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Monsanto destrói biodiversidade e leva agricultores ao suicídio

A imensa diversidade alimentar do planeta, mantida pelos agricultores por milénios, é ameaçada por empresas como a Monsanto. É preciso parar os crimes contra a humanidade cometidos por esta coorporação. Por Vandana Shiva.

O 22 de maio foi declarado Dia Internacional da Biodiversidade pela ONU, o que nos dá a oportunidade de tomar consciência da rica biodiversidade desenvolvida pelos nossos agricultores, como cocriadores junto da natureza. Também permite tomar conhecimento das ameaças que as monoculturas e os monopólios de Direitos de Propriedade representam para a nossa biodiversidade e os nossos direitos.

Assim como os nossos Vedas e Upanishads [os textos sagrados do hinduísmo] não possuem autores individuais, a nossa rica biodiversidade, que inclui as sementes, desenvolveu-se cumulativamente. Tais sementes são a herança comum das comunidades agrícolas que as lavraram coletivamente. Estive recentemente com tribos da Índia Central, que desenvolveram milhares de variedades de arroz para o seu festival de “Akti”. Akti é uma celebração do convívio entre a semente e o solo, e da partilha da semente como dever sagrado para com a Terra e a comunidade.

Além de aprender sobre as sementes com as mulheres e os camponeses, tive a honra de participar e contribuir com leis nacionais e internacionais sobre biodiversidade. Trabalhei junto do governo indiano nos preparativos para a Cúpula da Terra Rio-92, quando a Convenção sobre Biodiversidade da ONU (CBD) foi adotada pela comunidade internacional. Os três compromissos-chave da CBD são a proteção dos direitos soberanos dos países sobre sua biodiversidade, do conhecimento tradicional das comunidades, e da biossegurança, no contexto de alimentos geneticamente modificados.

A ONU indicou-me para integrar o painel de especialistas encarregue de pensar o protocolo de biossegurança, adotado como Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. Fui indicada como membro do grupo de especialistas que desenhou a Lei Nacional sobre Biodiversidade, assim como a Lei sobre Variedade de Plantas e Direitos dos Agricultores, na Índia. Nas nossas leis, garantimos o reconhecimento dos direitos dos agricultores. “Um agricultor deve ser considerado capaz de conservar, usar, semear, ressemear, trocar, compartilhar ou vender os seus produtos agrícolas, incluindo as sementes de variedades protegidas por esta lei, do mesmo modo que estava autorizado antes da vigência dela”, diz o texto.

Trabalhamos nas últimas três décadas para proteger a diversidade e a integridade de nossas sementes, os direitos dos agricultores, e resistir e desafiar os monopólios de propriedade intelectual ilegítimos de empresas como a Monsanto, que faz engenharia genética para exigir patentes e royalties.

Patentes de sementes são injustas e injustificáveis. Uma patente ou qualquer direito de propriedade intelectual é um monopólio garantido pela sociedade em troca de benefícios. Mas a sociedade não se beneficia de sementes tóxicas e não renováveis. Estamos a perder biodiversidade e diversidade cultural, estamos a perder nutrição, sabor e qualidade nos nossos alimentos. Sobretudo, estamos a perder a nossa liberdade fundamental de decidir quais sementes plantaremos, como iremos cultivar os nossos alimentos e o que iremos comer.

De bem comum, as sementes transformaram-se em mercadorias de empresas privadas de biotecnologia. Se elas não forem protegidas e colocadas novamente nas mãos dos nossos agricultores, corremos o risco de perdê-las para sempre.

Em todo o mundo, as comunidades estão a armazenar e a trocar sementes de diversas maneiras, conforme cada contexto. Estão a criar e recriar liberdade – para a semente, para os protetores das sementes, para a vida e para todas as pessoas. Quando conservamos uma semente, também renovamos e restauramos o conhecimento – o conhecimento da reprodução e da conservação, o conhecimento do alimento e da agricultura. A uniformidade tem sido usada como medida pseudocientífica para criar monopólios de propriedade intelectual sobre sementes. Uma vez que uma empresa tem patente sobre sementes, ela empurra para os agricultores as suas produções patenteadas para receber royalties.

A humanidade tem se alimentado de milhares (8.500) de espécies de plantas. Hoje estamos condenados a comer milho e soja geneticamente modificados de diferentes formas. Quatro culturas principais – milho, soja, canola e algodão – têm sido todas cultivadas às custas de outros cultivos, porque geram receitas por cada hectare plantado. A Índia, por exemplo, cultivava 1.500 tipos diferentes de algodão, e agora 95% são Algodão Bt, geneticamente modificado, pelo qual a Monsanto recebe royalties. Mais de 11 milhões de hectares de terra são utilizados no cultivo de algodão. Destes, 9,5 milhões são usados para cultivar a variedade Bt da Monsanto.

Uma pergunta comum é: por que razão os agricultores adotam o algodão Bt, já que os prejudica? Mas os agricultores não escolhem o algodão Bt. Eles são obrigados a comprá-lo, uma vez que todas as outras alternativas são destruídas. O monopólio de sementes é imposto pela Monsanto através de três mecanismos:

- Fazer com que os agricultores desistam das velhas sementes, o que no jargão da indústria é chamado de “substituição de semente”.

- Influir junto às instituições públicas para deter a reprodução das sementes tradicionais. O Instituto Central de Pesquisa do Algodão (CCIR, na sigla em inglês) da Índia não liberou variedades de algodão para a região de Vidharba, depois que a Monsanto entrou com suas sementes de algodão Bt.

- Manter as empresas indianas presas a acordos de licenciamento.

Esses mecanismos coercitivos, corruptos, estão agora a cair por terra. A Rede Navdanya criou bancos de sementes comunitários aos quais os agricultores têm acesso para obter sementes nativas orgânicas e polinizadas. O CCIR, sob a liderança do Dr. Keshav Kranti, está a desenvolver variedades nativas de algodão. Finalmente, o governo também interveio para regular o monopólio da Monsanto. Em 8 de março, saiu uma ordem de controla do preço da semente sob a Lei de Bens Essenciais.

A Monsanto e a indústria de biotecnologia desafiaram a ordem do governo. Entramos com uma ação no Supremo Tribunal do estado de Karnataka. Em 3 de maio, a Justiça de Bopanna emitiu uma ordem reafirmando que o governo tem o dever de regular os preços das sementes e a Monsanto não tem o direito ao seu monopólio. A biodiversidade e os pequenos agricultores são a base da segurança alimentar, e não corporações como a Monsanto, que estão a destruir a biodiversidade e a levar os agricultores ao suicídio. É preciso parar esses crimes contra a humanidade. Essa é a razão pela qual em 16 de outubro, Dia Internacional do Alimento, vamos organizar em Haia um Tribunal da Monsanto para “julgar” a corporação por seus vários crimes.

Tradução: Inês Castilho para o Outras Palavras.

# Vandana Shiva (Dehradun, 5 de novembro de 1952) é uma física, ecofeminista e ativista ambiental da Índia. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vandana_Shiva

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