As publicações de mensagens de ódio de teor racista e de incitamento à violência por parte de agentes em funções na PSP e da GNR serão alvo de inquérito judicial, afirmou a Procuradoria-Geral da República. Em causa está a reportagem do novo consórcio de jornalistas de investigação portugueses que ao longo de um ano detetaram o rasto do ódio online deixado por cerca de 600 membros das forças de segurança, tendo como alvo minorias étnicas, ativistas antirracistas, dirigentes do Bloco de Esquerda e membros do Governo como a ex-ministra Francisca van Dunen e o próprio primeiro-ministro.
Em comunicado, a associação SOS Racismo - cujo dirigente Mamadou Ba é um dos principais visados pelas ameaças e mensagens de ódio propagadas em grupos fechados nas redes sociais, restritos a polícias - afirma que "a democracia não sobrevive quando as forças policiais praticam crimes, quando manifestam publicamente discursos de ódio e quando violentam e ofendem pessoas - a democracia não sobrevive quando a extrema-direita toma conta do espaço público, do espaço político, das instituições e das forças policiais".
Apelando à investigação dos factos e à punição dos criminosos, a associação acrescenta que ninguém terá razões para se mostrar surpreendido com esta realidade, pois a própria SOS Racismo a tem denunciado junto das entidades responsáveis, até agora sem sucesso.
"Em 2011, o SOS Racismo apresentou queixas junto do Ministério da Administração Interna e do Ministério Público, sobre a existência de um Fórum digital, gerido por militares da GNR, onde vários elementos da PSP e da GNR expressavam discursos de ódio racial e apelavam à violência contra comunidades racializadas – todas os elementos estavam devidamente identificados no Fórum, as mensagens eram claras, evidentes e objetivamente violentas. Ainda assim, as queixas apresentadas foram arquivadas", recorda a associação, concluindo que os factos agora trazidos a público pelo consórcio de jornalistas de investigação "não são uma novidade para ninguém – muito menos para a PSP, para a GNR, para o Ministério da Administração Interna, para o Governo ou para o
Ministério Público".
A infiltração da extrema-direita nas forças de segurança foi ainda denunciada em 2018 pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância e a própria ex-líder da IGAI, Margarida Blasco, dizia nesse ano ter recebido várias denúncias. A SOS Racismo recorda ainda as intervenções públicas do Agente Principal do Corpo de Intervenção Manuel Morais no mesmo sentido. Mas nada disso teve consequências.
"Tais factos deixam claro que a presença da extrema-direita nas forças policiais é uma realidade e que o discurso de ódio é uma prática corrente, com implicações diretas na atividade dos agentes – veja-se, por exemplo, o caso da esquadra de Alfragide, que terminou com a condenação efetiva de vários agentes da PSP", sublinha a associação, congratulando-se com o "trabalho corajoso e relevante efetuado pelo consórcio de jornalistas de investigação" que voltou a trazer o tema junto da opinião pública e esperando que desta vez haja consequências.