Sérvia

Manifestação massiva em Belgrado este sábado

17 de março 2025 - 16:05

A série de mobilizações convocada pelos estudantes contra a corrupção do governo ultra-nacionalista e a lembrar a derrocada da cobertura da estação de Novi Sad que vitimou 15 pessoas atingiu o pico na maior manifestação da história recente da Sérvia.

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Manifestação deste sábado na Sérvia.
Manifestação deste sábado na Sérvia.

A medida de comparação era o dia 5 de outubro de 2000, quando largos milhares de manifestantes tinham precipitado a queda do presidente Slobodan Milošević. Neste sábado, o número de pessoas nas ruas em Belgrado excedeu claramente os desse dia, fazendo desta mobilização a maior na história recente do país.

A escala gigantesca é certa e todas as imagens do dia mostram claramente as principais ruas do centro da capital da Sérvia totalmente apinhadas de gente. Isto apesar dos números, como de costume, variarem. Onde a polícia viu apenas 107.000 pessoas, um instituto independente, o Arhiv javnih skupova (Arquivo dos Ajuntamentos Públicos) apontou para entre 275.000 e 375.000. Mas esclareceu: “em razão da dimensão excecional, do caráter dinâmico e da estrutura do ajuntamento, tal como da dimensão fluida em algumas partes da cidade, em particular em Novi Beograd, não é possível uma avaliação mais precisa”. Já os organizadores avançavam que podia ter estado um milhão de pessoas nas ruas.

Este ajuntamento multitudinário foi o culminar de um processo desencadeado a partir da queda da cobertura da estação de Novi Sad, no dia 1 de novembro de 2024, na qual morreram 15 pessoas. Desde então, os estudantes têm sido o motor de uma luta permanente pela justiça para as vítimas, pela responsabilização dos culpados e contra a corrupção.

Para o protesto de sábado, fizeram colunas a pé e de bicicleta que partiram de todo o país e se foram juntando. Como tem sido costume, também houve colunas de tratores de agricultores, nomeadamente os do vale de Jadar, em plena luta contra a instalação de uma mega-mina de lítio. E ainda grupos de motards a tratar da segurança.

Ao palco, subiam representantes estudantis sob anonimato para se proteger. Uma delas dizia: “estamos aqui porque já sofremos demasiado, mas não vamos aguentar mais. Estamos aqui porque não permitiremos que nos privem da nossa liberdade, porque nos protegemos uns aos outros; (...) Estamos aqui porque não permitiremos que os líderes de qualquer partido ataquem os estudantes de forma organizada, como atacaram os estudantes da Faculdade de Artes Dramáticas”.

As preocupações de segurança justificavam-se depois de vários ataques a manifestações e ações anteriores e do governo sérvio terem escalado a tensão, acusando os manifestantes de serem pagos pelo estrangeiro, tentando seguir a senda das revelações de há décadas que mostraram que o movimento que derrubou Milošević fora financiado pelos EUA.

Do lado governamental, sugeria-se ainda que se preparavam ações violentas ou até uma tomada do poder. E o presidente Aleksandar Vučić denunciava nas vésperas “a violência bolchevique inédita dos plenários estudantis”.

Em comunicado, os estudantes desmentiam, escrevendo que “o objetivo deste movimento não é a intrusão nas instituições, nem atacar aqueles que não pensam como nós” e apelando a um protesto “calmo e de forma responsável”.

Ao final do dia, o presidente Aleksandar Vučić mostrava a sua “satisfação” pela manifestação, apesar da sua “enorme energia negativa, cólera e raiva face às autoridades”, ter ocorrido “sem vítimas nem ferimentos graves” e vincava: “sou o presidente deste país e não deixarei a rua ditar as regras”.

Mas as coisas não terminaram assim tão pacificamente. Enquanto na praça Slavija se faziam os tradicionais 15 minutos de silêncio que homenageiam as vítimas em cada uma das ações do movimento, o forte disparo de um canhão de som fez-se ouvir, gerando momentos de pânico. Grupos de defesa dos direitos humanos e da oposição denunciaram o uso de uma arma acústica proibida e anunciaram uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e aos tribunais nacionais, a RFI, e outros órgãos de informação, noticiaram que “numerosas pessoas” se deslocaram às urgências na sequência do incidente. A polícia sérvia, o Ministério da Defesa e o hospital de Belgrado desmentiram o uso de armas ou as idas às urgências.

Imediatamente em seguida, os estudantes apelaram ao “fim pacífico” do protesto que “demonstrou uma vez mais a potência da unidade”, de forma a “garantir a segurança de todas as pessoas presentes”.

O comunicado da organização denunciou ainda os ataques de “um grupo desconhecido” que “provocou violência, lançando pedras, garrafas e petardos”. Antes disso, noticiava o Courrier des Balkans, já a polícia tinha lançado gás lacrimogéneo contra os manifestantes não violentos em frente ao parlamento. E mais cedo durante o dia um carro tinha sido conduzido contra manifestantes em Žarkovo deixando três feridos.

A reportagem do Mediapart dá conta do desalento de alguns dos manifestantes por este desenlace, conscientes de que o regime continua a apostar no desgaste do movimento. Outros davam razão aos estudantes por terem “recusado esta armadilha”. Por sua vez, a realizadora Mila Turajlić tratava de salientar o caráter inédito do que se está a passar agora e de rejeitar comparações com a queda de Milošević em 2000: “na época, o argumento tinha sido escrito por antecipação e as manifestações tinham-se desenrolado segundo o plano previsto. Desta vez, nenhum argumento foi escrito, aqui não há nenhuma revolução colorida teleguiada do estrangeiro mas um movimento inédito que rejeita tanto o poder autoritário quanto a oposição liberal desacreditada”. Mas adverte: “é preciso que os estudantes consigam transformar a sua cólera moral em movimento político”.