Mestres de Marionetas

por

Elisabete Frade

16 de agosto 2025 - 10:51
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Que a ficção sirva de aviso sobre os possíveis futuros horríveis e que esse aviso sirva como combustível da recusa em jogarmos este jogo manipulado, onde, se seguirmos as regras do jogo criado pela elite, seremos sempre os perdedores.

A Purga. Imagem do filme.
A Purga. Imagem do filme.

Oscar Wilde afirmou que “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida” mas por vezes a arte é tão distópica que não achamos possível chegar a tal ponto. No entanto, e mesmo nesses casos, se dissecarmos a distopia, encontramos detalhes que nos são familiares e avisos sobre um possível destino do caminho que trilhamos.

A franquia “A Purga” retrata uma realidade onde os mais fracos são descartáveis e meras formas de entretenimento, onde a divisão social é usada para fomentar os objectivos dos poderosos. Ora, após um colapso económico, um terceiro partido chega ao poder nos EUA, acabando com o sistema bi-partidário. Com um país endividado, o governo pretende aumentar os impostos mas não pretende antagonizar as classes baixas. Decidem iniciar uma experiência social que lhes permita eliminar essa classe baixa que uma forma aceite pela população em geral. Nasce a purga, 12 horas no ano em que o crime é legal, permitindo ao governo manipular a população mais baixa para a auto-destruição. Desta forma o montante gasto para ajuda social baixa consideravelmente.

Devido a uma fraca participação inicial, o governo cria incentivos monetários e até cria grupos militares para instigarem conflitos.

Com o passar do tempo, a purga torna-se algo celebrado e usada tendo por base a ganância, inveja, ódio, discriminação ou simplesmente entretenimento. A purga passa a ser algo comemorado, um evento anual que visas melhorar a qualidade de vida dos norte-americanos.

Eventualmente o governo decide criar grupos militares para saírem às ruas e eliminar o máximo de civis indesejados possível, nomeadamente mendigos, pessoas sem abrigo, de classe baixa ou imigrantes, entrando em bairros sociais e matando os seus residentes. A vulnerabilidade dos mais necessitados torna-os em alvos apetecíveis, fracos e descartáveis.

A classe mais rica mantém-se protegida em condomínios fechados, com sistemas de segurança caros enquanto a classe mais baixa fica à mercê da violência. Os mais ricos usam o seu poder face a uma população desesperada, oferecendo grandes quantias em troca de quem se ofereça para ser alvo de violência, ser caçado ou simplesmente torturado, dentro de mansões protegidas e aclamado por grupos de classe alta, para mero entretenimento. A população mais pobre é portanto leiloada como oferta ou tentam sobreviver em casas vulneráveis, usando o que conseguem encontrar para se defenderem e protegerem.

Eventualmente a sociedade divide-se, os a favor da purga e os contra. Mas o ambiente torna-se cada vez mais violento, racista, preconceituoso, hostil e com divisões sociais graves, com divisões baseadas em ideologias, desigualdade social, conflitos étnicos-raciais ou religiosos.

O grupo extremista é cada vez mais numeroso e, com o passar do tempo, a violência não fica restrita às 12 horas oficiais da purga, mas estende-se durante dias, sendo a purga declarada como um direito constitucional de todos os americanos, criando uma vaga de americanos a fugir para o México e o Canadá.

O criador desta franquia, James DeMonaco, afirmou ter-se inspirado no clima político-social actual.

É óbvio que todo este cenário é extremo. Mas é possível verificar determinadas tendências que estão presentes na sociedade actual. O extremismo, a divisão, o preconceito, o uso do dinheiro e poder em detrimento da humanidade. Quando antes é impensável fazer a saudação nazi sem um sem número de reprimendas, actualmente é algo que regular. A troca de vidas humanas em por benefícios capitalistas, o uso da dor e vulnerabilidade como moeda de troca para fins benéficos para uma elite, o medo de se ver um retrocesso legislativo e social, principalmente entre os grupos que muito lutaram para terem direito aos direitos humanos mais fundamentais.

A forma como a sociedade se está a dividir e a se combater, enquanto os mais ricos e poderosos se aproveitam desta distração para fazerem o que bem entendem em beneficio próprio, ou “dividir par conquistar”, como descrito por Júlio César.

Enquanto não compreendermos que unidos somos imbatíveis, e permitir-mos que nos dividam e nos coloquem uns contra os outros, que usem o nosso ego, preconceito e vulnerabilidade como fios de uma marioneta, seremos sempre perdedores. A nossa identidade, autonomia, liberdade e moral está em risco mas estamos todos demasiado ocupados em atirar as culpas para o outro lado, em combater o ódio com ódio, em agir exatamente da forma como é esperado, para dar mais força à agenda de quem apenas se preocupa com poder e dinheiro e para quem, somos meramente instrumentos para um objetivo, descartáveis quando a nossa utilidade chega ao fim.

No filme “2012”, aquando um evento de destruição massiva, foram os ricos e mais poderosos que foram salvos, deixando para trás toda uma população a implorar por misericórdia. E a realidade é que esta é a regra na vida real. Há um novo Deus adorado pela humanidade, e esse Deus chama-se dinheiro, ganância, poder. E embora seja algo completamente combatível, a sociedade parece estar embriagada com as migalhas recebidas por esta elite, e, como afirmou Juvenal da Roma Antiga “deem-lhes pão e circo e jamais se revoltarão”.

Se todos nos unirmos, deixando de lado questões irrelevantes como a cor da pele, orientação sexual, género, nacionalidade, religião ou seja o que foi determinado como fator de divisão, podemos exterminar esta divisão social e monetária injusta, em prol de uma sociedade mais justa, saudável e progressiva. Que a ficção sirva de aviso sobre os possíveis futuros horríveis, por mais distópicos que sejam e que esse aviso sirva como combustível da recusa em jogarmos este jogo manipulado, onde, desde que sigamos as regras do jogo criado por uma elite, seremos sempre os perdedores.

Já cantava Luís Cília, “o povo unido jamais será vencido” e está na altura de colocarmos de lado as nossas diferenças, vermos as nossas semelhanças e trabalharmos em uníssono em prol de um futuro melhor.