O Exército Zapatista de Libertação Nacional celebrou o 31º aniversário do levantamento armado em Chiapas com os encontros Resistência e Rebeldia.
Uma das mesas principais foi dedicada à questão das mulheres com as zapatistas a homenagearem o papel das avós que “ajudaram-nos a entender que há que lutar pelos nossos direitos”. Estas “enfrentaram o exército e os paramilitares sem armas, com a sua voz e a sua palavra” e “em tempos de deslocamentos, caminharam por entre lama e espinhos, guiaram crianças e grávidas pelas montanhas. Trabalharam para que o povo pudesse viver.” Hoje em dia “são conhecidas como voluntárias: são elas que decidem como vão participar. Muitas vezes, atuam como professoras, onde houver necessidade.”
Mas a maior parte do tempo de debate foi dedicado ao muito que mudou desde o tempo em que “os nossos companheiros não nos deixavam sair. Hoje, podemos sair para trabalhar sozinhas, com o apoio dos nossos colegas, mesmo que alguns companheiros ainda não tenham compreendido totalmente”, como afirmou uma das presentes.
Uma das comandantes do EZLN destacou que as mulheres solteiras passaram a ocupar cargos diretivos a todos os níveis, trabalham nas suas zonas, especializam-se em várias profissões, realizam atividades que antes eram exclusivas dos homens - como andar de bicicleta, de mota ou de carro - e “têm uma participação cultural intensa”.
Uma revolução feminista?
Ao Contralínea, Márgara Millán, doutora em Antropologia do Instituto de Investigaciones Antropológicas da UNAM, explica que o papel das mulheres no EZLN “não parou de se desenvolver” e que “as mulheres que cresceram no interior do zapatismo são mulheres muito mais livres e que podem desenvolver-se num conjunto muito mais amplo de tarefas”. De acordo com a especialista, “há uma revolução no interior das comunidades zapatistas sobre o que hoje podem e querem fazer as mulheres.
Este órgão cita ainda Lourdes Consuelo Pacheco Ladrón de Guevara, doutorada em Ciências Sociais pela mesma universidade, que recorda que já desde antes do levantamento zapatista havia uma “lei revolucionária das mulheres” que tinha como objetivo “transformar a realidade das mulheres indígenas”, que as reconhecia oficialmente como iguais na estrutura organizativa e que lhes reconhecia liberdade para terem o número de filhos que quisessem, direito à educação, aos cuidados de saúde, a escolher os seus relacionamentos entre outros.
Visto como um movimento indígena e de luta pelo direito à terra, o zapatismo sempre afirmara, nas palavras do subcomandante Marcos, que “não defendemos que a luta pela terra é prioritária sobre a luta de género”.
Críticas ao governo mexicano
As zapatistas presentes nestes encontros lembraram ainda que continua a repressão contra elas por parte do Governo mexicano. A manifestação pacífica do Dia da Mulher Indígena, celebrada a 5 de setembro, foi reprimida com brutalidade, tendo ocorrido várias prisões e sido roubado pelas autoridades material como câmaras e telemóveis. Quando no dia a seguir se voltaram a manifestar pela libertação das suas companheiras detidas, a polícia voltou a atacar.
Para elas, as reformas da nova presidente da República, Claudia Sheinbaum, a primeira mulher no cargo, não alteraram significativamente a situações dos povos originários e das mulheres indígenas em particular. A comandante Mari afirmou que “eles dizem que agora é história porque governa uma mulher, mas só para eles, para o povo do México não há nada”.
Já Anselma, representante da comunidade otomí, lembra que faltam ações concretas face à militarização, ao crime organizado e aos femicídios.
Um novo “comum zapatista”
Noutra mesa, sobre “os primeiros passos do comum zapatista”, o subcomandante Moisés anunciou que a tomada de decisões no movimento depende agora de uma grande assembleia geral num processo que passa por divulgar propostas nas diferentes comunidades para depois serem alteradas e mais tarde votadas. Ultrapassou-se assim a “pirâmide” organizativa que existia antes, defendeu.
Isto implica ainda, segundo ele, um processo de abertura face a quem partilhe as suas ideias porque “somos os mesmos pobres”. Lançou a ainda a palavra de ordem “não à propriedade privada, sim ao trabalho organizado”.