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Massacre de estudantes no México expõe ligações entre polícia e crime organizado

Mais de 40 estudantes da cidade de Iguala estão desaparecidos há duas semanas. Os corpos encontrados em fossas clandestinas ainda não foram identificados. Artigo de Federico Mastrogiovanni, da Opera Mundi.
O desaparecimento dos 43 estudantes e a violência policial está a indignar a sociedade mexicana. Manifestação em Monterrey na passada quarta-feira. Foto Realidad Expuesta/Flickr

Oitenta estudantes da escola rural para professores Raúl Isidro Burgos, da cidade de Iguala, viajavam em autocarro da empresa Costa Line. No dia 26 de setembro, estavam a organizar uma recolha de fundos para pagar a escola, uma de tantas instituições rurais que, no México, representam a única forma de obter um nível de educação aceitável para milhares de estudantes.

Quando já iam sair dali, alguns patrulheiros da polícia municipal quiseram parar a caravana, que não quis parar. Os polícias, então, segundo o testemunho anónimo de um jovem presente no local, começaram a disparar em direção aos autocarros. A princípio, os polícias dispararam contra os autocarros, mas, depois de algumas horas, quando os estudantes davam uma conferência de imprensa para denunciar o ataque armado contra eles, outros homens sem uniforme, que muitas testemunhas reconheceram como polícias municipais, dispararam outra vez e, mais tarde, encheram de balas outro autocarro no qual viajavam jogadores da equipe local de futebol Avispones.

O saldo foi de seis mortos, três dos quais estudantes, e vinte feridos. Cinquenta e sete estudantes desapareceram, sendo que vinte deles, como afirmam testemunhas oculares, foram levados à força por polícias de Iguala e do Estado de Guerrero.

Quase duas semanas depois, 43 estudantes ainda estão desaparecidos. Graças à pressão da imprensa e da sociedade civil, as autoridades federais encontraram seis fossas comuns clandestinas, com 28 corpos carbonizados. No entanto, apesar da suspeita de que os corpos sejam de estudantes desaparecidos, os mortos ainda não foram identificados.

O presidente do município de Iguala, José Luis Abarca, suspeito de ter vínculos com a quadrilha dos irmãos Beltrán Leyva, fugiu da cidade e permanece foragido. Um depoimento também o acusa de ter matado um líder camponês de Guerrero.  

Além disso, foram expostos nas últimas semanas os vínculos entre a polícia municipal de Iguala e o grupo criminoso conhecido como Guerreiros Unidos. Na segunda-feira (06/10), esse grupo divulgou uma nota pedindo a libertação dos 22 polícias presos, acusados pelo desaparecimento e o assassinato dos estudantes.

“Governo federal, estatal e a todos que nos apoiam: exigimos que libertem os 22 polícias que estão detidos. Damos 24 horas para que os soltem ou esperem as consequências. Começaremos a divulgar os nomes dos funcionários do governo que nos apoiaram. A guerra já começou”, era o conteúdo da nota.

Repercussão e outros casos

A repressão brutal do Estado não é novidade nessa região do país: em 12 de dezembro de 2011, a polícia assassinou dois estudantes que protestavam contra as condições da escola para professores de Ayotzinapa, num tiroteio que deixou mais de 20 feridos.

“Nada mudou” afirma Abel Barrera, diretor da organização de defesa de direitos humanos Tlachinollan, ativa em Guerrero, que está a acompanhar o caso dos jovens estudantes. “É o mesmo padrão de impunidade das forças policiais que permite que continuem a cometer os mesmos delitos. Não houve qualquer julgamento político por parte do procurador de Justiça do Estado, nem do secretário de Segurança Pública”.

Um dos jovens assassinados, cujo corpo foi encontrado no sábado, dia 27 de setembro, perto da zona industrial de Iguala, estava difícil de ser reconhecido: esfolaram o rosto dele e arrancaram os seus olhos. Foi o comité estudantil da escola rural que informou que se tratava de Julio César Mondragón, estudante do primeiro ano da licenciatura, procedente da Cidade do México, ao que apelidavam, por esse motivo, de “o Chilango.”

Outro exemplo de casos de agressões de polícias ou soldados contra a população civil ocorreu na ocasião do suposto massacre de 22 pessoas na localidade de Tlatlaya, no Estado do México, onde, no último dia 30 de junho, elementos do Exército teriam entrado em confronto com criminosos. Ou, pelo menos, era essa a versão da Secretaria de Defesa Nacional. Mas uma testemunha, entrevistada em exclusivo pela revista Esquire, relatou que os soldados fuzilaram os 22 jovens, entre os quais uma menor de idade, depois de eles terem se rendido. O caso de Tlatlaya pode ser o massacre mais grave dos últimos anos no México cometido pelo Exército.

“Pode falar-se de um padrão de justiça com as próprias mãos”, comenta Abel Barrera a Opera Mundi. “Tanto Tlatlaya como Ayotzinapa são a demonstração da total falta de controle interno sobre as forças de polícia e militares. A resposta do Estado é a repressão e a impunidade total. Além disso, há falta de profissionalismo e um enorme descontrole interno. Não há nenhuma formação para o uso da força e dão armas letais para administrar a ordem pública. E esses são os resultados”.

A reação da comunidade estudantil foi a tomada das ruas da cidade de Chilpancingo e uma greve de trabalho indefinida, para exigir que os culpados pelo assassinato dos estudantes sejam castigados. Académicos, trabalhadores administrativos nas escolas e estudantes preparam ações em todo o Estado e estão prontos para exigir o julgamento político para o autarca da cidade de Iguala, José Luis Abarca, e do governador do Estado de Guerrero, Ángel Aguirre Rivero.

A violência e as execuções extrajudiciais dos últimos meses no México também tiveram como consequência a intervenção do secretário-executivo da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), Emílio Álvarez Icaza, que fez um pedido para os casos de assassinato dos municípios de Tlatlaya e Iguala: “É uma questão que preocupa e gostaríamos que a mensagem seja poderosa do Estado de Direito. O simples facto que essa discussão esteja acontecendo, de um cenário possível de execução extrajudicial ou de justiça com as próprias mãos, é da maior gravidade, e é extraordinariamente importante que o Estado mexicano mande uma mensagem poderosa de investigação judicial”.

A organização Tlachinollan, assim como outras organizações, e a escola Raúl Isidro Burgos exigem conhecer o paradeiro das vítimas de desaparecimento forçado e a investigação dos responsáveis pela violência. Nesta quarta-feira (08/10), estão programadas manifestações em todo o país em apoio aos jovens de Ayotzinapa. As reivindicações desses protestos é a renúncia do governador Rivero e o esclarecimento dos factos em Iguala. 


Artigo publicado no portal Opera Mundi

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