No momento da descoberta de um filme, é sempre bem-vinda a sensação de sermos levados pela intenção do realizador, mesmo quando as marcas narrativas nos segredam precisamente aquilo que já estamos a ver. O Irmão Mais Novo contorna essa eventual vontade de enquadrar emoções onde elas pertencem, até porque será nessa frustração que residirá a maior descoberta. Sobretudo quando estamos dentro de um registo de realismo social, como é o caso do refrescante segundo trabalho da muito promissora Léonor Serraille, a cineasta francesa que revela uma inusitada habilidade em desenhar quadros de intimidade e transição familiar.
Depois do fulgor do filme de estreia, Jeune Femme, vencedor da Câmara de Ouro, em Cannes, em 2017, Serraille centra-se agora no retrato do filho de uma outra 'jovem mulher'. Ela é Rosa, mãe solteira que aterra em Paris, no final dos anos 80, com dois filhos, vinda da Costa do Marfim. Ela terá ainda outros dois que ficaram e não serão referidos.
À partida, esta informação seria suficiente para sugerir um roteiro de paragens evidentes em torno de uma integração turbulenta. Em vez disso, Serraille opta por mostrar o lado da total integração, em grande parte dominada pela tremenda força de Annabelle Lengronne, ao compor uma mãe coragem a sério, embora sem perder o sorriso, a insatisfação do desejo e muito menos o estímulo que imprime aos filhos Jean e Ernest, interpretados por diferentes atores ao longo das diferentes épocas (desde a infância, adolescência e idade adulta). Esta aparente integração será apenas perturbada num único momento, revelador do aumento do fosso social, já na França atual (e na derradeira parte do filme), quando a polícia tem um encontro fortuito com Jean, o irmão mais novo, na altura já adulto.
Aliás, o passado é sempre atualizado pelo presente risonho desta família socialmente integrada e afetivamente habilitada. Por vezes até com uma espécie de visão idílica de uma França aberta para o outro, até com a possibilidade de um burguês proprietário de uma mansão organizar uma festa com o seu 'pessoal' e que acaba numa pequena orgia. Apesar de se perceber a intenção de Nathalie em contornar quase todos indícios de carga wokista - a tal expressão que entrou no mainstream para significar uma consciência social -, será talvez nos silêncios (mesmo que atrás de sorrisos) que se esconde tudo o que não é revelado. Como a "mala plena de dor", referida, no início, por Jean, em voz off, o narrador incumbente deste filme.

Será O Irmão Mais Novo um filme sobre as dores do crescimento?, sobre a transição entre a infância e a idade adulta?, sobre uma certa insatisfação emocional materna? O que se sente é a extrema liberdade com que as personagens assumem essas nuances, e se assumem a elas próprias, num cinema que tem sido comparado, com alguma justiça até, a John Cassavetes, a Maurice Pialat, aos irmãos Dardenne e até a Abdellatif Kechiche. Será que podemos até acrescentar a essa lista o nome de João Canijo? De certa forma, a associar uma linha estética que retira o melhor do charme discreto dessas diferentes individualidades.
Seja como for, nada nos prepara para o momento final em que mãe e filho mais novo se encontram, cara a cara, ambos adultos, após um período de distanciamento. É nesse instante de silêncio, apenas feito de olhar, que somos chamados a captar e resistir a toda a inesperada e subtil torrente emotiva despoletada em O Irmão Mais Novo. Podemos não estar preparados.