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João Leal Amado: Manter presunção de aceitação do despedimento é “persistir na malfeitoria”
No artigo de opinião “O despedimento entre a compensação e a aceitação: uma iniquidade que persiste”, publicado na edição do jornal Público desta quinta-feira, João Leal Amado assinala que “importa atentar no velho, naquilo que não muda nem morre, naquilo que permanece” na legislação laboral.
“Sobretudo quando o que resiste e permanece é mau, é injusto, é iníquo, quando há quem tente pôr-lhe cobro e quando há quem persista na malfeitoria”, refere o professor de Direito.
De acordo com Leal Amado, “foi isto, sem tirar nem pôr, que sucedeu no passado dia 17, quando os deputados, com o seu voto maioritário, rejeitaram um singelo projecto de lei apresentado pelo Bloco de Esquerda”.
O especialista em Direito do Trabalho considera ser “uma lástima que, tantos anos volvidos, num quadro político e parlamentar substancialmente alterado, estas iníquas normas resistam”.
“Uma verdadeira lástima, que deslustra todos quantos, uma vez mais (foi já a segunda vez), no passado dia 17 recusaram, no parlamento, revogar estas normas. Foram demasiados. Foram, naturalmente, os deputados do PSD e do CDS. Foi, por maioria de (des)razão, o deputado do Chega. E foram, por imperscrutáveis razões, os deputados do PS. Até os liberais da IL fizeram melhor”, acrescenta.
No seu artigo, Leal Amado explica o que está aqui em causa. “O despedimento por causas objetivas confere aos trabalhadores por ele abrangidos o direito a uma compensação pela perda do emprego”, que constitui “uma condição indispensável à licitude do despedimento”. Ora, na perspetiva do professor de Direito, a norma que refere que “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação” é uma “norma estranha e perturbadora”, cujo sentido útil “não se vislumbra ser outro que não o de impedir o trabalhador de impugnar judicialmente esse despedimento”.
“Ou seja, se o trabalhador receber a compensação, isso significa, segundo a lei, que ele aceita o despedimento. E, se ele aceita o despedimento, então não poderá, mais tarde, contestá-lo em tribunal”, esclarece Leal Amado. “Criar este dilema ao trabalhador, forçando-o a recusar a oferta da compensação (ou obrigando-o a devolvê-la, na totalidade, ao empregador) a fim de conservar intacta a faculdade de contestar judicialmente a licitude do seu despedimento, mostra-se claramente irrazoável”, defende.
Se “a recusa da compensação pelo trabalhador equivaleria a um ato de puro masoquismo, somando este essa abdicação patrimonial à perda do emprego”, segundo o especialista em Direito do Trabalho também não é razoável “que a lei obrigue o trabalhador a devolver a verba compensatória recebida ao empregador, caso pretenda contestar, em tribunal, a licitude do despedimento — isto pela razão simples de que o trabalhador sempre terá, no mínimo, direito a essa importância, caso perca a ação judicial; se ganhar, então o trabalhador terá direito a receber um quantitativo pecuniário superior ao daquela compensação”.
“Dir-se-á que o dinheiro (rectius: a falta dele pelo trabalhador despedido) contribui, aqui, para a ‘estabilidade e pacificação das relações jurídicas’, que o estado de necessidade do trabalhador funciona como ‘elemento redutor da conflituosidade inerente ao despedimento’... Belas palavras. Estabilidade! Pacificação! Redução da conflituosidade! Mas palavras inteiramente deslocadas, quando se pensa que estamos a falar de um trabalhador que foi atingido por um despedimento, que assim perdeu o seu emprego e, provavelmente, o seu único ganha-pão, que, por isso mesmo, não pode dar-se ao luxo de recusar a compensação paga, ex vi legis, pelo seu (ex-)empregador e que, também por isso mesmo, não consegue deixar de gastar ao menos uma parte desse montante para satisfazer as suas necessidades básicas, agora que se encontra sem emprego. E, assim sendo, segundo a lei ele deixa de se poder dirigir a tribunal, para impugnar o despedimento”, escreve Leal Amado.
O professor de Direito lamenta que “o nosso legislador, que, inspirado pelo memorando da troika, uma década atrás, não teve qualquer pejo em rever, em forte baixa, o critério de cálculo da compensação devida aos trabalhadores abrangidos por despedimentos baseados em motivos objetivos (assim embaratecendo substancialmente tais despedimentos), não se tenha lembrado, “ao menos, nem que fosse em jeito de contrapartida, suprimir as normas referentes à presunção de aceitação do despedimento”.
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