No comício deste sábado no Porto, Mariana Mortágua começou por indicar as razões que levaram o governo de maioria absoluta a “ter-se desfeito de um dia para o outro”. Entre elas estão “a arrogância do poder absoluto”, “a forma como degradaram o Serviço Nacional de Saúde”, “como viraram a cara quem precisa de uma casa e não consegue pagar a renda ou os juros à habitação”, “como o Partido Socialista sempre recusou fazer as alterações ao Código de Trabalho”. Mas, para além da crise social e uma económica, a crise política que “é o regime que tem dominado este país que tem atravessado governos do PS, PSD, CDS, de portas giratórias, de interesses económicos, que entram para dentro do Estado, que usam os seus facilitadores para impor a sua vontade e os seus lucros às decisões do Estado”.
E foi uma dessas histórias de “facilitadores” que nos trouxe detalhadamente, “uma história de privilégio, de interesse público que é posto em causa em nome desses interesses”, a do setor da energia, os negócios das barragens, dos interesses da EDP, onde se cruzam nomes como Vitor Escária, Manuel Pinho, António Mexia, Lacerda Machado, José Maria Ricciardi, Nuno Lacasta, Jorge Costa Oliveira, Matos Fernandes e João Galamba ao longo dos governos de Sócrates, Passos Coelho e António Costa. Os “mesmos nomes repetidos que circulam e que tanto trabalham para o Estado, como trabalham para o interesse privado ou para o interesse privado, ou para o interesse da EDP.” É também uma história onde o Estado perdeu milhões ao mesmo tempo que se diz “que é impossível aumentar os salários, investir na saúde, investir na educação”.
A história destas perdas públicas face aos interesses privados serviu à coordenadora do Bloco para concluir que “o regime dos interesses, das portas giratórias, dos favores, dos facilitadores” “destrói a nossa economia, fragiliza o Estado, fragiliza o interesse público”; que “a denúncia deste escândalo e a denúncia desta economia é uma das razões de existência do Bloco de Esquerda” que esteve “em todas”, “denunciámos todos os protagonistas e não importa quem era o governo”, assegura. “Furos de petróleo no Algarve, rendas da energia, barragens, impostos não pagos, decisões da APA vão sempre encontrar o Bloco de Esquerda na denúncia destas decisões e dos seus facilitadores”, assegura.
Alargando “esta rede a outros sectores”, nomeadamente ao que dominou a economia portuguesa ao longo dos últimos tempos, “o triângulo” “banca, imobiliário e construção”, o que se vê “é a forma como os interesses privados, grande a elite económica do país, se desenvolvem ao Portugal à sombra do Estado”, numa “economia de rentismo, de imobiliário, de crédito fácil”.
Esta é a “história do nosso empobrecimento”, “dos baixos salários”. E quando “ouvimos muitas vezes a direita falar de “menos Estado na economia" nós queremos é "menos interesses económicos no Estado", avança, um “Estado livre de facilitadores, o Estado livre de interesses económicos, um Estados em que as decisões económicas são tomadas em benefício do país, em que temos uma economia que é gerida de acordo com os interesses do povo, porque há recursos que não podem nunca, mas nunca, pertencer a uma elite económica que hoje é portuguesa, amanhã é dos Estados Unidos, ou é do Qatar, ou de qualquer fundo abutre internacional”.
Assim, a proposta do Bloco é “quebrar este ciclo, “oferecer a este país uma economia justa” com um “Estado que trabalha para ter um setor industrial se preocupa com as alterações climáticas, com o emprego e com o desenvolvimento e não com o enriquecimento de um punhado de grandes interesses económicos que só nos arrastam para o fundo porque tudo o que querem é enriquecer à custa das rendas do Estado”.
Ao denunciar os negócios dos facilitadores, o partido defende “uma economia mais justa”, com melhores salários, com um sector industrial “nos faça crescer e enfrentar o maior desafio de todos, que são as alterações climáticas.”
“A maioria absoluta é arrogante”
Isabel Pires acusou o ministro da Saúde de estar a levar a cabo “um processo de deterioração do SNS” que é “propositado”. O acordo com um dos sindicatos dos médicos “não resolve a falta de médicos” e “mantém o Serviço Nacional de Saúde a funcionar à base de centenas de horas extraordinárias”. Continua o “desmantelamento dos serviços, encerramento de urgências, desvalorização dos profissionais de saúde, entregando paulatinamente o SNS aos privados”.
Por isso, esta política da saúde “é o sonho da direita de materializado pela maioria absoluta do Partido Socialista” e “demonstra aquilo para que serviu a maioria absoluta do PS: degradar os serviços públicos, menosprezar profissionais, seja na saúde, na educação, na justiça”, o que “tem permitido a maior transferência que temos visto nas nossas vidas do capital diretamente para os grandes grupos económicos”.
A deputada denunciou ainda a mesma “arrogância” no sector da habitação, revelando que nas últimas semanas o partido tem recebido na Assembleia da República casos “cuja taxa de esforço para pagar a sua renda chega quase aos 100% de taxa de esforço” e que “continuam sem receber o famigerado apoio à renda”.
Para ela, “já era mau o suficiente o governo dizer que não vai ter uma única política para subir os salários”, que “a única coisa” que faz é “propaganda com o chamado mais habitação”, que tenha escolhido “nada fazer para evitar que em 2024 tenhamos o maior aumento de rendas dos últimos 30 anos”. Em cima de tudo isso, agora quem “mais necessidade têm para pagar a sua renda” não está a receber o apoio a que teria direito.
Esta arrogância da maioria absoluta “destrói vidas”, “aprofunda as crises temos vindo a atravessar e não é capaz de dar uma resposta a elas porque esse não é efetivamente o seu programa”, acredita.
“Uma esquerda exigente não abdica de justiça no trabalho”
José Soeiro começou por recordar a destruição na Palestina onde “a chacina continua”. Por isso, defende “continua também o nosso grito, nosso grito contra o genocídio é nosso grito, contra a ocupação colonial da Palestina, o nosso grito contra este sofrimento ilimitado, o nosso grito pela ação diplomática do reconhecimento do Estado da Palestina pelo Estado Português.”
Em seguida, lembrou a situação do Jornal de Notícias que, pela primeira vez em 135 anos de história esteve dois dias sem estar nas bancas devido à greve dos seus trabalhadores. Momento “histórico” mas também “amargo” que testemunha a “fibra, coragem e da dignidade” dos trabalhadores e a ameaça “de um fundo de investimento que entrou na propriedade do Jornal de Notícias um fundo com origens obscuras e com sede nas Baamas”.
O que se passou no diário “é uma questão de democracia, de equilíbrio no país” e também “exemplo do abuso na economia, da permissividade da lei”. Através da ameaça de despedimento coletivo por “motivos económicos” num jornal que dá lucro, o deputado questionou a fiscalização deste tipo de medidas num país em que “o despedimento por motivos económicos não é um despedimento livre”. E ao mesmo ao tempo expediente do recurso às “rescisões amigáveis”, uma forma de “pressão para que os trabalhadores acordem sair pelo seu próprio pé”.
Isto apesar de ser “hoje é muito mais barato despedir em Portugal” porque “ainda temos as regras dos despedimentos que vêm da troika”, “o corte nas compensações por despedimento”. O desafio ao PS continua portanto a ser que, caso queira fazer “uma reforma à esquerda no mundo do trabalho”, é “incontornável” mexer nas regras do despedimento.
Uma “esquerda exigente” “não abdica de regras de justiça no trabalho”. Ao contrário da maioria absoluta que “foi permeável a muitos interesses” privados mas “impermeável a verdadeiramente recuperar os salários médios em Portugal, em recuperar o poder de compra das pessoas que estão no meio da tabela na administração pública”.