também o sejas.
Vemos provas destas conspirações todos os dias. Vemo-las no escândalo Horizon, em que os Correios continuaram a processar operadores inocentes. Vemo-las na utilização pelo governo britânico de uma via “VIP” para adquirir Equipamento de Proteção Individual a amigos e doadores do partido do governo a preços extorsivos. Vemo-los no escândalo Windrush, em que pessoas viram os seus direitos legais negados e foram ilegalmente deportadas pelo governo do Reino Unido. No escândalo da Cambridge Analytica: uma campanha secreta de micro-direcionamento que terá influenciado o voto no Brexit. Nos Panama Papers e nos Pandora Papers, que mostram como os ultra-ricos escondem o seu dinheiro dos impostos e do escrutínio legal.
Tudo isto são conspirações no verdadeiro sentido: maquinações ocultas que promovem interesses particulares enquanto causam danos a outros. Uma teoria é uma explicação racional, sujeita a ser refutada. Se aceitares que estes escândalos são o resultado de maquinações ocultas, o que é evidente, és um teórico da conspiração.
Como tantas vezes acontece com questões de importância pública, a linguagem que utilizamos é deficiente e enganadora. Precisamos de termos melhores, que distingam os contos de fadas malucos e muitas vezes malignos da própria essência da democracia: a suspeita fundamentada daqueles que exercem o poder sobre nós. Prefiro chamar aos contos de fadas “ficções conspirativas” e àqueles que os vendem “fantasistas conspirativos”.
Um aspeto extraordinário desta questão é o facto de haver tão pouca sobreposição entre os fantasistas da conspiração e os teóricos da conspiração. Aqueles que acreditam em histórias não comprovadas sobre cabalas ocultas e maquinações secretas tendem a não mostrar interesse em histórias bem documentadas sobre cabalas ocultas e maquinações secretas.
Porque é que acontecerá isto? Porque é que, quando há tantas conspirações reais com que nos preocuparmos, as pessoas sentem a necessidade de inventar e acreditar em conspirações falsas? Estas questões tornam-se especialmente prementes na nossa era de extrema disfunção política. Esta disfunção resulta, creio eu, em grande parte de uma espécie de meta-engano, chamado neoliberalismo. A propagação e o desenvolvimento desta ideologia foram discretamente financiados por algumas das pessoas mais ricas do mundo. A sua campanha de persuasão foi tão bem sucedida que esta ideologia domina atualmente a vida política. Foi responsável pela privatização dos serviços públicos; pela degradação da saúde e da educação públicas; pelo aumento da desigualdade; pela pobreza infantil galopante; pelos offshores e pela erosão da base tributária; pelo crash financeiro de 2008; pela ascensão dos demagogos dos tempos modernos; pelas nossas emergências ecológicas e ambientais.
Mas sempre que começamos a perceber o que está a acontecer e porquê, de alguma forma essa compreensão descarrila. Uma das causas do descarrilamento é o desvio da preocupação e da raiva do público para ficções conspirativas infundadas, distraindo-nos e confundindo-nos sobre as razões das nossas disfunções. É intensamente frustrante.
Há muitas hipóteses sobre a razão pela qual as pessoas acreditam nestas histórias, mas só há uma boa maneira de responder à pergunta. Falando com elas.
Vivo na “Cintura das Lentilhas”: perto de Totnes, no sul de Devon. Embora todos os tipos de pessoas vivam aqui, a cidade tem uma reputação, não inteiramente imerecida, de “conspiritualidade”: a convergência da cultura da nova era e das ficções de conspiração. O episódio mais perturbador da série radiofónica da BBC, Marianna in Conspiracyland, teve como protagonista o artista de Totnes Jason Liosatos. Ele não conseguia ver o que havia de errado com uma afirmação flagrantemente antissemita e eugenista que tinha feito. Quando pesquisei por ele, encontrei um artigo da campanha antirracista Hope Not Hate, que detalhava as suas difamações anti-semitas. Também tinha sido banido do YouTube pelas suas falsidades sobre a pandemia. Parecia um monstro. Mas quando o seu nome surgiu entre amigos, disseram-me: “O estranho é que ele também é um tipo muito simpático, sempre a ajudar as pessoas e a dar o seu dinheiro, um pilar da comunidade”. O aparente oposto do misantropo que vive numa cave que eu tinha imaginado.
Fiquei intrigado. Como alguém poderia trilhar ambos os caminhos? Como poderiam eles ser pró-sociais e gentis e, ainda assim, espalhar as falsidades mais anti-sociais e cruéis? Ele parecia a pessoa óbvia com quem conversar se eu quisesse saber por que e como essas ficções se espalhavam.
Quando entrei na sua galeria, Liosatos cumprimentou-me calorosamente (ele sabia quem eu era) e mencionou um amigo em comum. Um homem alto, em forma e bonito, de 62 anos, com uma estrutura poderosa e cabelos grossos, ele parecia extremamente amigável e gentil. Como é que essa pessoa poderia ter opiniões tão terríveis? Ele concordou em conversar comigo e marcámos um encontro no Dartington Hall, um edifício medieval não muito longe da cidade.
Ao pesquisar para a entrevista, achei as contradições espantosas. Como Russell Brand, ele mistura fábulas tóxicas com exortações espirituais. “Apreciem a dádiva de mais um dia vivos neste planeta, neste vasto universo.” Encontrei todas as ficções conspirativas do costume: vacinas, nanopartículas, 11 de setembro, “chemtrails”, 5G, net zero, o Great Reset... e alguns dos piores insultos anti-semitas que já vi na Internet.
Nascido em Barry, Liosatos tem um sotaque quente do sul do País de Gales. Abandonou a escola cedo e foi vítima de toxicodependência, alcoolismo e sem-abrigo. O seu sentido de justiça social trouxe-lhe problemas: na África do Sul, foi alvejado quando tentava defender cidadãos negros dos espancamentos da polícia. Depois de um despertar espiritual, recompôs a sua vida: é um artista talentoso e bem sucedido. Muitos dos seus quadros têm temas não políticos: retratos, paisagens, vacas, cavalos, abstratos. Alguns mostram cenas sombrias de fome e exploração. Como é que eu poderia compreender este homem?
Sentámo-nos numa mesa suficientemente comprida para Vladimir Putin, numa grande sala do antigo pavilhão. Pareceu-me quase sem artifícios, sem as barreiras que a maioria das pessoas ergue contra o mundo. A sua linguagem corporal era aberta e descontraída. Era difícil não gostar dele.
Mas a partir do momento em que começámos a falar, dei por mim num lugar de extremo desconforto. As primeiras coisas que ele me disse coincidiam tanto com a minha própria visão do mundo que era quase como se estivesse a ouvir a minha própria voz a falar comigo. Estranhamente, isto desencadeou um forte sentimento de culpa por associação: como se, por concordar com ele em alguns aspetos, eu fosse também responsável pelo antisemitismo grosseiro e por outras ficções que ele espalhou. Falou fluentemente sobre a forma como interiorizamos a natureza opressiva de um sistema “baseado na ganância a curto prazo, no medo, no lucro, no poder, na dívida e na escravatura”. As pessoas, disse-me, “fingem que estão bem. E isso é parte do problema. Há uma capacidade incrível em cada pessoa para suportar o sofrimento, a dor, o tédio, o castigo, o trabalho que não quer fazer”. Eu próprio não o poderia ter dito melhor.
Tal como eu, ele quer “começar a construir pequenos modelos” de ação comunitária. E age de acordo com este impulso, com uma generosidade e uma abertura notáveis. “As pessoas entram na minha loja”, disse-me, “às vezes para me pedir dinheiro; outras vezes as pessoas entram e desatam a chorar”. Parece funcionar como uma espécie de terapeuta não oficial para as pessoas angustiadas da cidade. Diz que lhes explica que o que estão a sentir é uma resposta natural ao facto de viverem num sistema mundial enlouquecedor. Concordo plenamente com isso, e dar-lhe-ia um nome: capitalismo, que, graças ao óleo penetrante do neoliberalismo, se encontra agora em cada fenda das nossas vidas.
Depressa descobri, mais uma vez com algum desconforto, que há outra coisa que temos em comum: nenhum de nós está nisto pelo dinheiro. Quando lhe perguntei como é que o facto de ter sido banido do YouTube tinha afetado o seu rendimento, disse-me que tinha sido um grande golpe, pois tinha muitos seguidores, mas acrescentou: “Nunca o considerei como uma questão de rendimento”. Podia ter ganho muito dinheiro, disse, mas não estava interessado. Agora, no seu próprio canal, vende alguns suplementos nutricionais (parece fazer parte do território), mas diz que não ganha quase nada, uma afirmação que, olhando para o seu sítio, posso facilmente acreditar.
Isto distingue-o de muitos outros fantasistas da conspiração, alguns dos quais ganham balúrdios a espalhar as suas histórias falsas. Alguns, como o exército de aldrabões patrocinados pelas companhias petrolíferas, são pagos diretamente. Por vezes, os acordos são mais difusos. O movimento Tea Party, por exemplo, que gerou guerras culturais tóxicas, divisões políticas e ficções conspirativas (como o mito sobre o nascimento de Obama), foi alimentado e promovido pelos Americans for Prosperity, um grupo de campanha fundado pelos ultra-ricos irmãos Koch.
Alguns fazem fortunas espantosas a promover ficções no Substack, Spotify e Rumble. Alguns influenciadores ganharam dezenas de milhões desta forma. Liosatos, ao contrário de alguns dos empresários da guerra cultural, parece falar por convicção. “Só queria falar de um mundo melhor para a humanidade e de um mundo mais justo”, disse-me.
Quando lhe perguntei sobre o impacto da série da BBC, disse-me que muitas pessoas da cidade, incluindo pessoas de quem gostava, “de repente não me falavam”. Alguém desenhou uma suástica na parede da sua galeria. “Não quero ser essa pessoa que fala de coisas controversas, George. Deixa-me dizer que preferia não fazer isto... Mas estou a fazê-lo porque sinto uma obrigação para com pessoas que ainda nem sequer nasceram”.
Foi com isto que me deparei ao longo da nossa conversa: a retórica utilizada pelas pessoas dos movimentos verdes e de esquerda – pessoas como eu – tinha sido reaproveitada para justificar difamações grotescas contra judeus e outros grupos. Liosatos usa a linguagem da libertação para racionalizar falsidades que reforçam a opressão.
“As pessoas podem dizer o que quiserem sobre mim”, disse Liosatos. “Mas venham falar comigo, venham conhecer-me, é tudo o que peço às pessoas. Não sou um tipo assim tão mau.”
Perguntei-lhe sobre um vídeo no seu canal, no qual Liosatos entrevista um colega artista chamado Harry Vox. Vox, um cidadão americano, descreve-se, como muitos fantasistas da conspiração fazem (causando-me mais uma onda de dissonância), como um “jornalista de investigação”. Na realidade, ele limita-se a recitar afirmações desacreditadas. No vídeo de Liosatos, afirma que “todos os grupos de reflexão que têm algum significado em Washington são financiados com dinheiro judeu”; que “os judeus controlam os meios de comunicação social”; que durante 600 anos os judeus ganharam dinheiro “como portageiros, como cobradores de taxas, os rentistas”. Não trabalham, “são apenas proprietários de imóveis e alugam-nos” e por aí fora. Por outras palavras, recorreu à antiga transferência de culpa, atribuindo aos judeus todos os males do capitalismo. Ao longo desta diatribe nojenta, Liosatos acenou com a cabeça, por vezes interjectando: “Bem dito, Harry”.
Todas estas histórias são tropos de longa data ou falsas generalizações utilizadas para difundir e justificar o antissemitismo. Como o Hope Not Hate documentou, o próprio Liosatos tem um historial de afirmações deste tipo, por exemplo, dizendo às pessoas para “lerem os Protocolos dos Sábios Anciãos de Sião para saberem quem são os vossos mestres”, e afirmando que Bill e Hillary Clinton são dominados por “banqueiros judeus sionistas”.
Quando o questionei sobre estas e outras falsidades, depressa se tornou claro que Liosatos acreditava que os Protocolos dos Sábios de Sião eram um verdadeiro documento estratégico escrito por judeus. Como é que alguém podia não saber que se tratava de uma notória falsificação antissemita? Quando tentei persuadi-lo a ver que estava a canalizar mentiras ultrajantes, Liosatos começou a divagar, a agitar os braços, a falar em frases quebradas, desviando-se subitamente para assuntos não relacionados.
Comecei a suspeitar que ele se via como um mártir, perseguido por seguir as suas crenças. Afirmou que o Guardian me estava a pagar para provar que ele era antissemita. “O que é que querem fazer, pôr-me na prisão de Dartmoor? É lá que acham que eu devia estar?”
Eu não estava a fazer um esquema para derrubá-lo. Mas senti que valia a pena entrevistá-lo, ou a alguém como ele, porque as ficções conspirativas, mesmo – talvez especialmente – quando promovidas por pessoas que afirmam querer um mundo melhor, podem ter consequências mortais. Inspiram o terrorismo e ataques a judeus, muçulmanos, imigrantes, políticos e outros alvos. Os mitos anti-vaxx ajudam a propagar doenças infecciosas. Algumas das falsidades mais comuns visam também o sector público e a vida cívica, espalhando mentiras sobre saúde pública, escolas, medidas de acalmia de tráfego, planeamento urbano, política climática, cursos universitários, impostos. Reforçam as agressões do neoliberalismo. Quando essas falsidades são espalhadas por interesses poderosos, podemos vê-las como conspirações para espalhar ficções conspiratórias. Enganam as pessoas, retiram-lhes o poder e desviam a atenção dos crimes e das estratégias dos Estados, dos oligarcas e das empresas. As pessoas que recitam estas fábulas podem imaginar que estão a denunciar o sistema. Na realidade, estão a servi-lo.
Quase sempre, esta ladainha de histórias falsas conduz as pessoas para a extrema-direita. As ficções conspirativas são o combustível da política de extrema-direita: esta não pode funcionar sem elas.
Perguntei a Liosatos se concordava que, durante centenas de anos, incluindo durante o Holocausto, os judeus foram perseguidos e assassinados em consequência de calúnias anti-semitas. A paranoia que eu tinha começado a detetar parecia agora explodir.
“Agora vais chamar-me negacionista do Holocausto, é?”
“Qual é a tua opinião sobre o Holocausto?”
Ele começou a falar muito rapidamente.
“Não sei. Não sei. Tenho a certeza que houve um Holocausto, George. Sim, houve um Holocausto, não houve?… Eu sei que as pessoas foram… Foram gaseadas, mortas? Sabes? Tantas pessoas, polacos também, muitas pessoas, certo?”
Embora muitas outras pessoas, incluindo 1,8 milhões de polacos não judeus, tenham sido mortas a sangue frio pelos nazis, o número de judeus que estes assassinaram – seis milhões – ultrapassa de longe os ataques a qualquer outro grupo. Um tema comum na negação “branda” do Holocausto é camuflar estes factos.
Por esta altura, a expansividade calorosa de Liosatos tinha desaparecido. Estava a gaguejar e tenso, com os braços rígidos. Senti-me ao mesmo tempo furioso e triste por ele. Havia algo de trágico na forma como ele tinha tentado navegar num mundo que ele, com razão, via como louco, e tinha chegado a todas as conclusões erradas.
Levantei outra entrevista que ele tinha conduzido, com um homem chamado Courtenay Heading. No vídeo de Liosatos, Heading afirmou que os vírus não existem e que a Covid é “uma fraude”, e chamou aos médicos que promovem as vacinas Covid “médicos Mengele”. Este é um tema comum no trabalho de Liosatos: por exemplo, ele promoveu a alegação infundada e desacreditada de que os coágulos sanguíneos encontrados em cadáveres por embalsamadores são causados por vacinas contra a Covid.
Na altura da entrevista, Heading estava a aguardar julgamento. Liosatos agradeceu-lhe por tudo o que tinha feito, descreveu-o como um herói e comparou-o a Martin Luther King e a Gandhi por se ter colocado do lado errado da lei. Liosatos contou-me que Heading está agora na prisão. Quando lhe perguntei porquê, respondeu: “Bem, ele estava a fazer muitas – estava a fazer muitas coisas, a fazer muitas marchas, estava – estava – estava mesmo a ser...”.
“Por que é que ele estava na prisão?”
“Eu nem sequer sei.”
“Disse que, ao colocar-se do lado errado da lei, ele era um herói. Mas não sabes qual era a acusação que ele estava a enfrentar?”
“Não me lembro, era uma infinidade de coisas.”
“Havia uma acusação específica.”
“Está bem, diz-me. Mostra-me que sou um idiota, George. Vá lá, fica com a glória.” Ele parecia simultaneamente frustrado e resignado, quase como se soubesse que a farsa estava a acabar.
“Estava a perseguir e a assediar persistentemente uma mulher cientista. Durante todo o tempo em que ela estava grávida. Por isso, foi condenado a oito meses de prisão”. Para Heading, o “crime” da cientista foi criar um centro de testes de Covid.
“Certo.”
“O juiz disse que era difícil conceber um caso pior de perseguição”.
“Sim. Eu não sabia disso… Por isso, a seguir vais dizer – para me fazeres parecer ainda mais idiota, obviamente – que eu devia ter investigado mais.”
Sim, disse eu, ele devia ter investigado mais. Não estava ele curioso em saber porque é que Heading estava a aguardar julgamento?
“Bem, eu sabia que ele andava – ouvi dizer que andava a assediar alguém que estava no departamento de ciências. E ele tinha muitas provas de que esta vacina está a fazer mal às pessoas.”
“E achas que isso justificava assediar um cientista?
Uma longa pausa. “Bem, acho que sim, sim. Sim, acho, sim. E agora eles dizem: 'Oh, ela estava grávida'. Mas, George, ouve, acho o teu interrogatório espantoso. Acho que devias ter sido advogado ou assim, George.”
Quando lhe disse que estava a tentar compreendê-lo, ele respondeu: “Foste enviado para aqui”. Parecia que ele sentia que também ele era vítima de uma conspiração.
Passei à questão que mais me intriga. Porque é que tantos fantasistas de conspirações não se interessam por conspirações reais?
É preciso fazer um grande esforço para ver as histórias falsas mas não as verdadeiras. Por exemplo, existe uma ficção generalizada de que os “chemtrails” – o termo que os fantasistas da conspiração dão aos rastos de aviões – são um esquema insidioso para nos pulverizar com metais tóxicos (compostos de bário e alumínio), para alterar as nossas mentes. Não há provas de tais afirmações, mas os metais tóxicos presentes nos gases de escape dos aviões podem, de facto, estar a alterar as nossas mentes. No Reino Unido, o combustível utilizado nos aviões de propulsão a pistão ainda contém chumbo tetraetilo. Em doses suficientes, o chumbo reduz o QI e o desempenho mental e pode causar comportamentos irracionais, delírios, pesadelos e alucinações. Um artigo publicado na Public Health Challenges estima que mais de 370.000 agregados familiares (cerca de 900.000 pessoas) que vivem perto de aeródromos no Reino Unido estão “em risco de serem expostos a níveis prejudiciais de chumbo”.
Na UE, o chumbo tetraetilo no combustível para aviões está a ser eliminado gradualmente. Mas o governo do Reino Unido tem insistido, desde o Brexit, em criar um sistema separado de regulamentação de produtos químicos. Um resultado é que não há planos para acabar com o uso de chumbo tetraetila aqui.
Suspeito fortemente, mas não posso provar, que isto é o resultado do lobby da indústria. Chamem-lhe uma hipótese de conspiração. Também suspeito que este é o tipo de resultado que alguns dos grandes doadores da campanha Leave esperavam: a desregulamentação do capital sujo e antissocial é um objetivo central do neoliberalismo e, como vimos em muitos casos, o Brexit conseguiu-o. Chamemos a isto uma hipótese de conspiração parcialmente provada. Mas ainda não encontrei um fantasista dos chemtrails que mostre o mínimo interesse no chumbo tetraetilo ou no dinheiro obscuro derramado no Brexit. Se uma história é plausível ou provada, parece que não querem saber.
Por isso, perguntei a Liosatos sobre os escândalos que mencionei no início deste artigo: Correios, Windrush, via VIP, Cambridge Analytica, Panama e Pandora Papers. Em todos os casos, disse-me que não sabia o suficiente sobre eles. “Parece-me”, disse-lhe eu, “que te concentras nas coisas que não são verdadeiras e não nas que são verdadeiras”.
“Oh meu Deus!” Ele riu-se. “Isso é inacreditável. Estou espantado por estares a dizer isso, George, estou mesmo... Porque é que achas que eu não olhei para elas, George?”
“Não sei.”
“Bem, o que é que está a insinuar…? Diz. Desabafa… É quase como se… estivesses a tentar arranjar uma luta na lama! É muito estranho, sabes?”
De repente, o vento parece ter-lhe saído do corpo.
“Acho que já foi suficiente, pá, juro por Deus. A sério que sim. Tive um dia longo… Estive no hospital com o meu amigo durante a última semana e meia… E para ser sincero, gosto muito de ti, gosto mesmo, não estou a afastar-me porque me sinto ameaçado por ti… Só que – não consigo mesmo fazer isto.”
Parecia tão consternado e indignado que comecei a perguntar-me se o estaria a perseguir. Estaria eu a ser demasiado duro para com este homem confuso e deprimido? Será que se pode ser demasiado duro para com alguém que espalha mentiras anti-semitas cruéis e procura justificar a perseguição? Continuo a sentir pena e raiva dele, mas a estas sensações juntou-se uma outra: a contaminação. Sentia-me como se precisasse de um duche.
Começou a remexer-se no seu lugar, quase se levantando para sair. Perguntei se podíamos discutir só mais uma coisa. Pareceu-me que o Liosatos queria genuinamente criar um mundo melhor. Como é que o caminho para esse mundo melhor pode passar por espalhar o antissemitismo e defender os perseguidores?
“Estou a dar o meu melhor, sabes? Se alguém precisa de ajuda, eu tento ajudar. Ao mesmo tempo, talvez, como disseste, eu tenha cometido alguns erros terríveis… Podes escrever o que quiseres sobre mim, não estou preocupado com isso. Não estou mesmo. Não tenho nada a perder”.
Será, perguntei, que ele se concentra em ficções conspirativas porque não consegue enfrentar os verdadeiros horrores com que nos confrontamos? Ele atirou os ombros para trás, exasperado.
“Oh Deus, George, estou espantado por me teres dito isso. Estou chocado. Não estou a dizer que estás errado sobre tudo. É complexo, é isso que estou a dizer. O que eu faço, George, é olhar para o que toda a gente diz, certo?”
“Mas tu não olhas para o que toda a gente diz, pois não?”
“Oh, OK, George. É isso mesmo.”
“Devo parar a gravação?” perguntei.
“Podes dizer que o Jason disse para a desligar no Guardian... Espera aí, espera aí: “Ele ficou irritado, estava sempre a pôr os óculos. E depois veio na minha direção. George, vais fazer isso?”
“Não, não vou fazer isso.”
“Espero bem que não, pá.”
Quando entrámos no pátio coberto de musgo, ele parecia desanimado. Ele disse: “Não vou continuar a fazer isto. Não estou a ganhar nada com isto. Vou voltar para a visão espiritual”. Eu disse que achava que era uma boa ideia.
“Vamos dar um abraço”, disse ele.
No seu excelente livro Doppelganger, Naomi Klein explica como as ficções conspirativas atuais são uma resposta distorcida às impunidades do poder. Sabemos que nos estão a mentir, sabemos que a justiça não é feita, vemos os beneficiários a ostentarem a sua imensa riqueza e o seu poder antidemocrático. Os fantasistas da conspiração podem enganar-se nos factos, “mas muitas vezes acertam nos sentimentos”.
Os fantasistas da conspiração podem estar errados nos facto “mas muitas vezes acertam nos sentimentos”.
Gostaria de acrescentar algumas reflexões. Vejo as ficções conspirativas como uma forma de tranquilização. Isto pode parecer estranho: elas pretendem revelar “a verdade aterradora”. Mas veja-se o que dizem na realidade. O colapso climático? É uma farsa. Covid? Tudo falso. Poder? Apenas uma pequena cabala de judeus. Por outras palavras, os nossos medos mais profundos são infundados.
Estas ficções são altamente conservadoras. Vários dos libelos de Harry Vox seriam familiares em Inglaterra há 800 anos. A suspeita em relação à ciência e à tecnologia, a julgar pela associação generalizada da ferraria às artes das trevas, remonta à idade do ferro. Os mitos anti-vaxx na Europa são tão antigos como a vacinação. As ficções conspirativas dizem-nos que nada mudou, que são os mesmos sacanas que mandam, que este é um mal que conhecemos. Talvez seja por isso que alguns fantasistas se apegam tanto às suas histórias: são um lugar de segurança.
As ficções de conspiração também nos dizem que não temos de atuar. Se o problema for um Outro remoto e altamente improvável – em vez de um sistema no qual estamos profundamente enraizados, que exige uma campanha democrática de resistência e reconstrução – podemos lavar as mãos e continuar com a nossa vida. Libertam-nos da responsabilidade cívica. Talvez seja por isso que aqueles que se interessam por ficções conspirativas raramente se interessam por conspirações genuínas.
Quando entrei em contacto com Liosatos para verificar os factos, depois de ter escrito um rascunho deste artigo, ele respondeu-me por e-mail a pedir algumas pequenas supressões sobre assuntos pessoais, o que eu aceitei, mas de resto parecia resignado. Disse-me que, embora “isto não seja de modo algum uma retaliação pelo seu assassinato de carácter contra mim”, queria que eu soubesse que “quando estive contigo, senti um profundo vazio espiritual e tristeza dentro de ti, embora bem disfarçados… pode ser muito triste para mim ver e sentir a dor das pessoas que elas escondem tão bem”. Depois, lembrando-me da sua cordialidade e falta de rancor, e da perturbação que isso me causou desde o início, escreveu: “Mais uma vez, obrigado por me teres convidado para o nosso encontro, e desejo-te as maiores felicidades, amor e prosperidade”.
É difícil avaliar o nosso próprio bem-estar espiritual, mas tudo o que posso dizer em resposta é que fui surpreendido, à medida que fui envelhecendo, por uma felicidade poderosa e coletiva. Sinto-me estranhamente reconciliado com a vida e com o fim da vida, já não sou assombrado nem pelos demónios da minha juventude nem pela perspetiva da enfermidade e da morte.
Ou talvez me esteja a enganar a mim próprio. Talvez todos nós sucumbamos a ficções da nossa escolha.
Jason Liosatos e eu temos o mesmo desejo de um mundo melhor, a mesma raiva contra aqueles que o impedem. O que nos diferencia, penso eu, é o rigor. Penso que ele não é suficientemente rigoroso na escolha daquilo em que acredita. Como resultado dessa falta de rigor, o seu instinto de justiça e o seu forte sentimento de perseguição levaram-no a um lugar muito sombrio. Isto levou alguém que procurava ser bom a espalhar grandes males. É um aviso para todos nós.
Texto publicado no blogue do autor. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.