O degelo da Gronelândia e a subida do nível dos oceanos

15 de fevereiro 2025 - 10:23

Trump quer controlar o território rico em minérios estratégicos, urânio e petróleo. Para além do mais, isto pode levar a um aumento da mineração que aceleraria a degradação ambiental.

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José Eustáquio Diniz Alves

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Camada de gelo na Gronelândia.
Camada de gelo na Gronelândia. Foto de Hannes Grobe/Wikimedia Commons.

A área global de gelo marinho ficou abaixo de 13 milhões de km² em meados de fevereiro de 2025, o menor nível já registado. O polo Norte nunca teve tão pouco gelo marinho e isto acelera o aquecimento global via efeito Albedo (medida de refletividade de uma superfície). Quanto menos gelo marinho maior é o aquecimento das águas e o aumento da temperatura na região do Ártico.

A Gronelândia, que está na mira imperial do governo Trump, já está a sofrer com o aumento da temperatura do Atlântico Norte e do degelo do Ártico. Além do efeito Albedo, o degelo da Gronelândia é um dos principais fatores que contribuem para a elevação do nível dos oceanos, com implicações profundas para o clima global e as populações costeiras ao redor do mundo.

A Gronelândia abriga a segunda maior camada de gelo do mundo, depois da Antártida. Se toda a sua camada de gelo derretesse, o nível do mar subiria cerca de sete metros, o que inundaria cidades costeiras em todo o planeta. Embora esse cenário seja extremo e demore séculos ou milénios para ocorrer completamente, o derretimento já em andamento está a acelerar a elevação do nível do mar.

Estudos indicam que a Gronelândia perdeu quase 4 trilhões de toneladas de gelo desde 1992, o que já elevou o nível do mar em aproximadamente 1 cm. As projeções sugerem que até 2100, o derretimento da Gronelândia pode adicionar entre 5 cm e 33 cm ao nível global do mar, dependendo das emissões de gases de efeito estufa. Esse valor soma-se ao degelo da Antártida e à expansão térmica dos oceanos.

O artigo “Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins”, publicado na revista Nature Geoscience (Chudley et al, 2025), mostra que a camada de gelo da Gronelândia – o segundo maior corpo de gelo do mundo – está a quebrar mais rapidamente do que nunca como uma resposta ao aquecimento global.

Investigadores usaram 8.000 mapas de superfície tridimensionais de imagens de satélite comerciais de alta resolução para avaliar a evolução das rachas na superfície da camada de gelo entre 2016 e 2021. Eles descobriram que as fendas em forma de cunha que se abrem nas geleiras aumentaram significativamente em tamanho e profundidade ao longo dos cinco anos e numa taxa mais rápida do que a detetada anteriormente.

O degelo da Gronelândia é um dos sinais mais alarmantes das mudanças climáticas. Mesmo ações rápidas para reduzir emissões podem não evitar uma elevação significativa do nível do mar, tornando fundamental o planeamento para adaptação e mitigação dos impactos costeiros.

Para complicar o cenário, a reeleição de Donald Trump e a sua postura em relação à Gronelândia podem influenciar o degelo da região através de políticas ambientais e geopolíticas. Já em 2019 Trump expressou interesse em comprar a Gronelândia, o que gerou grande controvérsia. Embora a proposta tenha sido rejeitada pela Dinamarca (que controla o território), essa intenção reflete uma visão estratégica dos Estados Unidos sobre a região, especialmente em relação a recursos naturais, militarização e políticas climáticas. Isso poderia impactar a Gronelândia de várias formas.

A Gronelândia é rica em minérios estratégicos, como terras raras, urânio e petróleo.

O interesse dos EUA (e de outras potências) na exploração desses recursos pode levar: a) O aumento da mineração que pode acelerar a degradação ambiental, afetando o ecossistema local e libertando mais carbono armazenado no permafrost; b) A exploração de combustíveis fósseis na Gronelândia pode liberar mais emissões de gases de efeito estufa, intensificando o aquecimento global.

Donald Trump já retirou os EUA do Acordo de Paris durante o seu primeiro mandato (2017-2021) e repetiu a medida agora, com impactos negativos na Gronelândia. Políticas de energia baseadas em combustíveis fósseis, que aumentam a temperatura global, contribuem para o degelo.

Um grande desafio é a militarização da Gronelândia. Os EUA já mantêm uma base militar na Gronelândia, a Base Aérea de Thule. Com o aumento da competição com a Rússia e a China pelo controle do Ártico, os EUA podem: a) Expandir a presença militar, possivelmente construindo infraestrutura que degrada o ambiente local; b) Intensificar exercícios militares e uso de combustíveis fósseis na região, aumentando o impacto climático.

O controle da Gronelândia pode impactar significativamente as rotas marítimas do Ártico, que estão a tornar-se cada vez mais navegáveis devido ao degelo acelerado. Esta mudança tem implicações estratégicas, económicas e militares, especialmente para países como os Estados Unidos, China e Rússia. A Gronelândia está estrategicamente localizada entre a Passagem do Noroeste e o Atlântico Norte, tornando-se um ponto crucial para controle naval, comércio e segurança marítima.

O controle da Gronelândia afeta as rotas Árticas e é um ponto estratégico para o comércio global. Se os EUA assumissem maior controle sobre a Gronelândia, poderiam influenciar o tráfego marítimo no Ártico de várias formas: a) Monitorizando e regulando o acesso de navios chineses e russos às rotas polares; b) Estabelecendo novas bases militares para projetar poder na região; c) Facilitando o comércio para empresas ocidentais ao fornecer infraestrutura de suporte para embarcações; d) Com a redução do gelo no verão, o tempo de viagem entre a Ásia e a Europa pode ser reduzido em até 40%, tornando as rotas polares mais atrativas do que o Canal de Suez ou Canal do Panamá.

Em 2020 escrevi o artigo “O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa”, no Ecodebate (Alves, 14/10/2020) onde tratei da disputa geopolítica em torno das rotas de navegação que se tornavam viáveis em função do degelo do Ártico.

Sem dúvida, o controle da Gronelândia pode transformar a dinâmica do transporte marítimo no Ártico. Os EUA poderiam usá-la como um posto avançado para monitorizar a navegação, competir com Rússia e China e influenciar a exploração dos vastos recursos do Ártico. Isso poderia intensificar a corrida por influência na região e aumentar os riscos de disputas geopolíticas em meio ao agravamento do colapso ambiental.


José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia.


Referências:

ALVES, JED. Recorde de degelo nos polos em julho de 2019, Ecodebate, 09/08/2019

ALVES, JED. O degelo do Ártico e as emissões do permafrost, Ecodebate, 22/01/2020

ALVES, JED. O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa, Ecodebate, 14/10/2020

Chudley, T.R., Howat, I.M., King, M.D. et al. Increased crevassing across accelerating Greenland Ice Sheet margins. Nat. Geosci. (2025).


Texto publicado originalmente em EcoDebate. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.